Açoriano Oriental
No Cais do Sodré, em Lisboa, teme-se o início do fim da noite
Proprietários e funcionários de bares no Cais do Sodré, Lisboa, temem o fecho dos espaços de diversão, como deverá acontecer com as discotecas Tokyo e Europa, e que isso seja o início do fim da noite nesta antiga zona portuária.
No Cais do Sodré, em Lisboa, teme-se o início do fim da noite

Autor: AO/Lusa

 

Aos 85 anos, Manuel Pereira conhece o Cais do Sodré como ninguém.

Trabalha há 58 anos no Viking, depois de ter passado por outros estabelecimentos, e acompanhou toda a transformação deste bairro lisboeta, desde o tempo em que os marinheiros ali iam aos bares de alterne até à dinamização gerada pela criação da chamada Rua Cor de Rosa - a Rua Nova do Carvalho, que nos últimos anos foi fechada ao trânsito e ganhou novos bares.

Apesar de achar que “agora é melhor do que antigamente”, o fecho iminente de estabelecimentos históricos não o deixa sossegado.

“Não sei o que vai ser das pessoas que estão aí a trabalhar”, afirma, salientando que “gostava que isto continuasse como está”.

Quando Manuel Pereira foi para ali trabalhar, ainda não existia o Jamaica, o Tokyo e o Europa, que nasceram entre 1940 e 1970.

As discotecas acabaram por dar nome ao Cais do Sodré, mas hoje estão em risco de fechar para o edifício onde se encontram, na Rua Cor de Rosa, dar lugar a um hotel. Nesta zona ‘da moda’, é crescente o número de alojamentos turísticos.

“Acho que, no curto prazo, há condições para acontecer aquilo que está a acontecer no Jamaica, no Tokyo e no Europa em mais estabelecimentos”, considera o dono das duas primeiras discotecas, Fernando Pereira.

O responsável frisa que “depois de este prédio entrar em obras, nada vai ser como dantes”, ainda que não haja uma data para que isso aconteça nem para os despejos. O projeto de arquitetura só prevê a manutenção do Jamaica, mediante algumas condições.

“Tudo o que está a acontecer à volta [com a criação de alojamentos turísticos e apartamentos de luxo] vai acabar por matar o Cais do Sodré como o conhecemos”, lamenta.

Preocupação semelhante tem Bruno Costa, que cresceu a acompanhar o pai, proprietário do Viking.

“Acho que ninguém nesta rua tem certezas de nada e, infelizmente, todos os comerciantes vivem um período de grande instabilidade”, diz à Lusa.

De portas abertas há três anos, o Sabotage Club tornou-se num local de passagem obrigatória para quem gosta de rock e é assim que o proprietário, Carlos Costa, quer que se mantenha.

“Estou com um bocado de receio destas mudanças todas, visto que os turistas não vêm cá só para dormir. E não é com grande felicidade que vejo outras discotecas a fechar”, admite.

Apesar das preocupações, a Câmara recusa que a noite no Cais do Sodré esteja ameaçada.

“Estamos muito longe disso”, vinca o vice-presidente da autarquia, Duarte Cordeiro.

“A aposta que a Câmara faz do Cais do Sodré como um espaço de lazer e de diversão noturna vai continuar a ser uma realidade. Nós queremos é que isso seja compatível com mais descanso para os moradores e com um espaço público de melhor qualidade”, adianta.

A dinamização da zona tornou-a cada vez mais atrativa para o investimento imobiliário, essencialmente de estrangeiros, que compram imóveis “para reabilitar e para colocar no mercado de arrendamento, normalmente de curta duração” destinado a turismo, de acordo com o diretor-geral da ERA Portugal, Miguel Poisson.

Indicando que a zona tem vindo a valorizar, o responsável fala em “preços médios por metro quadrado na casa dos 1.300/1.500 euros em apartamentos para remodelar” que, quando são colocados no mercado para venda, “sobem para 3.000 euros o metro quadrado”.

“Aqui ainda se encontram T1 na casa dos 100 mil euros, por remodelar, da mesma forma que se encontra um T3 por meio milhão de euros, já bem remodelado”, exemplifica.

O investigador Jordi Nofre, do Centro Interdisciplinar de Ciências Sociais da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas (Universidade Nova de Lisboa), aponta que em Barcelona se verificou um caso semelhante ao que está a acontecer no Cais do Sodré.

Lá, o bar o mais antigo, Marsella, “fechou por causa da atualização da renda”.

Sobre o futuro, considera que a única certeza é a incerteza: “O Cais do Sodré mudou tanto em cinco anos que ninguém sabe”.

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