Autor: Ana Carvalho Melo
Augusto Fraga, criador, realizador e guionista de Rabo de Peixe, a série açoriana que se tornou um sucesso mundial na Netflix, reflete sobre as suas raízes nos Açores, a carreira na publicidade internacional e a estreia no universo das séries de ficção.
Nascido em São Miguel, Augusto Fraga descreve a infância livre nas ilhas, o regresso na adolescência e o reencontro com a cultura açoriana como pilares fundamentais para a sua visão artística e cinematográfica.
“Em Vila Franca do Campo, durante a infância, vivi a época mais feliz da minha vida. Cresci numa família grande, numa casa com muito terreno, onde havia sempre coisas para fazer. Cuidar das galinhas ou das colmeias, plantar árvores, batatas ou recolher abacates. Íamos a pé para a escola, para o jardim e para a praia. Sentia-me livre. Depois, fomos para o Continente quando tinha onze anos. Aprendi muitas coisas novas, mas nunca esqueci de onde era”, recorda.
Mais tarde, regressou ao arquipélago, onde descobriu, para além da liberdade, a cultura que este tinha para oferecer.
“Quando voltei a viver nos Açores, já na adolescência, tive a sorte de descobrir um lado das ilhas que desconhecia: a nossa cultura. Inspirado talvez por aquele mural de azulejos dentro do Liceu Antero de Quental, comecei a ler Antero. Depois Vitorino Nemésio, Natália Correia, João de Melo, Daniel de Sá e outros grandes pensadores açorianos. Também a pintura e a música açoriana, estiveram muito presentes na minha vida por influência da minha mãe (Maria Antónia Esteves, cantora e estudiosa do folclore das ilhas). Fui percebendo que, de alguma forma, há algo que une todos os açorianos e que eu faço, humildemente, parte disso”, conta.
E todas estas experiências moldaram a sua forma de estar na vida.
“Tudo o que escrevo está, de uma forma direta ou indireta, relacionado com a minha infância e com tudo o que sinto que é ser açoriano. Mas claro, para ver isso, como dizia Saramago, tive que sair da ilha para ver a ilha”, refere.
Aos 18 anos, saiu de São Miguel para estudar Comunicação Social, na Universidade do Minho, onde a sua paixão pelo audiovisual cresceu ainda mais. “Descobri o que queria fazer um ano antes de ir para a universidade, enquanto estudava no Liceu de Ponta Delgada. Como estava a estudar ciências, tive a sorte de ser aceite na Universidade do Minho, em Comunicação Social. Um curso que se revelou muito aberto para diferentes áreas da comunicação. Assim que entrei numa aula de audiovisual, soube que nunca iria fazer outra coisa”, lembra.
Depois prosseguiu os estudos na Universidade Autónoma de Barcelona e na New York Film Academy, tendo começado a sua carreira como diretor de publicidade em grandes produtoras internacionais, como Little Minx nos Estados Unidos, Grayskull em Espanha ou Satellite My Love em França. Uma carreira que levou Augusto Fraga a ser considerado um dos melhores realizadores de spots publicitários da Europa, tendo sido premiado no International Cannes Film Festival, no New York Festivals, no Chicago Film Festival, no Clube de Criativos de Portugal e no San Sebastian Advertising Film Festival.
Todas estas experiências moldaram a sua carreira, construindo o caminho para o desafio de criar e realizar a série Rabo de Peixe, para a Netflix.
“Filmei em dezenas de países, da Argentina ao Japão, dos Estados Unidos à China e em grande parte dos países europeus. Centenas de dias de filmagem, com equipas diferentes, acabaram por dar-me muitas ‘horas de voo’ e experiência de set. Quando tive a oportunidade de filmar a série Rabo de Peixe, já estava muito à vontade com a câmara e toda a logística de uma filmagem profissional”, destaca.
E sobre a experiência no mundo da publicidade, Augusto Fraga realça todas as possibilidades que este trabalho garantiu.
“Há muitos casos de grandes realizadores que começaram na publicidade: Michael Bay, Ridley Scott, David Fincher, Spike Jonze, Wes Anderson, Scorsese, Spike Lee, Alan Parker, Jonathan Glazer ou o duo de realizadores Daniels (Everything, Everywhere, All at Once)… todos eles começaram e fazem imensa publicidade. Acredito que a publicidade é um terreno de experimentação incrível, dá-nos muitas horas de realização em set e a possibilidade de viajar pelo mundo, ver e sobretudo testar outras formas de trabalhar”, refere.
E, neste percurso, surgiu a possibilidade de fazer a série Rabo de Peixe, no início do período de isolamento imposto pela pandemia.
“Rabo de Peixe surge exatamente de uma pausa no meu trabalho em publicidade. Quando a Netflix/ICa lançou o concurso de guiões, eu estava isolado com a minha família na Achada do Nordeste, logo no início da pandemia. Decidi começar a escrever. Não tinha grande esperança em ser um dos selecionados, porque sou realizador antes de ser guionista, mas talvez Orson Welles tivesse alguma razão quando dizia que ‘não há maior autoridade no mundo que a ignorância’. Escrevi a série que eu gostava de ver, sem grandes preocupações de estrutura, mas com personagens que eu adorava e um enredo dinâmico”, conta.
“Era uma história incrível, bem conhecida pela população açoriana: centenas de quilos de cocaína trazidos pelas marés às praias de uma zona tão única como é Rabo de Peixe. Esse contraste pareceu-me um bom início para a narrativa, uma substância que simboliza a ganância e a corrupção aparece um dia na costa de uma comunidade tão especial. Conheço bem a liberdade, a espontaneidade e a pureza dessas populações. Conheço, porque em parte, sou um deles”, realça.
Hoje, depois do sucesso internacional da série Rabo de Peixe, considera que há um Augusto Fraga antes e outro depois desta série.
“A arte é uma doença e o cinema a mais incurável de todas. Uma dor crónica que te acompanha em tudo o que fazes, quando vais dormir e quando acordas, nunca te esqueces dela. Eu sempre sonhei em fazer cinema e este é, sem dúvida, um primeiro passo importante”, afirma.
Entretanto, o realizador já sonha com o próximo projeto, que, apesar de ainda não saber qual será, nem onde o fará, revela que será “sem dúvida, uma longa-metragem”.