Açoriano Oriental
A “ressurreição” já está a acontecer com o surgimento de organizações de apoio social, diz Dom João Lavrador

O Bispo Dom João Lavrador deixa, nesta Páscoa, uma mensagem de esperança a todos os açorianos, dentro e fora da região.


A “ressurreição” já está a acontecer com o surgimento de organizações de apoio social, diz Dom João Lavrador

Autor: Tatiana Ourique/ Açoriano Oriental

Açoriano Oriental - Depois de um ano de interregno nas celebrações da Semana Santa, que significado assume esta Páscoa neste contexto ainda incerto?

 

Dom João Lavrador Em qualquer contexto em que se viva, a Páscoa tem o seu fundamento no acontecimento histórico do julgamento, da morte e da ressurreição de Jesus de Nazaré.

O facto da ressurreição pode considerar-se histórico porque é vivido pelos doze Apóstolos, pela Mãe de Jesus e por algumas mulheres. Fazendo parte da experiência destas pessoas muito ligadas a Jesus de Nazaré é já um facto que nos introduz no além do tempo e do espaço.

A partir deste acontecimento primordial que marca uma novidade absoluta na história da humanidade, nasce uma comunidade de pessoas que pela acção do Espirito Santo, uma vez escutando o relato feito pelas primeiras testemunhas, aceitam viver segundo os ditames da comunhão com a pessoa de Jesus Cristo, escutando permanentemente a Sua Palavra, celebrando com assiduidade os mistérios da vida de Jesus e partilhando dos seus dons e bens como autênticos irmãos.

É esta comunidade de fé e de vida em Cristo que ininterruptamente ofereceu em cada geração o testemunho da vida de Jesus Cristo e criou as condições para a vida segundo o Evangelho.

A Igreja é hoje, pela acção do Espirito Santo, a comunidade que nos tempos actuais está atenta aos Sinais dos Tempos e faz o seu discernimento á luz do Evangelho e testemunha a vida de Cristo como Salvador de todo o homem e mulher.

Claro que a vida da comunidade cristã não é alheia às circunstâncias em que a humanidade vive. Neste sentido, nestes últimos dois anos, a pandemia do Covid/19 afectou a sociedade no seu todo mas também a vida da comunidade cristã.

O medo instalou-se, o afastamento físico tornou-se obrigatório, a pobreza e a exclusão aumentaram, as comunidades ficaram desarticuladas e a sensação de incapacidade para travar a pandemia é uma constante.

Por isso, se as celebrações litúrgicas exigem o respeito pelas regras sanitárias e comportam menos gente, também é verdade que é o tempo para uma profunda reflexão sobre a condição humana, a necessidade de edificarmos uma sociedade de amizade, no dizer do Papa Francisco, e de reconhecermos que só na partilha de irmãos poderemos renovar a nossa sociedade e a nossa Igreja.

 

 

AO - A Páscoa é a ressurreição. Acredita que o Serviço Diocesano da Pastoral Social terá de fazer ressuscitar uma sociedade no verdadeiro sentido da palavra?

 

D.J.L- Certamente que o Serviço Diocesano da Pastoral Social terá, neste contexto, um papel importantíssimo na consciencialização das pessoas para a partilha, na denuncia dos oportunismos ideológicos e económicos que espreitam a ocasião para lançarem as suas garras ávidos de domínio, e convocar toda a comunidade para em conjunto oferecer os fundamentos de uma nova cultura e de uma nova sociedade alicerçada na partilha que conduz a uma nova humanidade.

Mas esta tarefa não é só deste sector da vida pastoral diocesana, é de toda a sociedade, na qual têm uma relevância e obrigação os poderes públicos, todas as formas de associação, os movimentos e cada uma das comunidades cristãs.

Aliás, esta «ressurreição» já está acontecer através de numerosos grupos de voluntários, de movimentos, de diversas instituições e organizações que se sentem interpelados à acção em favor dos excluídos e dos mais pobres.

Importa colocar a pessoa humana no centro das decisões, nomeadamente os mais pobres, e articular projectos de promoção humana que edifique uma nova humanidade assente na justiça, na liberdade e na paz através de uma genuína fraternidade.

Na verdade, a ressurreição é vida nova que já circula na sociedade através da participação de todos os baptizados. Urge que cada um dos cristãos e cada comunidade tornem cada vez mais nítida, através de gestos concretos, esta vida nova que enche de esperança e alegria a sua vida e que deve atingir toda a sociedade.

