Açoriano Oriental
Jaime Neves, o artista da madeira (Com vídeo)

São seis décadas dedicadas aos trabalhos em madeira, que continuam a surpreender. Das mãos do jorgense Jaime Neves saem até bicicletas, 100 % feitas desta matéria-prima.



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Autor: Célia Machado/AO Online

“Recebi hoje máquinas novas e estou a experimentá-las”. Já passa das oito da noite e Jaime Neves está entusiasmado na sua oficina, na Urzelina, com os equipamentos que acabam de chegar. Faz uma pausa, demorada, apenas para falar connosco. Do outro lado, percebemos o seu interesse na conversa, pelo tom amável e pela partilha da sua paixão pela arte de trabalhar em madeira. Está nos genes, vem do lado materno, e passou para ele e para o irmão João Alberto Neves (já falecido), que marcou de forma indelével a construção naval açoriana, a partir de Santo Amaro do Pico, onde constituiu família e foi o responsável por muitas das traineiras da chamada “frota azul”. “Os nossos tios eram grandes carpinteiros e, naquele tempo, nem tinham os equipamentos que há agora”, sublinha Jaime, que recorda que, rapazote, não pensara seguir o ofício mas que foi obrigado a fazê-lo por não gostar da escola. Os professores não souberam cativá-lo e, aos 15 anos, começou a aprender a fazer celhas, muito utilizadas naquela época, e também baldes para transporte de água. “Não havias plásticos, tudo era feito em madeira. O meu irmão começou a fazer baldes, em cedro-do-mato, para serem utilizados nas traineiras mas, depois, mudou-se para o Pico”, conta.

Um pouco mais tarde, com 17 anos, Jaime Neves seguiu as pisadas do irmão e foi para o Pico, trabalhar na oficina de José Costa, em Santo Amaro, mas ficou pouco tempo por não gostar do ofício relacionado com a construção naval. Foi o cumprimento do serviço militar que mudou, de certa forma, a sua vida. “Saí de lá com novas ideias para colocar em prática em São Jorge. Isto graças ao sargento Manuel Almeida Chaves, um mestre carpinteiro com um supercrânio. Não esqueço a máxima dele: ‘Uma pessoa chega-se sempre para os que sabem mais do que nós pois, com os outros, não aprendemos nada’. Aprendi muito com ele”.

Regressado à sua ilha, instalou-se por conta própria e começou por fazer mobílias e construir a sua própria maquinaria em madeira. “Mais tarde comprei uma máquina da marca Pinheiro, muito boa, e importava criptoméria de São Miguel. Com o passar do tempo, já tinha também fórmica vinda do continente. E fazia tabiques e frontais de madeira para uma empresa de construção civil, o que foi uma grande ajuda pois garantiu-me muito trabalho”, recorda. A carpintaria de Jaime Neves manteve-se atenta às tendências e passou a comercializar ferragens, tintas e cerâmicas.


Peças que surpreendem

Quem conhece Jaime Neves sabe bem do que é capaz de fazer mas, mesmo assim, continua a surpreender. Aos 75 anos tem a internet como uma aliada na concretização dos seus projetos de sonho e gosta de aprender, seja onde for. Considera que é uma “burrice” quando dizem que fazem algo de determinada maneira porque já os pais faziam assim.

Contudo, a internet não resolve tudo. A primeira bicicleta que construiu em madeira foi inspirada numa imagem que encontrou na rede mas, a partir daí, fez diversas alterações para ficar ao seu gosto; até as correntes fez em madeira. Como o próprio diz em relação a este e outros projetos, as fotografias que encontra na internet são apenas o ponto de partida; muito do que é feito é fruto da sua “cabeça”. Um dos trabalhos que também impressiona é o de uma vespa, em madeira: “A mota foi uma loucura mas gostei dela desde que vi, há muitos anos, um filme em que uma atriz andava por Veneza numa igual. Nunca me esqueci daquele filme”. E é de destacar, igualmente, o relógio, todo em madeira, com pêndulo, “e que trabalha certo”.

Contudo, a sua peça favorita é um Cadillac que fez, num tamanho mais pequeno do que o original, mas que já desfilou por algumas ruas. Até as dobradiças das portas são em madeira. “O modelo antigo do Cadillac sempre me apaixonou desde miúdo”, revela. E com este projeto concluído, pensa já no próximo: um Ferrari da Fórmula 1, com três metros de comprimento, para o qual não encontrou nem planos nem medidas na internet.

Vender alguns dos seus trabalhos é coisa que não quer. Gosta de chegar à sua carpintaria e ver o que saiu da sua imaginação e das suas mãos. Exposições também nunca fez mas já teve várias oportunidades e não faltam pessoas que o vão visitar propositadamente para ver o que tem feito.

Jaime Neves tem muito gosto no que faz, sempre nas horas vagas. O que faz “não é para sobressair ou para parecer que sou melhor do que ninguém. É para me distrair. Passei aqui o dia de Natal, é aqui que gosto de estar”. Por isso, nem pensa em reformar-se pois “se deixar de trabalhar, morro. É como se costuma dizer: 'Quem corre por gosto, não cansa'.”.


Teria sido engenheiro civil

Se não fosse carpinteiro e tivesse prosseguido estudos, gostaria de ter sido engenheiro civil “mas não como estes de agora. Vestem um fato francês e uma gravata italiana e acham que isso é ser engenheiro. Eu teria sido um engenheiro como noutros países, para a teórica mas também para a prática”. “Se eu pudesse imitar alguém seria o engenheiro português Edgar Cardoso, um fora de série”, que projetou mais de 500 pontes em todo o mundo, conclui.

Reservado, Jaime Neves fala com gosto desta sua paixão mas quanto a uma foto sua... prefere que sejam publicadas apenas as das suas obras.




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