Açoriano Oriental
CKSAH completa 30 anos
Família karateca angrense em festa

Estava-se em 1991, na ilha Terceira, quando um pequeno grupo de jovens foi incentivado para a prática do karaté. Eram, assim, dados os primeiros passos para o que, em 1996, passaria oficialmente a denominar-se Clube de Karaté-do Shotokan de Angra do Heroísmo (CKSAH).



Autor: Célia Machado

Teve como primeiro presidente da direção Fernando Adriano Costa mas há outros nomes indissociáveis do nascimento do reconhecido clube, como Miguel Côrte-Real Monjardino e João Guiod Castro. Ao longo de três décadas, a instituição tem somado vitórias, conquistado o seu lugar em patamares superiores da modalidade e feito a diferença na formação de futuros adultos. Com a família do karaté angrense em festa, estivemos à conversa com João Costa, atual presidente da direção, para sabermos mais sobre a história do CKSAH, o presente e também espreitar o futuro.


De que forma e quando é que o karaté entra na sua vida? O que é que o atraiu?

Iniciei a prática do karaté em 1977, com 19 anos. Conheci a modalidade por acaso. Um grupo de praticantes veio treinar para a Casa do Povo da Terra-Chã. Era orientado por Ramiro Carrola, elemento graduado no karaté. Ao passar junto ao espaço, chamou-me a atenção a aula e acabei por assistir. Pedi para experimentar, aceitaram-me e, a partir daí, nunca mais deixei a prática.

Este grupo em que me iniciei tinha ligação com uma escola nacional orientada por Rui de Mendonça, já falecido. Depois disso, tive a oportunidade de treinar, em Corroios, outro estilo de karaté (goju-ryu). Na Cruz de Pau, também no Continente, pratiquei kung-do-te, uma modalidade criada pelo mesmo Rui de Mendonça. Na Terceira passei pelo kung-fu, sob orientação de um alemão que veio viver para a ilha, mais tarde fiz taekwondo e obtive a primeira graduação. Entre 1987 e 1988, treinei karaté shotokan com um guineense, vindo de França trabalhar para a reconstrução do sismo de 1980. O que me atrai no karaté é a busca constante de uma perfeição que, sei bem, nunca vou alcançar, mas é um desafio que ainda não posso deixar de perseguir. É uma paixão!


O trabalho “A História do Karaté Açoriano e a Participação do CPK (Centro Português de Karate)”, do sensei João Guiod Castro, aponta-o como o karateca açoriano há mais tempo no ativo na Região. Tal só é possível com muita dedicação, esforço e trabalho. Orgulha-se desta longevidade?

Não posso garantir com 100% de certeza mas é muito provável que o seja. Parece-me perfeitamente natural, atendendo a que nunca fui uma pessoa acomodada, mas não o vejo como um grande feito.


Onde estava aquando da formação do CKSAH?

Estava perto, treinava sozinho. Não sabia da existência deste grupo inicial, em 1991, e creio que me juntei a ele em 1992. Aquando da oficialização do clube permaneci basicamente apoiando nos treinos.


Como foi o surgimento do clube?

O clube “nasce” em 1991 com o treinador Miguel Côrte-Real Monjardino e, oficialmente, pela mão de João Guiod Castro, em 1996. Como muitas outras coisas, que depois se tornam grandes, este grupo começa sem grandes pretensões e por simples carolice.


O CKSAH é a instituição de karaté mais antiga da Terceira. Abriu novos caminhos, certamente com muitas dificuldades, mas também beneficiou do fator novidade. Como foram esses tempos iniciais?

Talvez a maior dificuldade foi conseguir locais para treinos. Com o tempo e pelo reconhecimento das organizações governativas, hoje dispomos de um lugar no Complexo Desportivo do Estádio João Paulo II, cedido pelo executivo açoriano.


O karaté tem duas vertentes – a tradicional e a desportiva – ambas desenvolvidas no clube.

