Autor: Tatiana Ourique/ Açoriano Oriental
Açoriano Oriental
- Depois de um ano de interregno nas celebrações da Semana Santa, que
significado assume esta Páscoa neste contexto ainda incerto?
Dom João Lavrador Em qualquer contexto em que se viva, a Páscoa
tem o seu fundamento no acontecimento histórico do julgamento, da morte e da
ressurreição de Jesus de Nazaré.
O facto da
ressurreição pode considerar-se histórico porque é vivido pelos doze Apóstolos,
pela Mãe de Jesus e por algumas mulheres. Fazendo parte da experiência destas
pessoas muito ligadas a Jesus de Nazaré é já um facto que nos introduz no além
do tempo e do espaço.
A partir deste
acontecimento primordial que marca uma novidade absoluta na história da
humanidade, nasce uma comunidade de pessoas que pela acção do Espirito Santo,
uma vez escutando o relato feito pelas primeiras testemunhas, aceitam viver
segundo os ditames da comunhão com a pessoa de Jesus Cristo, escutando
permanentemente a Sua Palavra, celebrando com assiduidade os mistérios da vida
de Jesus e partilhando dos seus dons e bens como autênticos irmãos.
É esta comunidade
de fé e de vida em Cristo que ininterruptamente ofereceu em cada geração o
testemunho da vida de Jesus Cristo e criou as condições para a vida segundo o
Evangelho.
A Igreja é hoje,
pela acção do Espirito Santo, a comunidade que nos tempos actuais está atenta
aos Sinais dos Tempos e faz o seu discernimento á luz do Evangelho e testemunha
a vida de Cristo como Salvador de todo o homem e mulher.
Claro que a vida
da comunidade cristã não é alheia às circunstâncias em que a humanidade vive.
Neste sentido, nestes últimos dois anos, a pandemia do Covid/19 afectou a
sociedade no seu todo mas também a vida da comunidade cristã.
O medo
instalou-se, o afastamento físico tornou-se obrigatório, a pobreza e a exclusão
aumentaram, as comunidades ficaram desarticuladas e a sensação de incapacidade
para travar a pandemia é uma constante.
Por isso, se as celebrações
litúrgicas exigem o respeito pelas regras sanitárias e comportam menos gente,
também é verdade que é o tempo para uma profunda reflexão sobre a condição
humana, a necessidade de edificarmos uma sociedade de amizade, no dizer do Papa
Francisco, e de reconhecermos que só na partilha de irmãos poderemos renovar a
nossa sociedade e a nossa Igreja.
AO - A Páscoa é a
ressurreição. Acredita que o Serviço Diocesano da Pastoral Social terá de fazer
ressuscitar uma sociedade no verdadeiro sentido da palavra?
D.J.L- Certamente que o
Serviço Diocesano da Pastoral Social terá, neste contexto, um papel
importantíssimo na consciencialização das pessoas para a partilha, na denuncia
dos oportunismos ideológicos e económicos que espreitam a ocasião para lançarem
as suas garras ávidos de domínio, e convocar toda a comunidade para em conjunto
oferecer os fundamentos de uma nova cultura e de uma nova sociedade alicerçada
na partilha que conduz a uma nova humanidade.
Mas esta tarefa
não é só deste sector da vida pastoral diocesana, é de toda a sociedade, na
qual têm uma relevância e obrigação os poderes públicos, todas as formas de
associação, os movimentos e cada uma das comunidades cristãs.
Aliás, esta
«ressurreição» já está acontecer através de numerosos grupos de voluntários, de
movimentos, de diversas instituições e organizações que se sentem interpelados
à acção em favor dos excluídos e dos mais pobres.
Importa colocar a
pessoa humana no centro das decisões, nomeadamente os mais pobres, e articular
projectos de promoção humana que edifique uma nova humanidade assente na
justiça, na liberdade e na paz através de uma genuína fraternidade.
Na verdade, a
ressurreição é vida nova que já circula na sociedade através da participação de
todos os baptizados. Urge que cada um dos cristãos e cada comunidade tornem
cada vez mais nítida, através de gestos concretos, esta vida nova que enche de
esperança e alegria a sua vida e que deve atingir toda a sociedade.
AO - Que
consequências se prevê que a Pandemia tenha trazido para a prática religiosa na
Diocese de Angra?
