Açoriano Oriental
“Nos Açores há que continuar a descobrir-se as novas comunidades que vão além da Chamarita”, defende Diniz Borges

Diniz Borges, Diretor do “The Portuguese Beyond Borders Institute” lançou a segunda edição da obra “Nem Sempre a Saudade Chora”, com a chancela Letras Lavadas e que une vozes que cantam o tema da emigração, “das partidas, mesmo que nunca se tenha partido, as cartas de e para a América, que faziam parte do nosso quotidiano, dentro e fora do arquipélago, o lugar sempre vazio à mesa, como escreveu Almeida Firmino, e a voz cada vez mais distante, ao que acrescentaria, distante, sim, mas sempre parte íntima de quem somos como povo”. O também cônsul honorário de Portugal em Tulare comenta, ainda, a atualidade norte americana horas antes da tomada de posse de Joe Biden.




Autor: Tatiana Ourique/AO Online

Porquê este sugestivo título? "Nem Sempre a Saudade Chora"?

O título vem de uma quadra do nosso cancioneiro popular açoriano da ilha Graciosa. Queria destacar a presença da saudade, em todas as suas vertentes. Ou seja: acho que é essencial que se continue a falar no arquipélago e na diáspora da presença da emigração e a transformação que a mesma trouxe à Região e à “açorianidade”. A saudade é uma palavra muito nossa, da língua portuguesa e da cultura açoriana, e nas suas infinitas interpretações há espaço para a saudade que nem sempre é de pranto e de lamentações. Aliás, ao longo desta antologia, as quatro dúzias de poetas cantam-na de várias formas. Entre uma “América-por-cumprir” como escreveu Adelaide Freitas, até aos que “ergueram vilas e cidades na pátria estrangeira” como cantou no poema História, Pedro da Silveira.

É preciso quebrar o "lugar comum" de que todos os emigrantes choram de saudade dos Açores?

Acho que não podemos viver com o peso de uma “saudadezinha” folclórica e fatal que muitas vezes se tenta pintar a história da emigração açoriana, e os poetas desta antologia, mostram-nos que as nossas partidas para as Américas, com todo o drama que é o processo emigratório, enriquecerem-nos como povo, como cultura, como arquipélago. Foi um preço que se pagou, como tantos outros. Hoje a nossa Diáspora é diferente e os Açores também o são, em parte por essa saudade que se expressou de formas diferentes, mas que contribuiu para a definição da “açorianidade” que não pode ficar circunscritas às nove ilhas dos Açores. A saudade que hoje se vive nas nossas comunidades, incluindo as segundas, terceiras e sucessivas gerações é uma saudade que certamente não tem os choros do passado, mas está presente, no desejo de se viver a cultura açoriana nas famílias e na sociedade onde nos integrámos. A saudade deve ser um elo geracional que unirá, para sempre, os Açores à Diáspora. Nas comunidades há que compreendermos que os Açores não são as mesmas ilhas que um dia deixamos, ou quilo que nos é contado pelos nossos pais e avós. Nos Açores há que continuar a descobrir-se as novas comunidades que vão além da chamarita e não se ter receio do que por vezes se olha como adulteração cultural, porque na realidade são formas e métodos de uma Diáspora criativa que literalmente pega nas suas raízes açóricas, para com a sua interpretação da saudade, criar outros paradigmas. Pessoalmente gosto de ter saudades dos Açores. Não a saudade roxa e negra, mas a saudade que me enche a alma e me diz que apesar de 52 anos de América, ainda sou açoriano.

 Conhece muitos casos em que isso não acontece?

