Açoriano Oriental
Na grande casa amarela de Lagoa o caminho para deixar as dependências tem 12 passos
Na Villa dos Passos, um solar do século XVIII localizado na ilha açoriana de São Miguel, trava-se uma luta diária contra as dependências, seguindo um método de tratamento centrado num programa espiritual de auto-conhecimento.
Na grande casa amarela de Lagoa o caminho para deixar as dependências tem 12 passos

Autor: Lusa / AO online
    Localizado no concelho Lagoa, o centro privado de tratamento de dependências como o álcool e a droga procura reabilitar os seus utentes, através de um modelo norte-americano composto por 12 passos, que nasceu na década de 50 e se espalhou por vários países devido à elevada taxa de sucesso.

    Na grande casa amarela, onde se recusam rótulos e estigmas, trabalha-se a parte bio, psico e social dos utentes, sem recurso a fármacos.

    Consciente do seu problema com as drogas, Luís, 37 anos, procura viver um dia de cada vez na Villa dos Passos e aprender a ultrapassar as contrariedades da vida, para não ter de recorrer nunca mais a substâncias ilícitas.

    "Comecei a consumir muito novo. Tinha 12/13 anos quando comecei a consumir. Por volta de 1995, tive o meu primeiro agarranço no continente. Fui mesmo até ao fim do poço. Passava a vida a ir ao Casal Ventoso [Lisboa] e a outros bairros", relatou à agência Lusa o jovem micaelense.

    Chegou a tentar uma desintoxicação em casa, com apoio da família, mas não resultou. Ao fim de um ano e meio sem consumir drogas, teve uma recaída, agravada pelo consumo excessivo de cerveja e uísque, que lhe retirou o domínio sobre si próprio e o fazia cometer "insanidades".

    "A droga começa por ser uma coisa boa, uma coisa esporádica para ficarmos mais extrovertidos, para ir a um concerto e uma festa. Quem experimenta fica a gostar. A isto chamamos a lua-de-mel das drogas", afirmou Luís, que, para "fugir à realidade e esquecer os problemas da vida", começou a consumir cada vez mais heroína e cocaína até ficar "agarrado".

    Admitindo ser portador de um "doença que não tem cura", o ex-toxicodependente está há três meses na Villa dos Passos, naquele que é o seu primeiro tratamento num centro especializado em dependência e que tem capacidade para acolher, simultaneamente, até 15 utentes.

    "Quando comecei a consumir era difícil arranjar droga nos Açores, mas era barata. Agora é muito fácil de arranjar, mas é muito cara", disse Luís num tom de voz firme, demonstrando preocupação com os jovens que "estão cada vez mais a consumir cogumelos e drogas sintéticas".

    Nos últimos três anos, a Polícia Judiciária (PJ) apreendeu nos Açores 64,270 quilos de haxixe, 35,300 quilos de cocaína e 9,100 quilos de heroína, mas rejeita a tese de que o arquipélago faz parte das redes internacionais de traficantes.

    Numa entrevista concedida à agência Lusa em Junho, o coordenador da PJ nos Açores, Afonso Oliveira, sublinhou que, devido à localização das ilhas, os potenciais traficantes "poderão" passar ao largo dos Açores, mas "não terá grande credibilidade a tese de que a droga se destina ao mercado regional".

    Nuno apanhou a primeira bebedeira aos doze anos. Seguiram muitas outras e tornaram-se regulares a partir dos 14/15 anos de idade.

    "Achei piada ao álcool. Depois começou a dar-me algum conforto e não parei até há uns meses atrás, quando tive um acidente e fui apanhado com excesso de álcool pela terceira vez", contou à Lusa este homem de 30 anos, que, para evitar a pena de prisão, optou por submeter-se a um tratamento de desintoxicação.

    Há quase três meses que não bebe uma gota de álcool. Acredita que nunca mais o fará, apesar do perigo morar demasiado perto. O pai é produtor de vinho e há casos de alcoolismo na família directa.

    "Eu trabalhava na distribuição de vinho, cerveja e uísque. Trabalhava com o inimigo. Não era difícil adquirir álcool", admitiu, consciente do seu problema, que considerou ser "uma doença crónica” que o vai “acompanhar até ao final da vida” e que tem de “aprender a controlar”.

    A resistência inicial ao tratamento vai obrigá-lo a ficar mais um mês na Villa dos Passos até retomar o seu dia-a-dia no exterior, "mais forte, resistente e preparado para a abstinência".

    Ao longo de três meses, período em que dura normalmente o internamento, os utentes do centro são levados a identificar virtudes e defeitos do seu carácter para se poderem reabilitar, através de sessões de psicologia/psiquiatria e aconselhamento.

    Segundo o conselheiro Vítor Pacheco, o processo de admissão do problema, feito de forma gradual pelos utentes, é apenas um dos 12 passos que compõem o tratamento da Villa dos Passos, que passa também por uma fase de decisão individual, predisposição para a mudança de estilo de vida, libertação do passado e reparação de danos causados às pessoas à volta.

    Com uma taxa de 52 por cento de sucesso no tratamento de problemas associados ao álcool e às drogas, Vítor Pacheco adianta que, nos Açores, este centro de tratamento tem sido cada vez mais procurado por dependentes das ilhas e do resto do país.

    "Isto é uma doença que não tem cura, mas há recuperação. A recuperação existe. É começar a admitir que se tem um problema. Começar a trabalhar diariamente e não se esquecer que este problema se pode activar outra vez se voltar a usar a primeira droga", afirmou Vítor Pacheco.

    O centro de tratamento é composto por uma equipa multidisciplinar preparada para "ajudar a mudar mentalidades e encarar de frente os problemas" que provocam graves consequências sociais se não forem tratados, concluiu.
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