Autor: Ana Carvalho Melo
Participou no dia 9 de setembro, no painel “Reforçar as economias locais e os ecossistemas marinhos contra o risco climático” no World Ocean Summit Europe, organizado pelo Economist Impact’s World Ocean Initiative. Em que se focou a sua intervenção?
Concentrei-me nas
questões da importância de enquadrar as comunidades no contexto das
discussões, das decisões e dos financiamentos no processo de adaptação
costeira, uma vez que as comunidades costeiras são as que mais sofrem os
impactos das mudanças que ocorrem no oceano e dos efeitos sobre as
habitações, os portos e os habitats.
Para tal, recorri a uma ideia de
um livro que considero muito interessante, intitulado Maré Voraz (The
Hungry Tide, em inglês), de Amitav Ghosh, escritor indiano, romancista e
ensaísta. O livro retrata um encontro, na Índia, entre uma cientista
formada na América e um pescador indiano, na região dos Sundarbans, que,
sem falar a mesma língua, acabam por compreender-se: ela reconhece o
conhecimento que o pescador tinha, de facto, sobre a forma como as
interações entre os rios e o mar modificam a costa.
A isto juntei algo que, em 2022, me impressionou muito: um pescador do Gana falou do “medo do azul”. E o que é o medo do azul? É o receio destas comunidades, que viveram sempre muito ligadas ao seu local, às suas pescarias, às suas costas, de verem, de um dia para o outro, este pensamento eurocêntrico do “crescimento azul” a impor-se. E, com isso, temem todas as outras atividades que, sendo também relevantes, começam a ocupar o seu espaço. A minha mensagem foi a de como podemos encontrar confiança relativamente ao mar, ao azul, no sentido de gerar oportunidades que não excluam as comunidades e que lhes deem níveis de decisão.
E o que é que isso significa? Significa dinheiro. Significa respeitar as memórias. Significa saber gerir localmente e garantir que o financiamento chega efetivamente às comunidades, para lhes transmitir a confiança de que não ficarão esquecidas neste processo de transição que, nalguns locais, acaba por deixar de lado a história desenvolvida ao longo de muitos anos, sobretudo no contexto das pescas artesanais. Isto aplica-se de formas diversas a diferentes ambientes.
Abordaram também do papel dos governos locais em todo este processo?
A ideia é que este processo de cogestão, cointegração e de respeito pelas memórias daqueles que ocupam esses espaços há tanto tempo é muito relevante. Mas é também fundamental sublinhar a importância dos instrumentos financeiros.
E quando falamos de adaptação, o dinheiro muitas vezes circula mal. Porquê? Porque, no caso da mitigação, os contabilistas e os financeiros têm uma unidade de medida clara e eficaz: as toneladas de carbono. Já no caso da adaptação, tratam-se de situações episódicas, como o exemplo do Porto das Flores, que foi destruído. Por isso, o financiamento para a adaptação é muito mais difícil de mobilizar do que para a mitigação.
Nos Açores, como vê a introdução da Rede de Áreas Marinhas Protegidas (RAMPA) e as críticas que têm surgido acerca das mesmas?
Este é um esforço importante. Não sei se não terá sido demasiado precipitado, porque, no fim de contas, o compromisso político não é assim tão próximo.
Mas acho que foi um trabalho bem feito. Pelo que vejo, não sei se o diálogo não foi suficientemente aprofundado, mas, por vezes, há situações em que não é possível chegar a um consenso e é preciso tomar decisões.
Lembro-me de quando foi criado o Parque Luís Saldanha, na Arrábida. Nas primeiras reuniões, nos anos 90, chegou-se mesmo a confrontos físicos. E hoje temos ali um parque marinho que todos os setores elogiam.
Mas, em todos estes processos, há também a questão das compensações, que é extremamente importante. Obviamente, se existe uma tradição de pescarias, é necessário encontrar formas de compensar. Há projetos que, na minha perspetiva, estão a ter algum sucesso no continente, e fico satisfeito que, quando fui ministro do Mar, a legislação tenha ido nesse sentido, com programas de cogestão. No caso do polvo, esses programas estão agora a ter sucesso.
Recordo também, enquanto ministro do Mar, as discussões que tivemos no contexto de uma área marinha protegida no Algarve. Havia ali pescarias, e os pescadores, através das suas associações, fizeram as respetivas contas e foram compensados.
E hoje, no Algarve, o setor está satisfeito com essas áreas protegidas.
Aqui na Região também se vai chegar a acordo. Acho que estas críticas são, de certo modo, fogachos. Até porque, atualmente, as técnicas de pesca permitem direcionar o pescado de forma a não ter de entrar nas áreas de reserva. Portanto, romper com alguns dos aspetos de planificação, gestão e designação destas áreas marinhas protegidas não traria benefícios. Não sou a favor de que se criem exceções. E sabe-se que essas exceções, muitas vezes, acabam por abrir portas a ilegalidades noutras pescarias, que não apenas nas que utilizam todos os recursos.
Agora, em termos
do atum um dos problemas é também o das flutuações das capturas e o
pescador preocupa-se com os anos de má safra e, como tal, temos de
encontrar um modelo dinâmico de compensações.