Autor: PAULO SIMÕES/PEDRO LAGARTO
Gabriela Silva, antiga deputada pelo PSD (1984-88) , escritora, é natural da ilha das Flores, da qual nunca saiu até aos 30 anos de idade. Porquê?
Quando se nasce nas Flores e em 1953 é preciso perceber que as coisas eram muito diferentes do que são hoje. Na altura, quase todas as minhas amigas e as suas famílias emigraram para os Estados Unidos, Canadá e Brasil.
Sentiu-se perdida?
Sim, e o problema é que não me apercebi logo disso nem ninguém se apercebeu do que se passou comigo. Só passados alguns anos, quando comecei a escrever e a ter algum domínio sobre as minhas emoções, é que tomei consciência que havia perdido um registo muito importante. Posteriormente, nos anos sessenta, quando visitei os Estados Unidos pela primeira vez, pude rever as minhas amigas e foi uma grande emoção, algo do outro mundo.
Durante a ausência das amigas houve escrita de cartas?
Sim, eu fui uma grande adepta das cartas. Escrevi centenas. Tinha correspondentes no mundo inteiro! Entretanto apareceu a Rádio Clube de Angra. Eu adorava - e ainda adoro - ouvir rádio. Durmo com o rádio ligado. Prefiro a rádio à televisão.
E ler?
Também! O Sr. Luís da Biblioteca, que disponibilizava um cartão por cada seis livros, ficava surpreendido por eu levar três cartões, portanto, dezoito livros, numa semana.
O que lia?
Comecei pelos livros juvenis e a partir dos 14 anos li os clássicos - Eça, Camões e Camilo.
É daí que vem o gosto pela escrita, dado que tem nove livros publicados?
A escrita é daquelas coisas que nascem connosco. Desde pequena tive vocação para ser professora ou escritora. Sempre gostei de aprender e ensinar.
É mais criativa ou trabalhadora?
Reconheço que gosto mais de criar do que trabalhar. Estava perfeita para ser secretária particular de alguém interessante.
De um político?
Não me importava assessorar um político a quem eu reconhecesse qualidade suficiente.
Quem gostaria de assessorar?
Essa é uma pergunta (sorrisos) inquietante. Conheço algumas pessoas na Região que têm capacidade para chegar muito longe...
À esquerda e à direita, ou ...
À esquerda e à direita.
Que pessoas acha que podem chegar a presidente do Governo Regional?
Inevitavelmente vai ser alguém do PSD ou PS, porque estamos entre essas duas balizas e não vale a pena termos ilusões. Há uns anos até cheguei a ter a ilusão de que iria captar votos noutra família política, mas as coisas não funcionaram nem funcionam assim. Os cargos políticos resultam de herança familiar ou política.
Mas ainda não me disse quem gostaria de assessorar...
Bem, eu diria que se a Dra. Berta Cabral fosse mais ajeitada em termos de aceitar melhor a opinião dos outros ela teria algumas possibilidades. Eu gosto dela e não está em causa uma avaliação pessoal, mas considero que do ponto de vista político ela não dará uma grande aposta para os Açores porque é um mulher que é muito presidente da Câmara Municipal de Ponta Delgada. Ela olha muito para os Açores como sendo São Miguel e o concelho de Ponta Delgada. Isso não tem mal, e ninguém melhor do que ela para governar Ponta Delgada, só que o PSD tem que encontrar alguém que consiga ver a Região no seu todo.
Quem?
Estou a ver duas a três pessoas com essa possibilidade. Nenhuma é de São Miguel. Uma das pessoas que é uma muito simpática e brilhante é o Dr. Duarte Freitas (Pico). Foi eurodeputado, olha para os Açores do interior e do exterior.
Outros nomes do PSD?
Pois, podíamos falar disso um pouco mais tarde, agora já...
E do lado do PS?
No PS, as pessoas por muito boas que sejam estão sempre um pouco ensombradas pela liderança de Carlos César, que sempre teve muito poder no partido. Conheço Carlos César há muitos anos e ele já jogava com as pessoas como se fossem peças de dominó, porque de facto tem essa capacidade.
Um bom ou mau líder?
Um líder. Sobretudo um grande líder. Ele sabe jogar com as emoções, com o rancor e a maldade das pessoas, no momento certo.
Deslumbrou-se com a política?