Sim, nem todos choram de saudade, aliás diria que hoje o emigrante, na generalidade, sente-se bem com os seus dois mundos e as tecnologias vieram suavizar a nostalgia e o vazio com que vivemos durante muitas décadas, dando-nos a possibilidade de mesmo à distância, geograficamente falando, habitarmos os Açores, quotidianamente. Penso que há uma preocupação em ambos os lados do atlântico, para criar-se processos frutíferos para os açorianos e os açor-descendentes. Os desafios que enfrentamos baseiam-se na nossa capacidade de acolhermos as novas gerações num processo que englobe a saudade como elo congregador e não como peso de um passado de luto e dor. Porque a Saudade Nem Sempre Chora, há que partirmos cada vez mais para novas fórmulas e conjunturas. Não podemos ficar atados às mesmas organizações de sempre e as nossas associações da Diáspora ou reinventam-se ou desaparecerão. Quebrar com esse “lugar comum” da saudade como peso de choros constantes e abafadores é absolutamente necessário. Aliás, os poetas desta antologia escrevem essa realidade. Há que, parafraseando Avelina da Silveira, no poema No Rumo das Florestas: “desbravar o desconhecido para lá das raízes que nos animam.”     

Considera que este ainda é um tema tabu?

Em alguns círculos da nossa comunidade, particularmente a que conheço nos Estados Unidos ainda existem alguns tabus neste processo de adaptarmos à nova realidade de uma comunidade muito mais açor-americana, do que unicamente açoriana. Temos alguns preconceitos, particularmente em vários líderes e temos organizações que precisam de ser repensadas. Acho que nos Açores, temos visto, pelo menos a nível dos últimos anos, pela parte do poder regional, uma abertura a essas novas comunidades que vão além da tradicional saudade e da comunidade que já não somos. Considero um pecado para a Diáspora, e para a Região, ficarmos pelas comunidades de ontem. Aliás, mais do que comunidades vejo a nossa presença além arquipélago como uma Diáspora criativa, audaz, progressista, e que tal como escreveu Urbano Bettencourt no poema Pastagens com homens dentro: “abrem a manhã no estertor dos guizos e dos chocalhos.”   Já se deu passos importantes para quebrarmos muitos tabus, e não devemos ter receio, nem cá nem lá, de que a Saudade nem Sempre Chora.  

Como está a comunidade açoriana na Califórnia a reagir a esta mudança presidencial?

A comunidade da Califórnia, tal como nos outros estados da união americana, vive o momento com a mesma mistura de esperança e de divisionismo que marca, infelizmente, a sociedade americana no começo deste ano novo.   Há quem veja a mudança com a naturalidade do processo eleitoral democrático em que o vencedor, Joseph Biden, entre no poder com a normalidade que a democracia americana tem vivido as transições do poder. Há, entretanto, na nossa comunidade, particularmente nas zonas rurais, mas não exclusivas às mesmas, um segmento da nossa comunidade que decidiu acreditar nas mentiras de Donald Trump, e infelizmente, esquecida, ou não conhecedora da história dos seus pais e avós (em alguns casos da sua própria história pessoal), apoia as políticas e o estilo neofascista do magnata de Nova Iorque, agora a residir na Florida. A comunidade está marcada por alguns fundamentalismos que são perigosos em ambos os lados da esfera política. Por um lado, os apologistas do Presidente Trump, que preferem adulterar os princípios conservadores para seguirem o culto. Numa posição antípoda (mas com algumas semelhanças) estão as forças anti-Trump que ao entrarem numa via altamente marcada pelo politicamente correto alienam homens e mulheres que podem ser republicanos, mas não subscrevem o ditador em construção. O que mais me preocupa são as trocas de insultos que se vê na comunidade, aliado ao divisionismo e ao partidarismo que começa a penetrar o nosso movimento associativo. Espero que a vassalagem ao culto de Trump na nossa comunidade dissipe-se com a saída do 45º presidente da Casa Branca. Tenho receio que a radicalização que houve em muitos segmentos da nossa comunidade fique connosco por mais algum tempo. Essa radicalização aconteceu em parte porque no seio das nossas famílias registou-se um desejo de se ser americano à pressa, e porque o nosso movimento associativo abdicou das suas responsabilidades de instituir programas que instituíssem alguns dos nossos valores, a evolução da sociedade açoriana através dos anos, e a história do fascismo que vivemos num passado não muito recente. Infelizmente, a radicalização baseada em princípios da extrema-direita, não são exclusivos às comunidades e estamos a vê-las nas ilhas.        

