Açoriano Oriental
Alternativa à praxe em Coimbra, sem caloiros nem doutores
Em Coimbra, há desde o ano passado uma alternativa à praxe, chamada Cria'ctividade, que procura outros caminhos e respostas de integração dos novos estudantes, sem caloiros nem doutores.
Alternativa à praxe em Coimbra, sem caloiros nem doutores

Autor: Lusa / AO online

 

No Jardim Botânico, não se ouviam gritos, não se encontravam estudantes trajados nem a correr ou de olhos postos no chão. Na Feira Cria'ctiva, o primeiro evento do Cria'ctividade, que decorreu esta semana, houve música, conversa, bolo, bancas de diferentes organismos culturais, roupa em segunda mão e uma quermesse.

Durante a iniciativa, que se estende até 16 de outubro, ninguém é "doutor" ou "caloiro". Não há hierarquias, num projeto alternativo que faz questão de não se afirmar anti-praxe e em que todos, adeptos ou não dessa tradição académica, estão convidados, sublinha a estudante Catarina Reis, da organização, considerando que o evento é um "meio-termo", que procura "outros caminhos" e "outras formas de integração".

Organizado desde 2014, o projeto explora este ano diferentes espaços da cidade, como o Ateneu, o Jardim da Sereia, o Largo de São João, em Celas, e repúblicas de estudantes, com "workshops", debates, um jantar comunitário, concertos, teatro, poesia, uma exposição em torno das repúblicas, projeção de filmes e até um campeonato de carica.

A iniciativa, promovida por seis repúblicas de Coimbra, é "inclusiva" e não discrimina "pessoas que vão à praxe". No entanto, aqui o estudante "é tratado pelo seu nome", sendo uma forma de debater "a problemática da praxe" sem se tentar impingir qualquer postura contra a mesma, explana a estudante de Línguas Modernas e residente na república Prá-Kys-Tão.

Fábio Veigas, também da organização, sublinha que, durante os eventos promovidos, a integração surge de "forma mais orgânica", em que "também há festa, também há copos, mas o modo como se interage com isso é que faz a diferença".

"É uma integração muito mais saudável, até ao nível auditivo", sublinha. Alguns estudantes parecem concordar.

José Magueija, que veio de Viseu para Coimbra este ano estudar Direito, deu um salto até à Feira Cria'ctiva, bem como à visita guiada pela Alta de Coimbra, para "experimentar" e está a gostar.

Não se afirma contra a praxe e está disposto a participar, mas avisa que a abandona se "os doutores abusarem" dos seus limites.

Valdemar Gomes também a participar no Cria'ctividade ainda não experimentou a praxe, mas do que viu até agora não lhe agrada: "Há doutores a gritarem aos ouvidos" e "pessoas a correr dum lado para o outro".

"A hierarquia é terrível. São pessoas que num dia são amigos e noutro dia são uns pequenos ditadores e têm todo o prazer nisso, de rebaixar", aponta.

Inês Miranda, de 17 anos, teve a sua "dose" de praxe no primeiro dia de aulas e não gostou.

"Eu não queria ser contra a praxe enquanto não a tivesse experimentado, e hoje experimentei e odiei de morte", conta a estudante de 1.º ano de Jornalismo da Universidade de Coimbra.

"Só o facto de termos de olhar para o chão constantemente, de não podermos olhar na cara os doutores? Quer dizer, aquelas pessoas são as pessoas que é suposto darem-nos as boas vindas. Se essas são as boas vindas do mundo mais adulto, não quero viver nesse mundo", frisou.

Para Inês, a integração "deve ser feita pela cultura e pelas coisas" que se têm em comum, acrescentando que, apesar de respeitar "as pessoas que se identificam mais com a praxe", encara o Cria'ctividade como uma forma de integração mais saudável.

O Cria'ctividade tem um orçamento de mil euros e promete continuar no futuro a dinamizar uma alternativa à tradição académica de Coimbra.

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