Uma frase colada de um outro acórdão foi a razão para o SupremoTribunal de Justiça obrigar o Tribunal Judicial de Ponta Delgada a reescrever um acórdão, onde condenou “Alberto” (nome fictício) a sete anos de prisão efetiva pelo crime de tráfico agravado.
De acordo com a sentença consultada pelo Açoriano Oriental, o caso remonta a 2024, quando o o arguido de 21 anos foi apanhado pela PSP, no interior de um veículo estacionado no Largo Mártires da Pátria, junto à Escola Secundária Antero de Quental, em Ponta Delgada, com 25 gramas de haxixe, o suficiente para 82 doses individuais.
“Alberto”não era um desconhecido da polícia. Aliás, o cenário em que se deu a detenção mais pareceu um “deja vú”, pois dois anos antes, em 2022, naquele mesmo local, tinha sido apanhado a traficar estupefacientes, 68 doses de haxixe.
Uma detenção que lhe valeu uma condenação, decidida a 13 de março de 2024, de pena de dois anos, suspensa, e transitado em julgado a 22 de março.
Ora, o suspeito não perdeu muito tempo, pois nem um mês depois da decisão, a 6 de abril, viria a ser apanhado em flagrante delito. Desta feita, a pena foi de seis anos de prisão efetiva.
Como se tratavam de dois crimes, o cúmulo jurídico foi de sete anos de cadeia.
O caso parecia bastante direto, sem qualquer motivo para que a apelação da defesa de “Alberto”tivesse sucesso.
Argumentou o advogado do arguido que se tratava de alguém muito jovem e imaturo, com personalidade influenciável e dificuldades emocionais, que a droga em questão era considerada menos grave, que seis anos de prisão era suficiente, pedindo que o cúmulo jurídico fosse reduzido para seis anos e quatro meses. E, e é aqui que o caso se torna caricato: no texto da sentença, havia uma frase que não pertencia ao seu caso.
Por seu lado, o Ministério Público defendeu que a pena era adequada, pois tratou-se de um caso de tráfico de droga junto a uma escola secundária, num local muito frequentado pelos estudantes, que o arguido voltou a traficar no mesmo local onde já tinha sido condenado, pelo que não houve erro na aplicação da lei.
Ora, perante estes argumentos, que decidiu o Supremo Tribunal de Justiça?Que o acórdão era nulo, porque o parágrafo que justificava os sete anos de cúmulo jurídico tratou-se de um... lapso. Ou seja, o magistrado que julgou o caso na 1.ª instância fez um “copy paste” que correu mal, colando no texto do acórdão uma frase que pertencia a outro caso.
“Deste modo há que ter em atenção que o condenado praticou, num curto espaço de tempo, diversos crimes, ofendendo diversos bens jurídicos, não tendo outras condenações para além daquelas que se encontram aqui em cúmulo. Não ignoramos que os crimes foram praticados em contexto de toxicodependência, mas a seu favor nada abona, não existindo qualquer apoio no exterior, tanto mais que a sua esposa se encontra na situação de sem-abrigo e de toxicodependente. Acresce que aquele revela alguns défices pessoais e sociais, tendendo a agir impulsivamente perante contextos de pressão e que já realizou tratamento à toxicodependência, mas voltou a consumir”, era a frase que pertencia a outro caso.
Em junho deste ano, o relator do despacho já tinha assinalado o “manifesto lapso”, justificado pelo “uso de ferramentas informáticas”. Em dezembro, o Supremo considerou que “a única e exígua fundamentação de facto da pena única encontrada pelo tribunal foi desconsiderada por despacho do relator do acórdão da 1ª instância”, pelo que, decidiu: “tendo sido afastado o único parágrafo que integrava a fundamentação da pena por referência ao critério legalmente previsto, a pena encontrada apresenta-se totalmente desprovida de fundamentação”.
No entanto, isto não quer dizer que o julgamento vai ter de ser repetido: aliás, a decisão do Supremo não interferiu nem na condenação, nem na pena atribuída ao “Alberto”. Apenas exige que o juiz do Tribunal Judicial de Ponta Delgada refaça o acórdão, sem lapsos, que fundamente os passos tomados até se chegar à pena de sete anos de prisão efetiva.