A política não é uma boa escola para ninguém. Trabalha-se muito pouco e dá-se muito feedback à comunicação social e até de coisas que não se fizeram. Por outro lado, ensaia-se o discurso.
É tudo pré-cozinhado?
Claro. Aquilo (grupo parlamentar) não era uma casa mortuária para os deputados estarem a cair à frente dos jornalistas.
Foi deputada. O que acha do cargo?
Ai (sorrisos). Se quiser transcrever esta entrevista para o jornal pode meter aqui um grande e profundo suspiro. É algo muito estranho...
À partida é algo objectivo: ser-se eleito para defender determinados valores e objectivos de acordo com um dado programa...
Não, isso dava muito que falar. É uma linha de pensamento perigosamente ingénua. E você não é ingénuo. Ser político não é profissão. Ser deputado ainda menos. Entrei em 1984 e saí em 1988. Ganhava-se muito menos do que hoje. Estávamos na fase da criação de infra-estruturas. Há até quem queira esquecer-se disso... Investimos milhões de contos em portos e aeroportos. Foi a luta pela Autonomia. O nosso Estatuto era lido com tanto respeito como os católicos lêem a bíblia. Na altura tínhamos muitos juristas. Hoje, e não quero ser mal educada, para se ir para a Assembleia quase que é bom não se saber muita coisa.
Zangou-se com Mota Amaral?
Ah, imenso, e fui tão má, tão má, profundamente injusta com ele porque o Dr. Mota Amaral foi das pessoas mais dignas, coerentes e correctas que conheci. E nem assim consegui sair satisfeita. Eu já pedi tanto perdão ao Dr. Mota Amaral. E ainda consegui pedir perdão ao Jorge Nascimento Cabral antes de ele falecer. Éramos muito amigos. O Jorge era como eu, um sonhador.
A política “já não é o que era”?
De todo. Naquele tempo estava-se a construir tudo e vivia-se a entrada para a Comunidade. Foi uma grande festa. Os enormes dossiers eram lidos. Hoje, muitos deputados nem lêem a documentação.
Da experiência que teve com a entrada do FMI em Portugal, em 1983, tem receio ou acha bem que seja de novo chamado a intervir ?
Portugal tem que analisar o que se passa e perceber algumas coisas que ainda não foram postas em cima da mesa. Quem iniciou este processo (políticos) agora tem que pagar. Agora, o povo vai ter que pagar os danos colaterais. Mas é o mesmo que se deixou comprar que aceitou que lhe pagassem para votar. Muitos também não poderiam fazer diferente. Repare: quando as pessoas estão dependentes não deviam ser abusadas porque isso é crime. É evidente que ainda não se definiu isto como crime e de resto seria complicado prová-lo. Ademais, em Portugal não se prova nada. Em suma, se que tiver que haver uma entidade exterior a esta pequenez então que venha colocar ordem nisto.
Gabriela Silva, falemos no seu próximo livro. Para quando?
Será lançado em Março de 2011 e dedicado às mulheres e ao feminino. Com textos meus e da Aida Baptista. E com fotografia. O último tinha pintura. Vamos entregar tudo ao Núcleo Regional da Liga Portuguesa Contra o Cancro, porque as edições de autor são muito caras e dão muito trabalho.
Porque é que a poesia assume particular destaque na sua obra?
Eu escrevo por impulso. Por vezes chego a escrever cem páginas por dia, vinte poemas, e depois levo meses sem criar nada.
O poeta tem que ser uma alma amargurada?
Não, já escrevi poemas muito amargurada, mas também muito feliz. E não é preciso ter necessariamente alguém na minha vida. Pode ter a ver com o facto de a minha Joana telefonar e dizer que gosta da madrinha ou de uma criança que levo a almoçar e chego a casa feliz.
Gostaria de escrever um livro de contos?
Estou a trabalhar com as crianças dos Fenais da Ajuda, São Miguel, que é um lugar com muitos problemas mas também com muitas pessoas empenhadas, que me ofereceram desenhos muito bonitos. Conto com o grande apoio da gráfica Coingra e vamos conseguir – eu e os meninos - lançar o livro até ao Natal. Seria desejável que mais pessoas desta ilha fossem aos Fenais da Ajuda.
Para quando um romance?
É uma das minhas pretensões. Comecei a escrever. A acção centra-se nas Flores, um sítio lindo para se conhecer. Mas não é para já. Daqui dois a três anos.