 

AO - Que consequências se prevê que a Pandemia tenha trazido para a prática religiosa na Diocese de Angra?


D.J.L - Já referi um pouco destas consequências trazidas pela pandemia e que afectam a prática religiosa.

Começaria por mencionar o medo que paralisa. Por alguma razão S. João Paulo II, nas varandas da Basílica de S. Pedro, acabado de ser eleito Papa, exortava todos os que o ouviam dizendo: «Não tenhais medo».

O medo a que ele se referia era outro mas continua a ser oportuno o seu apelo.

Já vínhamos, mesmo antes da pandemia, a construir uma sociedade de medo, mas agora aumentou este sentimento de insegurança.

Exige-se um trabalho educativo que gere confiança e responsabilidade. Vem-me à lembrança as palavras de Santa Teresa de Jesus quando refere que «quem tem a Deus nada lhe falta» e por isso «nada te perturbe e na te espante, só Deus basta».

Como também já referi, as comunidades cristãs ficaram desarticuladas. Há menos participantes nos actos litúrgicos, não foi possível realizar muitas das acções de formação, perderam-se alguns hábitos de participação comunitária e, sobretudo, os cristãos menos conscientes da sua fé afastaram-se da comunidade cristã.

Este facto exige um novo esforço por ir ao encontro de todas estas pessoas convidando-as e oferecendo-lhes projectos evangelizadores que respondam às suas interrogações e desafios.

Este tempo poderá ser óptimo para a edificação de comunidades cristãs mais activas e conscientes da sua fé.

É um tempo favorável a proporcionar às paróquias um rosto missionário, tal como interpela o Papa Francisco.

A experiência cristã nas famílias é algo a desenvolver. Com as dificuldades que muitas famílias tiveram de se deslocar às celebrações litúrgicas, aproveitaram para valorizar a chamada Igreja doméstica que é fundamental para maior vitalidade cristã nas paróquias.

As situações de pobreza e marginalidade que cresceram com a pandemia, exigem um redobrado esforço por parte das comunidades cristãs na partilha, no acolhimento e na promoção humana de todos os paroquianos.

Numa palavra, há um forte desafio à nova evangelização.

 

AO - Os Açores assentam a sua prática religiosa na religiosidade popular que é, na sua maioria, celebrada em comunidade. Acredita que em breve estas celebrações poderão voltar a ter lugar nas 9 ilhas?

 

D.J.L - As celebrações já estão a realizar-se em todas as ilhas dos Açores, apesar das restrições e da responsabilização individual para que se cumpram as regras sanitárias.

Há, contudo, alguns actos que são próprios da riqueza expressiva da religiosidade popular, como as procissões e os aglomerados de gente pelas celebrações do Espirito Santo, que não se poderão realizar dados os efeitos que poderão provocar na propagação do vírus.

Neste contexto, estamos chamados ao essencial. Isto é, à centralidade da Eucaristia, à oração comunitária, à escuta da Palavra de Deus, à partilha fraterna, à meditação e contemplação do mistério de Jesus Cristo na vida de cada pessoa.

Fica-nos a esperança de que em breve já estejamos capacitados para uma vida religiosa e social que nos aproxime de todos. A vacinação, a  responsabilização individual por seguir as normas sanitárias e a imunidade de grupo que certamente alcançaremos dão-nos a confiança de que retomaremos a vida em comunhão fraterna e animados por valorizarmos cada vez as relações de proximidade entre todos.

 

AO - Que mensagem gostaria de deixar aos açorianos nesta Páscoa, ainda, atípica?

 

D.J.L - Deixo uma mensagem de esperança.

O ser humano transporta em si mesmo um potencial de esperança que, apesar de todos os medos e ameaças, ressurge em todos os momentos da vida.

A partilha fraterna oferece um potencial de esperança e confiança que nenhuma contrariedade poderá suplantar.

Acrescentemos, ainda que a Páscoa de Jesus Cristo oferece à humanidade no seu todo e a cada pessoa em particular as coordenadas para uma vida que se desenrola passando do sofrimento e da morte à vida sempre renovada.

Apostando nas capacidades humanas e sobretudo na oferta de vida nova que Jesus de Nazaré nos oferece coma Sua ressurreição, vamos caminhar na esperança e na alegria.

Para todos os açorianos a viver no território ou na diáspora, desejo uma santa e feliz Páscoa.


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