Este é um ponto de vista muito discutível, porque há quem defenda que é tudo karaté. Certo é que quando se quis criar uma modalidade competitiva, desportiva, sem submeter as pessoas a momentos de maior “dureza”, houve a necessidade de suavizar as técnicas, salvaguardando a boa forma mas retirando a potência de impacto que normalmente têm. O clube desenvolve as duas disciplinas, até porque o karaté desportivo necessita do trabalho efetuado no karaté tradicional para proporcionar uma boa forma aos praticantes.


É interessante constatar que há famílias inteiras a praticar karaté no CKSAH - mãe, pai e filhos. Criou-se aqui uma oportunidade de aproximação pela via da modalidade enquanto desporto promotor da saúde. É um caso de sucesso e que nada tem a ver com competição.

Assiste-se cada vez mais a situações destas e temos uma preocupação em manter o agregado familiar a participar, criando classes para esse efeito. É gratificante, enquanto presidente, ver a evolução dos vários elementos trabalhando em conjunto.


Vamos desmistificar o que é o karaté. Muitas vezes, há uma ideia de desporto agressivo.

O karaté como desporto não é agressivo. É uma atividade perfeitamente controlada, com regras, como qualquer outro desporto. O karaté como forma não desportiva, se usado de forma indevida, pode ser muito perigoso, principalmente, por quem domine a arte com eficiência. No entanto, durante a aprendizagem, são incutidos valores que levam os karatecas a assumir uma postura de controlo nas mais variadas situações.


O karaté, pelas cinco máximas pelas quais se rege, dá ensinamentos importantes para a vida. O CKSAH assume essa função de escola de valores, de passagem de ensinamentos, que têm a ver com a atitude que a pessoa deve ter na sociedade e enquanto ser individual mas vai mais além. Estou a lembrar-me, por exemplo, da sala de estudo no Complexo Desportivo do Estádio João Paulo II, uma iniciativa vossa.

Como referi na resposta anterior, são incutidos valores nos praticantes, entre os quais destaco as máximas do karaté: carácter, sinceridade, esforço, etiqueta e controlo. A sala de apoio e estudo é uma das várias iniciativas implementadas pelo clube. Neste caso, os praticantes aproveitam o seu tempo entre a escola e os treinos para efetuar trabalhos e melhorar o rendimento escolar. Esta tem sido uma preocupação do clube, pois queremos bons praticantes e bons estudantes.


A pandemia veio pôr à prova, no geral, a capacidade de adaptação. Houve que mudar, reinventar e o karaté nunca parou para o clube. De que forma é que foi possível consegui-lo?

Tínhamos de manter o grupo “ligado”. Não foi tarefa fácil mas conseguimos, muito pelo trabalho e dedicação do nosso diretor técnico, João Guiod Castro. Começámos por aplicar planos de treino e, mais tarde, passámos às aulas “online”, ambos para que os karatecas pudessem continuar a praticar a partir dos seus lares.


E os treinos deram frutos. O resultado mais visível foram as dez medalhas conquistadas nos campeonatos nacionais da Federação Nacional de Karaté - Portugal no verão, uma delas de ouro. Foi uma surpresa?

Os resultados vieram confirmar que a continuidade do trabalho, apesar das condicionantes, valeu a pena. Não é propriamente grande surpresa uma vez que os nossos praticantes andam, com frequência, muito perto dos lugares de pódio. Temos praticantes a treinar todos os dias e com muita dedicação.


Trinta anos, cinco campeões nacionais, cerca de três dezenas de cintos negros e várias distinções - só este ano o diretor técnico foi homenageado em duas ocasiões: uma pelo Governo Regional e outra pelo município de Angra do Heroísmo. São números, resultados e reconhecimentos que fazem parte de uma bela história que é a do CKSAH.

