Açoriano Oriental
Agustina, a escritora da "confissão espontânea" que se dizia mais conhecida do que lida

Agustina Bessa-Luís, que hoje morreu aos 96 anos, afirmou numa palestra pública que era uma escritora mais conhecida do grande público do que lida, apesar das sucessivas reedições de títulos seus, nomeadamente, “A Sibila”.

Agustina, a escritora da "confissão espontânea" que se dizia mais conhecida do que lida

Autor: Lusa/AO Online

“Poucos são os que me leem, mas muitíssimo mais os que me conhecem”, disse a escritora, que contou em seguida um episódio passado no Porto, em que uma senhora na rua de Cedofeita a interpelou e lhe disse: “Sabe gosto muito de si, até estou a pensar um dia destes comprar um livro seu”.

A escritora nasceu em 15 de outubro de 1922, em Vila Meã, Amarante.

Afastada da vida pública, por razões de saúde, há cerca de duas décadas, viu reeditadas muitas das suas obras, com prefácios escritos pelos seus pares, a partir de 2016, na editora Relógio d’Água, tendo-se posto fim a uma relação da autora com a Guimarães Editores, que datava de 1954.

Nesta nova editora voltaram a ser publicados os títulos "Vale Abraão", com prefácio de António Lobo Antunes, "Fanny Owen", prefaciado por Hélia Correia, "O Mosteiro", com prefácio de Bruno Vieira Amaral, "A Ronda da Noite" (prefácio de António Mega Ferreira), "O Manto" (prefácio de João Miguel Fernandes Jorge), "Os Meninos de Ouro" (prefácio de Pedro Mexia), o livro infantojuvenil "Dentes de Rato", e o inédito "Deuses de Barro", prefaciado pela filha, a escritora Mónica Baldaque.

Outros inéditos seus conheceram também a luz do dia, através da Fundação Calouste Gulbenkian que, em 2014, publicou "Elogio do Inacabado", título que inclui os esboços de romances iniciado na década de 1960, designadamente "Homens e Mulheres", "As Grandes Mudanças", "Coração-de-Água", "O Caçador Nemrod" e "Os Meninos Flutuantes".

Em fevereiro do ano passado, a Fundação publicou “Ensaios e Artigos (1951-2007)”, em três volumes, reunindo mais de mil artigos publicados na imprensa.

Na comunicação social Agustina Bessa-Luís, de 1978 a 1979, fez crónicas matinais na RDP/Antena 1, que foram reunidas no volume "Crónica da Manhã" (2015), e colaborou também na RTP, nomeadamente no programa, por si idealizado, "Ela por Ela" (2005), em que conversava com a jornalista Maria João Seixas.

A escritora, de seu nome completo Maria Agustina Ferreira Teixeira Bessa-Luís, estreou-se literariamente em 1948, com a novela “Mundo Fechado”.

Em 1951, venceu os Jogos Florais do Minho com o conto “Civilidade”, ao qual concorreu usando como pseudónimo o nome do seu marido, o advogado Alberto Oliveira Luís.

Em 1997, quando publicou “Um Cão que Sonha”, numa conversa com público, em Oeiras, realçou a importância que tinha na sua escrita o marido. “Por tudo, do apoio à compreensão, ao incentivo e ao amor incondicional”, afirmou.

Alberto Oliveira Luís, que foi o responsável pela fixação do texto da escritora, morreu em novembro de 2017, aos 94 anos.

O conto “Civilidade” veio a ser publicado em 2012 pelo grupo Babel, que, desde 2010, integra a Guimarães Editores, tendo nesta data sido também publicado outro título inédito, “Kafkiana”, que reúne quatro textos com reflexões de natureza literária sobre a situação do homem kafkiano face ao mundo e a ele próprio.

“Quem, como eu, por razões de estudo, se interessou vivamente por um autor (trata-se de Franz Kafka, em que não pretendo doutorar-me, mas de que tirei a licenciatura) durante muito tempo, não pude evitar a sua sombra. Pelo que os meus artigos muitas vezes rodeiam os seus pensamentos, confiam nas suas palavras com esse abandono carinhoso que dedicamos a quem nos deu o pão do ensino”, escreveu Agustina.

Neste conto, a escritora retorna a um tempo e a um cenário de infância, de quando passava férias na Quinta de Cavaleiros, perto da Póvoa de Varzim. Imaginário que retomaria em textos infantis, e no romance “Antes do Degelo” (2004).

O nome de Agustina Bessa-Luís saltou para a ribalta literária em 1954 com a publicação do romance “A Sibila”, que lhe valeu os prémios Delfim Guimarães e Eça de Queiroz, que constam de uma lista de galardões que inclui o Grande Prémio de Romance e Novela, da Associação Portuguesa de Escritores, em 1983, pela obra "Os Meninos de Ouro", e que voltou a receber em 2001, com "O Princípio da Incerteza I - Joia de Família".

A escritora, que fixou residência no Porto, em 1950, recebeu o Prémio Ricardo Malheiros, em 1966 e em 1977, respetivamente, com “Canção Diante de Uma Porta Fechada” e “As Fúrias”.

Em 1967, a sua obra “Homens e Mulheres” valeu-lhe o Prémio Nacional de Novelística e, em 1980, o romance “O Mosteiro”, o Prémio D. Diniz/Casa de Mateus e o P.E.N. Clube de Ficção.

