Autor: Lusa/AO Online
A obra "Não Percas a Rosa/Ó Liberdade, Brancura do Relâmpago" junta inéditos, as crónicas publicadas em jornais da época e esse diário, iniciado a 25 de Abril de 1974, que Natália Correia prosseguiu para lá do 25 de novembro do ano seguinte.
A publicação é agora da responsabilidade da editora e livraria Ponto de Fuga, em Lisboa, e o lançamento é feito hoje, no Botequim, o antigo bar de Natália Coreia, ao largo da Graça, na capital portuguesa.
Insubmissa, controversa, silenciada pelo regime fascista, Natália Correia voltou a ser censurada na democracia saída do 25 de Abril, quando trabalhadores do vespertino A Capital proibiram a publicação das suas cónicas, em julho de 1974.
Na altura, o jornal era dirigido por David Mourão-Ferreira, que contratava para colunistas outros conhecidos intelectuais de Lisboa: Alexandre O’Neill, António Alçada Baptista, Jacinto do Prado Coelho, Luiz Francisco Rebello e José Barata Moura. Juntou-se-lhes Natália Correia, poetisa, libertária e desbocada.
Nos jornais como A Capital, A Luta e Portugal Socialista, Natália vai propor uma interpretação dos militares de Abril sob o prisma da psicanálise, e acusá-los de imitações de “Machéis e Cabrais", afetados por “penetrações doutrinantes no seio das tropas portuguesas que combatiam no Ultramar”.
Nas palavras da poetisa, a reforma Agrária é um “roubo de terras”, Otelo, “um grotesco parasita”, e a autora afirma-se como alguém “que ousa dizer umas verdades ao canonizado MFA”.
Quando olhava à sua volta, porém, para muitos dos que bradavam contra a revolução, o que via Natália?
“Quem me havia de dizer que meia dúzia de banalidades inconformistas, proferidas nesta aldeia de castrados pelo terrorismo verbal que reduz a perversão reaccionária a liberdade de criticar, me transformaria numa Nossa Senhora dos cobardes!", escreveu.
O livro "Não Percas a Rosa/Ó Liberdade, Brancura do Relâmpago" surge quase 40 anos após a edição original do diário ("Não percas a rosa"), pelas Publicações D. Quixote (1978).
As crónicas, reunidas sob o título "Ó Liberdade, Brancura do Relâmpago", vão de 15 de julho de 1974 a 22 de março de 1976, e o atual volume soma uma dúzia de inéditos, não datados, mas referentes a acontecimentos da época.
O diário também recupera inéditos, num conjunto que se estende até 20 de dezembro de 1975, e ao qual a escritora regressa em 1978, em vésperas da primeira edição em livro: "Releio este diário passados três anos sobre os dias frementes que nele se encadeiam (...) Sim, a festa revolucionária foi a revelação súbita do trágico".
A conjugação dos dois volumes soma mais de 700 páginas, que também contam com imagens da escritora e reproduções documentais do seu espólio, de que é fiel depositária a Biblioteca Pública e Arquivo Regional de Ponta Delgada.
A pesquisa e introdução é da investigadora Ângela Almeida, especialista na obra da escritora, autora de "Natália Correia, Mãe Ilha, catálogo biobibliográfico e iconográfico" (1993), "Retrato de Natália Correia" (1994) e responsável pela organização e introdução de "In Memoriam Natália Correia" (2006).
O lançamento, no Botequim, acontece exatamente 40 anos depois de a poetisa escrever, com pessimismo: “O indicativo é sombrio: aproximamo-nos daquele ponto agónico em que as direitas têm à mão a grande e detestável competência para castigar os filhos rebeldes, submetendo-os à sua brutal decisão de fazer entrar isto na ordem”.
E, mais tarde, já com a vitória dos Comandos: “Bombas e petardos rebentam em vários pontos do País. Festeja-se o afogamento da revolução. Lisboa é o sítio do naufrágio. O telefone retine insistentemente. São amigos do Porto, de Coimbra. Pedem-me que saia deste inferno. 'É uma loucura ficares aí, à mercê da catástrofe.' Mas fico. Agora sim, decifram-se reais prenúncios do abalo que poderá endireitar o eixo da revolução. O estrondo que lhe cate as parasitárias mentiras. Ganhe quem ganhar, o que é preciso é a bomba que solte a vaga dos apavorados”.