Autor: Rui Jorge Cabral
O Seminário de Angra completou, neste mês de novembro,
160 anos de existência, numa altura em que vive a maior crise de
vocações da sua história, com dois anos consecutivos sem novas entradas e
com apenas 10 alunos neste ano letivo a frequentarem os seis anos da
formação sacerdotal, o que coloca em risco o futuro do Seminário
enquanto estrutura de formação de novos padres.
“A crise é evidente”, afirma em declarações ao Açoriano Oriental o reitor do Seminário de Angra, o padre Hélder Alexandre, para quem no entanto é necessário “termos serenidade nas decisões a tomar”. O reitor do Seminário de Angra diz que é preciso ir ao ‘terreno’, nas paróquias, mas também nas escolas, tentar captar novas vocações, “num trabalho de base que tem de ser feito sobretudo pelo exemplo e pelo testemunho do impacto que a vida sacerdotal pode ter nos nossos jovens”.
O futuro
do Seminário de Angra está assim nas mãos do novo Bispo de Angra, D.
Armando Esteves Domingues, que entra na diocese no início de 2023. Neste
momento está tudo em aberto, mas é certo que o Seminário de Angra nunca
irá encerrar definitivamente, mesmo que deixe de formar os futuros
sacerdotes, passando nesse cenário mais pessimista a servir como
estrutura de formação complementar de sacerdotes e leigos da Diocese de
Angra.
O padre Hélder Alexandre salienta que o “o Seminário é muito
importante nestas ilhas”, pelo que o fim da formação de sacerdotes nos
Açores seria sempre “algo de preocupante e negativo para a vida da
Igreja nos Açores”.
A crise vocacional é neste momento a grande
ameaça para o Seminário de Angra, num fenómeno que não é regional ou
sequer nacional, mas afeta toda a Europa. Os escândalos sexuais que
atingiram várias dioceses europeias, incluindo em Portugal, deixaram uma
imagem negativa da Igreja Católica, mas esta não é a única razão para a
falta de vocações sacerdotais, havendo várias outras a apontar.
Conforme
explica o padre Hélder Alexandre, “as igrejas estão mais vazias e há
uma menor adesão à fé católica, sem esquecer que estamos a passar um
‘inverno demográfico’ nos Açores, com ilhas a passarem por um momento
muito difícil em termos de população”.
Além disso, o facto do
Seminário de Angra não ter conseguido junto da Universidade Católica
Portuguesa a certificação civil do curso de seis anos que é ministrado
nos Açores também pode ser considerado um fator que afasta os jovens do
Seminário, uma vez que um jovem que decida não seguir a carreira
sacerdotal, mas que se tenha formado no Seminário de Angra, não consegue
ver depois a sua formação superior reconhecida na vida civil.
E há
a questão do celibato dos padres, que exige um compromisso de dedicação
integral à Igreja Católica, que pode também afastar hoje os jovens da
formação sacerdotal, embora nessa questão o reitor do Seminário de Angra
lembre que também nas igrejas cristãs que permitiram o casamento aos
seus sacerdotes “existe na mesma uma crise vocacional”.
Com mais professores do que alunos neste momento, o Seminário de Angra tem no entanto a esperança de travar este ciclo negativo, perspetivando novas entradas para o Seminário no próximo ano letivo.
Seminário de Angra foi um desejo que levou 300 anos a concretizar
Desde
o Concílio de Trento, que decorreu na segunda metade do século XVI, que
havia a orientação de criar um Seminário em todas as dioceses da Igreja
Católica, contudo, no caso da Diocese de Angra, este desejo levou cerca
de 300 anos a concretizar.
Foi D. Frei Estevam da Sagrada Família, o 27.º Bispo de Angra, quem concretizou o sonho da criação do Seminário de Angra no dia 9 de novembro de 1862.
Ao longo dos últimos 160
anos, saíram do Seminário de Angra sete bispos (um deles chegou mesmo a
cardeal) e várias centenas de padres, bem como muitas pessoas que não
seguiram a vida sacerdotal, mas que viriam a destacar-se na cultura, na
ciência, nas artes e no jornalismo.