Açoriano Oriental
Açoriano descobre alvo molecular para tratamento da Covid-19

João Medeiros Silva Natural do Porto Formoso e investigador no MIT descreveu proteína do vírus SARS-COV-2 que pode ser usada para encontrar medicamento para tratamento da Covid-19

Açoriano descobre alvo molecular para tratamento da Covid-19

Autor: Ana Carvalho Melo

João Medeiros Silva, investigador em biofísica estrutural no Massachusetts Institute of Technology (MIT) em Boston, publicou no mês de outubro, no periódico Science Advances, um estudo no qual descreve a estrutura molecular e funcionamento da proteína E do SARS-CoV-2, contribuindo para tornar mais simples encontrar um medicamento que bloqueie a proteína E do coronavírus, prevenindo assim a desregulação de cálcio e a inflamação aguda no corpo.

Natural do Porto Formoso e antigo aluno da Escola Secundária da Ribeira Grande, João Medeiros Silva, de 32 anos, revela em entrevista ao Açoriano Oriental em que consiste a investigação que agora foi publicada, assim como o seu percurso profissional.

Este estudo que agora foi publicado em que consiste? Que mais-valias trará no futuro?

O estudo consistiu em descrever a estrutura molecular e o funcionamento de uma das proteínas do SARS-CoV-2, ou seja, do coronavírus da Covid-19. A importância do resultado é que esta proteína, chamada proteína E, está fortemente envolvida com os altos níveis de inflamação em pessoas infetadas. Assim, ao entender o funcionamento da proteína E, é agora possível encontrar uma forma de a bloquear com um fármaco, por exemplo. Para esta descoberta, desenvolvi técnicas de Ressonância Magnética Nuclear que permitiram desvendar o funcionamento da proteína E com resolução atómica, tendo concluído que a proteína reage à presença de acidez e iões de cálcio.

Nestas condições, a proteína abre-se para transportar cálcio e protões dentro das células, provocando assim a inflamação. Com estas informações, é agora muito mais fácil encontrar um medicamento que consiga bloquear a proteína E do coronavírus, prevenindo assim a desregulação de cálcio e a inflamação aguda no corpo. Já existem vários laboratórios a tentar desenvolver medicamentos que visam reduzir a inflamação aguda em pacientes com Covid-19, através desta proteína E.

Até ao momento, as propriedades centrais da proteína E mantiveram-se em todas as variantes do vírus, portanto, os novos medicamentos que forem descobertos poderão ser viáveis para o tratamento da Covid-19 durante anos. Os métodos e procedimentos que foram desenvolvidos vão ainda facilitar o estudo de proteínas semelhantes à E em outros coronavírus, mas também nos vírus da gripe e da Hepatite C.

Como é que surgiu o seu interesse pela bioquímica e o que o levou a escolher esta área para ?

Durante o ensino secundário, as disciplinas que mais me entusiasmaram foram as de matemática, físico-química e biologia. Não consegui decidir-me por qual área seguir, mas a bioquímica pareceu-me uma boa escolha por estar na interface daquelas disciplinas. Mesmo depois de estudar bioquímica, continuei indeciso, de tal forma que, no mestrado, explorei as áreas de química orgânica e, no doutoramento, a biofísica. Diria que, acima de tudo, fascina-me a possibilidade de construir novas substâncias e materiais, e de explorar o mundo a uma escala muito pequena, desde um micróbio até ao núcleo de um átomo.

Após terminar a sua licenciatura seguir uma carreira como investigador foi o realizar do que gostaria de fazer?

Quando terminei a licenciatura, senti que queria começar algo relevante, tanto para mim como para a comunidade, fosse no setor privado ou académico. Escolhi ser investigador universitário porque esta posição permite-me seguir ideias que não têm necessariamente uma aplicação comercial. Isto possibilita-me conduzir a minha investigação com toda a minha liberdade criativa, desde que produza resultados relevantes. Por exemplo, no doutoramento, desenvolvi um procedimento para estudar o funcionamento de certos antibióticos.

Em si, este procedimento não traz uma aplicação medicinal direta, mas já está a ser utilizado por outros investigadores e empresas farmacêuticas para desenvolver novos antibióticos no futuro. A segunda razão que me levou ao setor académico é o ensino, pois gosto imenso de treinar novos cientistas e falar sobre ciência. Ainda assim, alerto os jovens aspirantes que o setor académico é muito desafiante nos estágios iniciais, devido à competitividade, insegurança e instabilidade da posição de investigador.

O seu percurso pode vir a inspirar outros jovens a seguirem os seus sonhos na área da investigação. Que mensagem gostaria de lhes transmitir?

Eu acho que investigadores aspirantes são curiosos, entusiasmados, têm uma convicção forte nos seus objetivos e têm espírito reflexivo. Na minha experiência, estas características são mais valiosas do que o grau de inteligência. No geral, recomendo a todos os jovens a serem proativos. No caso da investigação, contactem os professores, os laboratórios ou as oficinas e perguntem se há disponibilidade para ganhar experiência e habilidades técnicas. Isto ajudará a entender melhor os conteúdos das aulas, e irá desenvolver currículo e uma rede de contactos.

Claro que dá muito trabalho, mas tenham coragem em tomar a iniciativa. Para os jovens que já estão a fazer investigação, sejam persistentes, a maioria das experiências que fazemos no laboratório não funciona à primeira ou segunda tentativa. O truque está em falhar rapidamente com testes preliminares. E como nos diz Louis Pasteur, a sorte acontece àqueles que estão atentos à descoberta. Por fim, quero assegurar que qualquer pessoa com perseverança pode tornar-se investigador, independentemente do seu género, etnia ou classe social. Stephen Hawking tornou-se num dos físicos mais celebrados no último século, mesmo com as suas limitações físicas. Tomas Lindahl alcançou o Nobel da Química, tendo reprovado em química no secundário.

A investigadora Katalin Karikó sofreu uma enorme pressão para desistir da sua investigação, mas a sua forte convicção culminou com as vacinas de mRNA contra a Covid-19, e a sua atribuição ao Nobel da Medicina em 2023. Portanto, não pensem que a investigação só é bem-sucedida aos outros; apesar dos vossos próprios desafios vocês também o poderão ser.

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