Como comenta a invasão ao capitólio?

Foi uma insurreição à democracia americana. Um dia trágico na América. Não me surpreendeu, nem compreendo como houve surpresa de muita boa gente. Há muitos anos que a radicalização da direita americana vem construindo esta catástrofe. Na realidade, em termos políticos começou na década de 1980. É obvio que Donald Trump levou essa radicalização a novos patamares. Nunca nos devemos esquecer que para além de criar um clima hostil, onde o insulto e o desprezamento do outro reinam, trouxe para o cerne do Partido Republicano as forças mais retrogradas da ultradireita americana, que até então estavam na periferia. Desde 2014, quando lançou oficialmente sua campanha, que tem namorado a violência e os movimentos neonazis. Mais, quando se diz, mas esta não é a verdadeira América, na realidade é. Temos convivido muito com a violência, a acessibilidade das armas de fogo e um galanteio perigoso com o racismo, a xenofobia e o exacerbado nacionalismo. O mais insólito, foi ver-se depois do assalto bárbaro à casa-mãe da democracia americana, as falsas equivalências feitas com os protestos do verão de 2020 contra o racismo institucional americano e 139 congressistas republicanos, mesmo depois de terem que fugir dos seus lugares no parlamento, votarem a favor dos terroristas domésticos.      

Poderá ser a antevisão dos próximos tempos nos EUA?

Temo o que virá, particularmente a curto e médio prazo. Não tenho certezas de que a América se libertará de Donald Trump, pelo menos com a facilidade que muitos de nós gostaríamos. Penso que o Trumpismo ficará por mais algum tempo. Vimos indícios, como o referi, com a votação do congresso para certificar a eleição presidencial. Biden e Harris enfrentam uma trindade bastante árdua: uma pandemia incontrolável, uma economia caótica e uma polarização alarmante. Simultaneamente, a mensagem unificadora de Biden não pode ser tónica para não se processar Donald Trump. Os crimes políticos são demasiados pesados para a democracia americana. Mais, os insultos racistas e sexistas contra Kamala Harris já começaram, alguns camuflados na linguagem indireta a que nos habituamos e outros muito mais diretos. A direita americana está preparada para ressuscitar o mesmo plano de assalto que fez durante 8 anos a Barack Obama, utilizando, desta feita, a nova vice-presidente. Sem uma reconciliação nacional, liderada pelos republicanos, será muito difícil para o Presidente Biden restaurar a chamada alma americana, que, como se sabe, apesar das suas promessas, nunca foi assim tão limpa e pura. Veremos se o sonho americano sobreviverá ao pesadelo dos últimos quatro anos. Para já é muito triste ver-se o centro do poder americano tão militarizado.     

Que impacto terá a presidência de Biden na emigração açoriana?

Se o Presidente Biden conseguir que os republicanos se libertem das amarras de Donald Trump, talvez a nossa comunidade volte a ter a moderação que nos caraterizou durante a vasta maioria da nossa história como grupo étnico nos EUA. Em termos da pandemia, é essencial que haja uma nova política de vacinação, que afeta diretamente a nossa comunidade. Somos, em termos de emigrantes, uma comunidade envelhecida e há uma grande percentagem de emigrantes nossos com mais de 60 anos e que beneficiariam, tremendamente, de uma outra eficácia. Em termos económicos, os planos de Biden para apoiar as pequenas empresas ajudam a nossa comunidade. Uma nova lei de emigração, que traga amnistia para quem está vivendo clandestinamente no país, é importante para regularizar a situação de centenas, para não dizer milhares de açorianos que ficaram nos EU depois de terem entrado com visto de turista. Alguns aqui estão na clandestinidade há mais 15 anos. Mas acima de tudo, alguma normalidade na governação do país, beneficiará todas as gerações, emigrantes e açor-descendentes e com a renovada promessa de um outro comportamento com o mundo, terá outro impacto para a Região e para a Europa.      



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