Açoriano Oriental
“Na minha vida adulta, acho que fui potenciando esses mundos que me foram sendo abertos na infância”

Maria Emanuel Albergaria Com uma infância marcada pela liberdade e uma educação diversificada, desenvolveu um profundo compromisso com a democracia cultural e a inovação educativa


“Na minha vida adulta, acho que fui potenciando esses mundos que me foram sendo abertos na infância”

Autor: Ana Carvalho Melo

Maria Emanuel Albergaria, mãe de Júlia, Laura e Alice e avó de dois netos (Violeta e João), possui uma carreira profundamente moldada pela sua infância rica em experiências e pela sua educação diversificada.

Nascida em Ponta Delgada, no seio de uma família numerosa, cresceu numa quinta no Pópulo, rodeada de liberdade e natureza, onde desenvolveu, desde cedo, uma forte ligação ao meio ambiente, aos animais e às plantas, e à diversidade de maneiras de ser, influenciada pelas brincadeiras ao ar livre e também pelo convívio com os trabalhadores da quinta.

“Fui a neta mais velha, tanto do lado materno como do lado paterno, pelo que devo ter sido bastante mimada por avós, tios e tias. Mas a seguir vieram logo muitos irmãos e primos também”, conta. “Tenho memórias de uma grande liberdade, de brincar à vontade. Não havia limites. Podíamos explorar. Eu brinquei com terra, com bichos, com minhocas. Por isso, tenho toda esta relação com a natureza, e com a experimentação, que acho que foi muito importante”, confessa.

A sua educação formal começou de forma hesitante, uma vez que, após a liberdade da infância, a escola inicial lhe parecia restritiva. Contudo, com o passar do tempo, Maria Emanuel Albergaria começou a apreciar a escola, especialmente durante o ciclo preparatório na Escola Roberto Ivens, onde foi influenciada por professores inspiradores como Tomaz Borba Vieira, que despertou nela um interesse profundo pelas artes, e Ana Maria Moniz da Ponte Neto Viveiros, que a introduziu ao mundo dos museus e da história. Esta última teve um papel crucial na sua decisão de seguir uma carreira que combinasse cultura, educação e história.

“A primeira vez que fizemos uma visita ao Museu Carlos Machado foi com a professora Ana Maria. Fomos ver uma exposição que vinha do Museu do Traje de Lisboa e aquilo marcou-me. Eu adorei todo o ambiente do museu e a exposição, voltei não sei quantas vezes sozinha”, relata.

Foi também enquanto aluna do ensino preparatório que viveu o 25 de Abril, uma revolução que veio moldar a sua forma de ser e de estar na vida.

A influência familiar também foi determinante, tendo a mãe e a avó  como figuras marcantes, mas também o seu pai. “Na minha vida adulta, acho que fui potenciando esses mundos que me foram sendo abertos na infância. O meu pai tinha um lado de ser um comunicador, gostava de contar histórias e falar com todo o tipo de pessoas, era bastante democrático, o que me marcou. E acho que isso foi muito importante”, realça.

Também o avô, médico oftalmologista, a marcou pela sua generosidade e por ser “uma pessoa muito terra a terra”, que “dizia tudo o que lhe vinha à cabeça”.

Entre as influências familiares recorda também a sua tia Ana Vieira, uma artista plástica que incentivou a sua criatividade desde tenra idade. E a convivência com figuras intelectuais e artísticas, como o tio Eduardo Nery, que lhe permitiu abrir horizontes e alimentar o seu interesse por áreas tão diversas como a mitologia, astronomia e as ciências sociais.

Também a marcaram a avó paterna, uma pessoa muito generosa, e todos os seus tios e tias.

Aos 19 anos e já mãe, Maria Emanuel Albergaria emigrou para o Canadá com a família, onde estudou artes e pedagogia. “No Canadá estudei artes visuais, experimentei desde escultura, a pintura, desenho, ilustração, entre outras áreas. E depois fiz um curso de pedagogia, que me interessava também, na área da educação infantil”, relata.

Ao regressar a Portugal, Maria Emanuel Albergaria decidiu aprofundar o seu conhecimento em Antropologia, uma área que combinava o seu interesse pelas ciências sociais com a sua experiência internacional. Em Lisboa, completou a sua formação e começou a lecionar, passando por várias escolas em Portugal Continental, onde desenvolveu uma sensibilidade especial para as questões sociais e educativas.

O seu percurso como professora, que se estendeu por quase duas décadas, foi marcado por uma abordagem inovadora e pelo envolvimento em projetos que iam além do ensino convencional. Trabalhou em contextos desafiadores, como bairros sociais e prisões, sempre com o objetivo de adaptar a educação às realidades dos alunos e de promover uma aprendizagem mais inclusiva e significativa. “A escola tradicional tem que mudar muita coisa, na minha ótica, porque muitas vezes está completamente divorciada dos contextos de onde crescem as pessoas, as crianças, e depois querem impor um modelo que muitas vezes não tem nada a ver e que podia ser adaptado”, defende.

A sua paixão pelos museus e pela educação culminou no convite para integrar, em 2006, o Museu Carlos Machado, onde desempenhou um papel fundamental no Serviço Educativo. Através de projetos como o Museu Móvel, Maria Emanuel Albergaria pôde explorar e valorizar as diversas comunidades da Ilha de São Miguel, aprofundando o seu conhecimento sobre a cultura e a história local, numa perspetiva de democracia cultural. O trabalho no museu permitiu-lhe conciliar as duas grandes paixões: a antropologia e as artes.

“No museu, foi-me dada a oportunidade, através do Museu Móvel, de começar a trabalhar sobre o Património Cultural Imaterial dos Açores, especialmente de São Miguel. Fiz vários trabalhos na comunidade, como um nas Sete Cidades, que durou alguns anos e foi muito, muito interessante para todos”, afirma, acrescentando: “Interessa-me muito o lado mais invisível da história e das comunidades, porque normalmente a história dos Açores tem sido contada sempre numa ótica dos protagonistas e a mim interessa-me conhecer  outras narrativas”.

Nos últimos cinco anos, Maria Emanuel Albergaria tem-se dedicado ao Plano Nacional das Artes, onde continua a explorar novas metodologias educativas e a promover projetos culturais inovadores. O seu trabalho é caracterizado por uma constante busca de equilíbrio entre o respeito pelas ancestralidades e a necessidade de adaptação às mudanças contemporâneas, especialmente no que diz respeito à educação e à sustentabilidade. “O meu trabalho no Plano Nacional das Artes tem sido muito interessante, pois permite conhecer projetos educativos inovadores, que acho que são muito importantes para o futuro, porque o futuro também passa por uma aposta forte na educação”, destaca.

Com um foco crescente no interesse pela produção hortícola e no impacto ambiental, Maria Emanuel mantém-se uma defensora ativa de uma sociedade mais justa e sustentável, tanto a nível local como global.

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