Já é muito tempo. A modalidade é exigente mas temos um trajeto bonito, com altos e baixos, como todos. O processo de trabalho está bem definido e há pessoas dedicadas que se complementam e não permitem que haja grandes quebras, quer nos treinos quer na promoção da modalidade.

O reconhecimento ao nosso técnico João Castro é inteiramente merecido. Também é de enaltecer o esforço dos outros elementos graduados que contribuem para o sucesso desta coletividade.


Neste momento, quantas pessoas estão inscritas nas classes do CKSAH? Têm entre que idades? Quantos estão federados? E quantos treinadores há?

Estamos com cerca de 100 praticantes, entre os seis e os 66 anos, e todos federados; há mais de uma dezena de treinadores no ativo.


Quais as principais dificuldades que o clube sente?

São em tudo semelhantes às dos outros clubes da Região: a distância e as deslocações fora da ilha, para participar em provas e formações. Os apoios são cada vez menores e só com muito rigor e boa gestão se consegue fazer “esticar” o dinheiro para garantir o básico.


O aniversário tem sido assinalado de diversas formas. Mais recentemente, com um jantar de encontro do passado, do presente e do futuro, nas suas palavras.

Foi a 12 de outubro o convívio intergeracional, em que reunimos à volta da mesa aqueles que deram início ao grupo, os que atualmente lhe dão vida e os que, fazendo parte do presente, serão o futuro.


O CKSAH chega a este número graças a um núcleo duro, o motor que coloca a engrenagem em movimento. O que se perspetiva para os próximos anos?

Espero que ainda fiquemos por cá muito tempo e que a passagem de testemunho se dê de forma natural e sem percalços. Nenhum dos que pertencem ao núcleo duro, como lhe chama, deixará o clube, a não ser por motivos de força maior. É de há muito costume ir chamando para junto da direção os elementos graduados com disponibilidade e já livres da sua formação académica. São ouvidos e a sua opinião é tida como se se tratassem de um membro da direção. Assim, mantemos o grupo ligado e damos espaço e importância àqueles que, um dia, poderão dar continuidade ao clube.


Há alguns meses, o responsável pelo Serviço de Desporto da Terceira referiu-se ao CKSAH como uma grande família. Concorda?

Sim, é verdade. Este grupo tem dado provas de que é realmente uma grande família com entreajuda constante, com todos a remar para o mesmo lado, com ética, respeito e observância pelas regras de boa relação entre os diversos escalões etários. O respeito no karaté é pedra angular e não é só num sentido, é mútuo e sincero.


O sensei João Costa lidera há sete anos os destinos da instituição e tem mais um de mandato pela frente. Em 2022 como será?

Costumo dizer, em tom de brincadeira, que não quero ser o Pinto da Costa do karaté, com o devido respeito que tenho por ele. Não faço questão de ficar como presidente por muito mais tempo, porque acredito na renovação.

É preciso dar espaço a outros que possam trazer mais-valias e, felizmente, temos gente com perfil para o cargo. No entanto, nunca deixaria o clube numa situação desconfortável, se isso dependesse da minha disponibilidade.


O que está ainda por fazer?

Temos um planeamento feito para a época em curso que passa pela participação nas principais provas locais, regionais e nacionais, tendo ainda prevista a presença em algumas provas fora do âmbito federativo. A formação de árbitros e treinadores é também uma preocupação sempre presente.


E porque o aniversário é motivo de votos, o que deseja para o CKSAH?

Que este projeto tenha continuidade por muitos mais anos. A todos quantos fizeram parte deste maravilhoso grupo, os meus sinceros parabéns pela data alcançada e votos de que aqueles que nos sucederem possam festejar outros tantos ou mais. E, como objetivo para cada um de nós, que consigamos superar-nos sempre e evoluir como indivíduos e como karatecas conscientes.


















PUB
Regional Ver Mais
Cultura & Social Ver Mais
Açormédia, S.A. | Todos os direitos reservados