Em 1988, recebeu o Prémio RDP/Antena 1 por “Prazer e Glória” e, em 1993, o Prémio da Crítica do Centro Português da Associação Internacional de Críticos Literários por “Ordens Menores”, em 1997, recebeu o Prémio União Latina pelo romance "Um Cão que Sonha".

A escritora foi distinguida pela totalidade da sua obra com o Prémio Adelaide Ristori, do Centro Cultural Italiano de Roma, em 1975, o Globo de Ouro SIC/Caras Mérito e Excelência, em 2002, e o Prémio Eduardo Lourenço, em 2015.

Sobre Agustina, o ensaísta Eduardo Lourenço afirmou que é "incomparável" e é a "grande senhora das letras portuguesas", em declarações à Lusa, no final da cerimónia da entrega do Prémio Eduardo Lourenço à autora, há pouco mais de três anos.

Agustina recebeu ainda os Prémios Camões e Vergílio Ferreira, ambos em 2004, e o Prémio de Literatura do Festival Grinzane Cinema, em 2005.

Eduardo Prado Coelho, que foi um dos jurados do Prémio Camões, definiu-a como "uma extraordinária cronista com sentido de humor e uma visão original e, por vezes, desconcertante da literatura".

O escritor Vasco Graça Moura (1942-2014), que fez parte do mesmo júri, considerou-a "uma escritora universal".

A escritora publicou ficção, ensaios, teatro, crónicas, memórias, biografias e livros para crianças, e está traduzida em várias línguas europeias, do castelhano ao grego, e "A Sibila", que já vai na 31.ª edição, é hoje considerado um dos clássicos da literatura portuguesa do século XX.

Antes do seu nome saltar para os escaparates das livrarias, Agustina Bessa-Luís publicou “Os Super Homens” (1950) e “Contos Impopulares” (1951).

A sua bibliografia inclui títulos como "Os Incuráveis", “A Muralha”, "Ternos Guerreiros", "O Sermão do Fogo", "A Dança das Espadas", "As Pessoas Felizes", "Santo António", "O Concerto dos Flamengos", "Ternos Guerreiros", "A Dança das Espadas", "As Pessoas Felizes", "Crónica do Cruzado Osb", "A Brusca", "Aquário e sagitário", "Doidos e Amantes", e os três volumes de "O Princípio da Incerteza", entre outros.

O último romance que publicou, "A Ronda da Noite", saiu em setembro de 2006.

Várias obras suas foram adaptadas ao cinema pelo realizador Manoel de Oliveira, “Fanny Owen” (1981, adaptado para “Francisca”), “Vale Abraão” (1993), “As Terras do Risco” (1995, adaptado para “O Convento”) e “O Princípio da Incerteza” (2002).

Escreveu ainda os diálogos de “Party” (1996), a partir da sua peça de teatro “Party: Garden-Party dos Açores”, e o seu conto “A Mãe de Um Rio”, faz parte da película “Inquietude” (1998). Também o realizador João Botelho adaptou, em 2009, “A Corte do Norte”.

Entre as peças, é autora d'“A Bela Portuguesa”, levada à cena na Casa da Comédia, em Lisboa, em 1987, numa encenação de Filipe la Féria, que adaptou ao teatro o seu romance “As Fúrias”, em 1995.

“A Bela Portuguesa” foi representada novamente, em 2005, na X Mostra Internacional de Teatro Universitário, em Lisboa, numa encenação de Jorge Almeida. A autora escreveu para teatro "Garrett: o Eremita do Chiado", "Estados Eróticos Imediatos de Soren Kierkegaard" e "Inseparável ou o Amigo por Testamento".

Embora sempre ligada à produção literária - até cerca de 2006 publicava uma média de um livro por ano -, Agustina Bessa-Luís foi diretora do jornal O Primeiro de Janeiro, de 1986 a 1987, mais tarde, membro da Alta Autoridade para a Comunicação Social, e diretora do Teatro Nacional D. Maria II, de 1990 a 1993.

Em 1985, foi mandatária da candidatura presidencial de Diogo Freiras do Amaral e, em finais de 2006, apoiou o "sim" no referendo sobre a despenalização do aborto.

A autora era membro da Academia de Ciências de Lisboa, na Classe das Letras, da Academie Européenne des Sciences, des Arts et des Lettres, de Paris, e da Academia Brasileira de Letras.

Foi membro do Conselho Diretivo da Comunitá Europea degli Scrittori (1961-1962).

No ano passado, a Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD) concluiu um ano de homenagem a Agustina Bessa-Luís, com a atribuição do doutoramento Honoris Causa à escritora, em Vila Real, a primeira mulher a ser distinguida com este título honorífico pela UTAD.

No início deste ano, foi publicada a biografia "O Poço e a Estrada - Biografia de Agustina Bessa-Luís", da autoria Isabel Rio Novo.

Em 2013, em declarações à Lusa, a filha da escritora, Mónica Baldaque, afirmou que estava a ser organizado o arquivo de Agustina Bessa-Luís, referindo que havia "centenas de papelinhos escritos por si, notas que registava em faturas, em agendas, aforismos, pensamentos que, de alguma forma, iria utilizar na obra".

Agustina Bessa-Luís foi condecorada como Grande Oficial da Ordem de Sant'Iago da Espada, de Portugal, em 1981, elevada a Grã-Cruz em 2006, e o grau de Cavaleiro da Ordem das Artes e das Letras, de França, em 1989, tendo recebido a Medalha de Honra da Cidade do Porto em 1988.

Questionada sobre o que escrevia, a autora disse, num encontro na Póvoa do Varzim: “É uma confissão espontânea que coloco no papel”.


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