D.J.L - Já referi um
pouco destas consequências trazidas pela pandemia e que afectam a prática
religiosa.
Começaria por
mencionar o medo que paralisa. Por alguma razão S. João Paulo II, nas varandas
da Basílica de S. Pedro, acabado de ser eleito Papa, exortava todos os que o
ouviam dizendo: «Não tenhais medo».
O medo a que ele
se referia era outro mas continua a ser oportuno o seu apelo.
Já vínhamos,
mesmo antes da pandemia, a construir uma sociedade de medo, mas agora aumentou
este sentimento de insegurança.
Exige-se um
trabalho educativo que gere confiança e responsabilidade. Vem-me à lembrança as
palavras de Santa Teresa de Jesus quando refere que «quem tem a Deus nada lhe
falta» e por isso «nada te perturbe e na te espante, só Deus basta».
Como também já
referi, as comunidades cristãs ficaram desarticuladas. Há menos participantes
nos actos litúrgicos, não foi possível realizar muitas das acções de formação,
perderam-se alguns hábitos de participação comunitária e, sobretudo, os
cristãos menos conscientes da sua fé afastaram-se da comunidade cristã.
Este facto exige
um novo esforço por ir ao encontro de todas estas pessoas convidando-as e
oferecendo-lhes projectos evangelizadores que respondam às suas interrogações e
desafios.
Este tempo poderá
ser óptimo para a edificação de comunidades cristãs mais activas e conscientes
da sua fé.
É um tempo
favorável a proporcionar às paróquias um rosto missionário, tal como interpela
o Papa Francisco.
A experiência
cristã nas famílias é algo a desenvolver. Com as dificuldades que muitas
famílias tiveram de se deslocar às celebrações litúrgicas, aproveitaram para
valorizar a chamada Igreja doméstica que é fundamental para maior vitalidade
cristã nas paróquias.
As situações de
pobreza e marginalidade que cresceram com a pandemia, exigem um redobrado
esforço por parte das comunidades cristãs na partilha, no acolhimento e na promoção
humana de todos os paroquianos.
Numa palavra, há
um forte desafio à nova evangelização.
AO - Os Açores
assentam a sua prática religiosa na religiosidade popular que é, na sua
maioria, celebrada em comunidade. Acredita que em breve estas celebrações
poderão voltar a ter lugar nas 9 ilhas?
D.J.L - As celebrações já estão a realizar-se em todas as
ilhas dos Açores, apesar das restrições e da responsabilização individual para
que se cumpram as regras sanitárias.
Há, contudo,
alguns actos que são próprios da riqueza expressiva da religiosidade popular,
como as procissões e os aglomerados de gente pelas celebrações do Espirito
Santo, que não se poderão realizar dados os efeitos que poderão provocar na
propagação do vírus.
Neste contexto,
estamos chamados ao essencial. Isto é, à centralidade da Eucaristia, à oração
comunitária, à escuta da Palavra de Deus, à partilha fraterna, à meditação e
contemplação do mistério de Jesus Cristo na vida de cada pessoa.
Fica-nos a
esperança de que em breve já estejamos capacitados para uma vida religiosa e
social que nos aproxime de todos. A vacinação, a responsabilização individual por seguir as
normas sanitárias e a imunidade de grupo que certamente alcançaremos dão-nos a
confiança de que retomaremos a vida em comunhão fraterna e animados por
valorizarmos cada vez as relações de proximidade entre todos.
AO - Que mensagem
gostaria de deixar aos açorianos nesta Páscoa, ainda, atípica?
D.J.L - Deixo uma mensagem de esperança.
O ser humano
transporta em si mesmo um potencial de esperança que, apesar de todos os medos
e ameaças, ressurge em todos os momentos da vida.
A partilha
fraterna oferece um potencial de esperança e confiança que nenhuma
contrariedade poderá suplantar.
Acrescentemos,
ainda que a Páscoa de Jesus Cristo oferece à humanidade no seu todo e a cada
pessoa em particular as coordenadas para uma vida que se desenrola passando do
sofrimento e da morte à vida sempre renovada.
Apostando nas
capacidades humanas e sobretudo na oferta de vida nova que Jesus de Nazaré nos
oferece coma Sua ressurreição, vamos caminhar na esperança e na alegria.
Para todos os
açorianos a viver no território ou na diáspora, desejo uma santa e feliz Páscoa.