“Este é um tempo de grandes emoções, em que as memórias dos afetos vêm todas ao de cima”. É assim que Aldina Gamboa, vice-presidente do Centro Paroquial e Social da Fajã de Baixo, descreve a forma como o Natal é vivido no Lar Nossa Senhora dos Anjos, uma realidade marcada por sentimentos intenso, expectativas e contrastes.
Atualmente, o Lar acolhe 27 crianças e jovens, com idades entre os dois e os 25 anos. Nesta quadra natalícia, cerca de 14 crianças e jovens passam o Natal totalmente fora do acolhimento, junto das famílias, enquanto outras vão apenas durante alguns dias ou na véspera de Natal e regressam a 25. Permanecem em acolhimento cerca de 12 a 13 crianças e jovens, para quem a noite de 24 e o dia 25 assume um significado particular.
Segundo Aldina Gamboa, o período mais difícil não é propriamente o dia de Natal, mas as semanas que antecedem: “É antes da festa que há mais instabilidade. Sonha-se com aquilo que poderia ser e não é”. É uma fase marcada pela expectativa e pela incerteza, sobretudo entre os mais velhos que imaginam que alguém possa aparecer à última da hora e mudar o rumo das festividades.
Alexandre Botelho, psicólogo do Lar, explica que a equipa sensibiliza as famílias para avançarem com os pedidos judiciais de saída o quanto antes. No entanto, muitos desses pedidos são feitos tardiamente e acabam por prolongar a ansiedade das crianças e jovens até quase ao último momento.
Esta instabilidade reflete-se de forma diferente consoante a idade. As crianças mais pequenas vivem o Natal com entusiasmo, centradas nas prendas, nas luzes e nos chocolates. Para elas, o Natal é sobretudo um dia diferente, alegre e com muitos estímulos. Já os jovens e adolescentes têm uma consciência mais clara da ausência da família e da comparação com os outros: “É quando surgem as perguntas mais difíceis, porque é que os outros vão e eu fico? Porque é que não estou com a minha família?”, explica Bárbara Tavares, diretora técnica e assistente social.
A noite de Natal no Lar Nossa Senhora dos Anjos é pensada ao pormenor para que seja o mais próximo possível da experiência familiar. A consoada é preparada com a participação de todos, desde a escolha da ementa à confeção das sobremesas. A mesa é decorada com cuidado e o ritmo da noite é desacelerado, para permitir conversa e partilha. As prendas são abertas mais tarde e resultam maioritariamente de donativos. No dia 25, vive-se sem pressa, aproveitam um filme e comem da mesa do “menino mija”.
Apesar deste cuidado, o Natal continua a ser uma época emocionalmente exigente, tanto para as crianças e jovens como para a equipa técnica: “A base do nosso trabalho é muito afeto, miminho e a proximidade junto deles, mesmo que estejam revoltados”, sublinha a diretora técnica. A presença constante dos adultos, a escuta e o acompanhamento individual são essenciais para ajudar a atravessar sentimentos de tristeza, revolta ou isolamento que surgem com maior intensidade nesta altura.
Bárbara Tavares acrescenta ainda que o Natal é, tradicionalmente, um período em que aumentam os pedidos de acolhimento, reflexo de situações familiares que se agravam ou se tornam mais visíveis durante as festas.
Depois do dia 25, a tensão tende a diminuir e expectativa dá lugar a uma maior serenidade e à retoma da rotina, para quem fica. Para os que regressam das famílias, o retorno à realidade pode gerar revolta. Há, no entanto, quem volte feliz e expectante em relação às prendas e aos momentos que os aguardam no Lar.
Quem fica no Lar sabe antecipadamente quais as funcionárias que estarão de serviço nestes dias, figuras que representam cuidado. Esse acompanhamento ajuda a atenuar a ausência familiar. Porque, no final, “elas só querem uma família nem que seja à força”, conclui Bárbara Tavares.