Para encerrar: Dias de Melo ou Nemésio?
(interregno) Os dois.
Quando se nasce nas Flores e em 1953 é preciso perceber que as coisas eram muito diferentes do que são hoje. Na altura, quase todas as minhas amigas e as suas famílias emigraram para os Estados Unidos, Canadá e Brasil.
Sentiu-se perdida?
Sim, e o problema é que não me apercebi logo disso nem ninguém se apercebeu do que se passou comigo. Só passados alguns anos, quando comecei a escrever e a ter algum domínio sobre as minhas emoções, é que tomei consciência que havia perdido um registo muito importante. Posteriormente, nos anos sessenta, quando visitei os Estados Unidos pela primeira vez, pude rever as minhas amigas e foi uma grande emoção, algo do outro mundo.
Durante a ausência das amigas houve escrita de cartas?
Sim, eu fui uma grande adepta das cartas. Escrevi centenas. Tinha correspondentes no mundo inteiro! Entretanto apareceu a Rádio Clube de Angra. Eu adorava - e ainda adoro - ouvir rádio. Durmo com o rádio ligado. Prefiro a rádio à televisão.
E ler?
Também! O Sr. Luís da Biblioteca, que disponibilizava um cartão por cada seis livros, ficava surpreendido por eu levar três cartões, portanto, dezoito livros, numa semana.
O que lia?
Comecei pelos livros juvenis e a partir dos 14 anos li os clássicos - Eça, Camões e Camilo.
É daí que vem o gosto pela escrita, dado que tem nove livros publicados?
A escrita é daquelas coisas que nascem connosco. Desde pequena tive vocação para ser professora ou escritora. Sempre gostei de aprender e ensinar.
É mais criativa ou trabalhadora?
Reconheço que gosto mais de criar do que trabalhar. Estava perfeita para ser secretária particular de alguém interessante.
De um político?
Não me importava assessorar um político a quem eu reconhecesse qualidade suficiente.
Quem gostaria de assessorar?
Essa é uma pergunta (sorrisos) inquietante. Conheço algumas pessoas na Região que têm capacidade para chegar muito longe...
À esquerda e à direita, ou ...
À esquerda e à direita.
Que pessoas acha que podem chegar a presidente do Governo Regional?
Inevitavelmente vai ser alguém do PSD ou PS, porque estamos entre essas duas balizas e não vale a pena termos ilusões. Há uns anos até cheguei a ter a ilusão de que iria captar votos noutra família política, mas as coisas não funcionaram nem funcionam assim. Os cargos políticos resultam de herança familiar ou política.
Mas ainda não me disse quem gostaria de assessorar...
Bem, eu diria que se a Dra. Berta Cabral fosse mais ajeitada em termos de aceitar melhor a opinião dos outros ela teria algumas possibilidades. Eu gosto dela e não está em causa uma avaliação pessoal, mas considero que do ponto de vista político ela não dará uma grande aposta para os Açores porque é um mulher que é muito presidente da Câmara Municipal de Ponta Delgada. Ela olha muito para os Açores como sendo São Miguel e o concelho de Ponta Delgada. Isso não tem mal, e ninguém melhor do que ela para governar Ponta Delgada, só que o PSD tem que encontrar alguém que consiga ver a Região no seu todo.
Quem?
Estou a ver duas a três pessoas com essa possibilidade. Nenhuma é de São Miguel. Uma das pessoas que é uma muito simpática e brilhante é o Dr. Duarte Freitas (Pico). Foi eurodeputado, olha para os Açores do interior e do exterior.
Outros nomes do PSD?
Pois, podíamos falar disso um pouco mais tarde, agora já...
E do lado do PS?
No PS, as pessoas por muito boas que sejam estão sempre um pouco ensombradas pela liderança de Carlos César, que sempre teve muito poder no partido. Conheço Carlos César há muitos anos e ele já jogava com as pessoas como se fossem peças de dominó, porque de facto tem essa capacidade.
Um bom ou mau líder?
Um líder. Sobretudo um grande líder. Ele sabe jogar com as emoções, com o rancor e a maldade das pessoas, no momento certo.
Deslumbrou-se com a política?
A política não é uma boa escola para ninguém. Trabalha-se muito pouco e dá-se muito feedback à comunicação social e até de coisas que não se fizeram. Por outro lado, ensaia-se o discurso.
