Açoriano Oriental
Joel Neto mostra poder redentor das histórias em aula aberta em São Miguel

O escritor Joel Neto foi até à Escola Básica Integrada da Maia, em São Miguel, para uma aula em que mostrou a jovens dos sétimo e oitavo anos o poder redentor das histórias, mas também a importância da subversão.

Joel Neto mostra poder redentor das histórias em aula aberta em São Miguel

Autor: AO Online/ Lusa

Na costa norte da ilha de São Miguel, junto ao mar, encontra-se a maior freguesia do concelho da Ribeira Grande, a Maia, onde cabem os lugares da Gorreana e Lombinha da Maia.

Este foi dos primeiros sítios da ilha a serem povoados e os últimos Censos, de 2011, contam cerca de 1.900 habitantes na freguesia, que vive, maioritariamente, da agricultura e da pesca, mas também de atividades turísticas, muito ligadas às plantações de chá da Gorreana.

É também um sítio especial para o escritor, que conta com 12 obras publicadas em nome próprio e várias participações em antologias e revistas literárias, por ser o local onde nasceu o autor do primeiro livro que leu “por escolha livre”: Daniel de Sá, de quem foi amigo.

“Eu li desde criança, em resultado da minha educação protestante, mas o primeiro gesto que tive como leitor livre, de escolha livre, foi comprar um livro do Daniel de Sá. Foi quase uma espécie de manifesto da minha juventude. Comprei ‘Um Deus à Beira da Loucura’, que li no silêncio do meu quarto, e aquele livro teve uma influência muito significativa em mim”, explicou o escritor à agência Lusa.

Passava pouco das 10:30 da manhã de quinta-feira quando Joel Neto começou a sua aula aberta, depois de ter sido apresentado por Chrys Chrystello, organizador dos Colóquios da Lusofonia, que já levou cerca de 20 autores a escolas de toda a região. A essa hora, já o dia ia longo para alguns dos alunos da Escola Básica Integrada da Maia, que se levantam de madrugada para ajudar os pais nas explorações agrícolas, “a arrumar vacas”, explicam as professoras.

Talvez por isso, a concentração dos alunos dispersou-se, por vezes, mas regressou nos momentos em que o escritor contou como foi a sua juventude, ou quando leu uma passagem do seu mais recente livro, o diário “A Vida no Campo: Os Anos da Maturidade”, sobre a sua cadela, a Jasmim, assunto que despertou a atenção dos alunos, sedentos por saber de que raça é e há quanto tempo é que o escritor a tem.

A alunos do sétimo e oitavo anos e de cursos de formação profissional PROFIJ da Escola Básica Integrada da Maia Joel Neto confessou que foi um adolescente “incontrolável e subversivo”, que, apesar das boas notas, esteve à beira de reprovar por faltas, não fosse a bondade de uma professora de português que lhe perdoou algumas das ausências.

Foi o contacto com os livros e o reconhecimento por parte dos professores que o levaram a perceber que as suas hipóteses eram “ou escrever, ou uma vida no crime”.

Encontrou o seu rumo na narrativa, mas “o poder redentor das histórias está lá, desde o início da humanidade - se não tivesse aprendido a contar histórias, a constituir mitos e a reunir-se à sombra desses mitos, o Homo Sapiens teria acabado extinto, como as restantes espécies humanas, porque não teria conseguido constituir a cooperação”, afirmou o autor.

“Foram as histórias que salvaram esta espécie e eu acho que serão as histórias que vão salvá-la novamente face, nomeadamente, à destruição do nosso planeta que estamos a levar a cabo”, prosseguiu.

Mas não abdicou totalmente da veia que o empurra para “a vida de crime”, já que acredita que “a origem está na subversão, na urgência de vencer as regras e de criar, inclusive, novas regras, para serem vencidas elas próprias”.

“Acho que hoje sou escritor, muito mais, porque fui um adolescente ousado e rebelde e subversivo, do que por escrever bem ou mal”, considerou.

Joel Neto acaba de lançar “A Vida no Campo: Os Anos da Maturidade”, segundo volume do diário “A Vida no Campo”, que relata a mudança de Lisboa para a Terra Chã, na Terceira, onde vive desde 2012 com a mulher, a tradutora Catarina Ferreira de Almeida, e os seus dois cães.

O escritor admitiu ter tomado quase todas as decisões da sua vida por amor e acredita que “essa é a expressão máxima do que é ser escritor”. Foi isso que o trouxe de volta à sua terra natal, onde é surpreendido pela sua capacidade de comoção com as coisas.

Na ilha onde nasceu, é constantemente surpreendido pela cultura que muitos pensam estar circunscrita a uma elite urbana e que raramente se encontra fora dela, mas que conheceu no carteiro que, a falar de uma derrota do Benfica, lhe disse que “há derrotas que têm mais dignidade do que a própria vitória”, citando o escritor argentino Jorge Luís Borges, ou o ex-ladrão que encaderna livros e guarda, em duas casas em ruínas, um impressionante acervo de obras.

Acredita que “os miúdos, hoje, têm inclinações distintas”: “Submetidos a muito mais impulsos, muito mais fragmentados e espartilhados e, portanto, não é fácil captar e conservar a atenção destes miúdos como era no meu tempo. Apesar disso, eu continuo a acreditar que eles têm o poder de resistir, também, a esse ruído excessivo do mundo contemporâneo e continuo a acreditar tanto nas histórias, como nas pessoas”.

Joel Neto, que aos 18 anos ingressou no curso de Relações Internacionais, porque foi o curso escolhido pela “rapariga mais linda do liceu de Angra”, trabalhou como jornalista em vários jornais e revistas portugueses, mantendo colunas no Diário de Notícias e n’O Jogo.

Tem publicados 12 livros, desde romances a contos, passando pelos diários, dos quais se destacam os romances “Arquipélago” e “Meridiano 28” e o diário “A Vida no Campo”, adaptado para teatro pelo próprio e Catarina Ferreira de Almeida.


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