Autor: João Rocha
O futebol de então era
exclusivamente movido pela paixão. As chuteiras dos jogadores do
Angrense serviam para muitos pares de pés nos dias em que as três
categorias jogavam de enfiada.
“Só mais tarde, com o meu
dinheiro, comprei umas botas de futebol. Custaram 100 escudos. Paguei
em prestações de 10 escudos” – especifica.
Já o restante
equipamento (camisola, calção e meias) levava para casa, onde a
irmã tratava da respetiva lavagem.
Quando foi jogar pela primeira
vez à ilha de São Miguel, o pai deu-lhe 20 escudos.
A partir
daí, foram só contas de subtrair: “Tive que desembolsar logo 15
escudos para tirar o Bilhete de Identidade. Emprestei três ao meu
colega Gastão para comprar um par de meias e, já na ilha de Santa
Maria, gastei meio escudo em favas. Em suma, ainda regressei a casa
com um escudo e meio”.
Sócio número um da coletividade “há
anos sem conta”, Joaquim Costa integrou a primeira equipa do
Angrense a conquistar o título de campeã dos Açores em 1937.
Treinador nem
existia
Joaquim Costa ocupava a posição de defesa esquerdo e era tido como rijo.
Os
esquemas táticos não atingiam a complexidade da atualidade até
porque a figura de treinador nem existia.
Um dirigente dava as
ordens e os jogadores faziam o resto.
“Tínhamos o bloco
defensivo e o ofensivo. Mas não jogávamos à base do pontapé para
a frente. Os atacantes sabiam vir buscar jogo à linha mais recuada”
– contextualiza.
A segunda Guerra Mundial permitiu a Joaquim
Costa partilhar experiências futebolísticas internacionais com
militares britânicos e franceses que escalavam a ilha
Terceira.
Todavia, os desafios com maior adrenalina eram com o
Marítimo do Corpo Santo e, sobretudo, o Lusitânia, grande rival do
Angrense.
O antigo capitão dos encarnados de Angra do Heroísmo
admite a rivalidade entre os clubes citadinos, mas só e apenas
dentro do terreno da contenda.
“O árbitro apitava para o início
e deixava de ter amigos na equipa adversária. Quando acabava o jogo,
voltava a ser amigo de toda a gente”.
Por falar em árbitro,
Joaquim Costa dá conta de outra particularidade: “ na nossa
altura, os árbitros nem eram nomeados pela Associação de Futebol.
Cabia aos capitães das duas equipas escolher os juízes entre o
público. Coitados, pagavam o bilhete e, às vezes, ainda ouviam das
boas”.
Funcionário público e adeus à bola
Os
estudos nunca foram o forte de Joaquim Costa. Uma irmã deu-lhe as
primeiras lições e uma valente bofetada por o ter apanhado a
fumar.
“Remédio santo. Nunca mais tive o vício do tabaco em
toda a minha vida”-, confessa.
Com o abandono precoce dos
livros, começou a trabalhar aos 14 anos de idade.
Ia dividindo os
empregos com os jogos do Angrense. Depois, com o fito de arranjar um
lugar na função pública, voluntariou-se para a tropa, tendo
cumprido 15 meses de serviço militar.
Conseguiu o ambicionado
emprego na função pública. Primeiro num posto de desinfestação
e, posteriormente, na Escola Industrial e Comercial de Angra do
Heroísmo, que serviu durante décadas como contínuo de primeira
classe.
Já casado e pai de filhos, decidiu abandonar o futebol
aos 26 anos de idade.
Na base da decisão está uma medida
aplicada pelo diretor do Hospital da Santa Casa da
Misericórdia.
“Quem se magoasse a jogar futebol, teria que
pagar 500 escudos de tratamento hospitalar. Eu nem ganhava tanto no
meu emprego” – argumenta Joaquim Costa.