É tudo pré-cozinhado?
Claro. Aquilo (grupo parlamentar) não era uma casa mortuária para os deputados estarem a cair à frente dos jornalistas.
Foi deputada. O que acha do cargo?
Ai (sorrisos). Se quiser transcrever esta entrevista para o jornal pode meter aqui um grande e profundo suspiro. É algo muito estranho...
À partida é algo objectivo: ser-se eleito para defender determinados valores e objectivos de acordo com um dado programa...
Não, isso dava muito que falar. É uma linha de pensamento perigosamente ingénua. E você não é ingénuo. Ser político não é profissão. Ser deputado ainda menos. Entrei em 1984 e saí em 1988. Ganhava-se muito menos do que hoje. Estávamos na fase da criação de infra-estruturas. Há até quem queira esquecer-se disso... Investimos milhões de contos em portos e aeroportos. Foi a luta pela Autonomia. O nosso Estatuto era lido com tanto respeito como os católicos lêem a bíblia. Na altura tínhamos muitos juristas. Hoje, e não quero ser mal educada, para se ir para a Assembleia quase que é bom não se saber muita coisa.
Zangou-se com Mota Amaral?
Ah, imenso, e fui tão má, tão má, profundamente injusta com ele porque o Dr. Mota Amaral foi das pessoas mais dignas, coerentes e correctas que conheci. E nem assim consegui sair satisfeita. Eu já pedi tanto perdão ao Dr. Mota Amaral. E ainda consegui pedir perdão ao Jorge Nascimento Cabral antes de ele falecer. Éramos muito amigos. O Jorge era como eu, um sonhador.
A política “já não é o que era”?
De todo. Naquele tempo estava-se a construir tudo e vivia-se a entrada para a Comunidade. Foi uma grande festa. Os enormes dossiers eram lidos. Hoje, muitos deputados nem lêem a documentação.
Da experiência que teve com a entrada do FMI em Portugal, em 1983, tem receio ou acha bem que seja de novo chamado a intervir ?
Portugal tem que analisar o que se passa e perceber algumas coisas que ainda não foram postas em cima da mesa. Quem iniciou este processo (políticos) agora tem que pagar. Agora, o povo vai ter que pagar os danos colaterais. Mas é o mesmo que se deixou comprar que aceitou que lhe pagassem para votar. Muitos também não poderiam fazer diferente. Repare: quando as pessoas estão dependentes não deviam ser abusadas porque isso é crime. É evidente que ainda não se definiu isto como crime e de resto seria complicado prová-lo. Ademais, em Portugal não se prova nada. Em suma, se que tiver que haver uma entidade exterior a esta pequenez então que venha colocar ordem nisto.
Gabriela Silva, falemos no seu próximo livro. Para quando?
Será lançado em Março de 2011 e dedicado às mulheres e ao feminino. Com textos meus e da Aida Baptista. E com fotografia. O último tinha pintura. Vamos entregar tudo ao Núcleo Regional da Liga Portuguesa Contra o Cancro, porque as edições de autor são muito caras e dão muito trabalho.
Porque é que a poesia assume particular destaque na sua obra?
Eu escrevo por impulso. Por vezes chego a escrever cem páginas por dia, vinte poemas, e depois levo meses sem criar nada.
O poeta tem que ser uma alma amargurada?
Não, já escrevi poemas muito amargurada, mas também muito feliz. E não é preciso ter necessariamente alguém na minha vida. Pode ter a ver com o facto de a minha Joana telefonar e dizer que gosta da madrinha ou de uma criança que levo a almoçar e chego a casa feliz.
Gostaria de escrever um livro de contos?
Estou a trabalhar com as crianças dos Fenais da Ajuda, São Miguel, que é um lugar com muitos problemas mas também com muitas pessoas empenhadas, que me ofereceram desenhos muito bonitos. Conto com o grande apoio da gráfica Coingra e vamos conseguir – eu e os meninos - lançar o livro até ao Natal. Seria desejável que mais pessoas desta ilha fossem aos Fenais da Ajuda.
Para quando um romance?
É uma das minhas pretensões. Comecei a escrever. A acção centra-se nas Flores, um sítio lindo para se conhecer. Mas não é para já. Daqui dois a três anos.
Para encerrar: Dias de Melo ou Nemésio?
(interregno) Os dois.