Açoriano Oriental
“Gripe A foi uma espécie de estágio para o combate à COVID- 19”, diz Alexandre Cunha

Alexandre Cunha, Comandante dos Bombeiros Voluntários da Praia da Vitória, contou ao Açoriano Oriental como a corporação praiense se preparou para o combate ao novo Coronavírus.


“Gripe A foi uma espécie de estágio para o combate à COVID- 19”, diz Alexandre Cunha

Autor: Tatiana Ourique / Açoriano Oriental

 A Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários da Praia da Vitória foi fundada a 11 de outubro de 1984 e conta atualmente com 80 bombeiros, 28 deles assalariados. A frota da corporação é composta por 6 ambulâncias de socorro, 4 ambulâncias de transporte, 5 viaturas de combate a incêndios, 1 viatura de comando, 3 viaturas de apoio e uma embarcação do Grupo de Salvamento Aquático.

              A corporação tem, desde 2012, enviado equipas para auxiliar as congéneres nacionais no combate aos fogos florestais que acontecem praticamente durante todas as épocas de verão, o que, para o Comandante Alexandre Cunha, tem sido uma mais valia para a partilha de conhecimento e formação. Do currículo da corporação constam já diversos prémios internacional: “nos últimos cinco anos conseguimos o apuramento para o World Rescue Challenge, e nos últimos 3 conseguimos ficar sempre no pódio. Em 2017, na Roménia, fomos Campeões do mundo algo que nunca tinha sido alcançado por uma equipa portuguesa e que reflete a qualidade da emergência pré-hospitalar que se presta nos Açores”. O comandante justifica os bons resultados com o empenho e profissionalismo dos bombeiros açorianos e com a qualidade formativa que o SRPCBA disponibiliza.


 Depois de em 2017 coorganizarem o campeonato regional de trauma e em 2019 o Campeonato Nacional, ambos na Praia da Vitória, a cidade de Nemésio vai acolher em 2023 o World Rescue Challenge com cerca de 600 participantes dos quatro cantos do mundo. 


 Questionado sobre o dia a dia da corporação em circunstâncias “normais” Alexandre garante que as ocorrências “são constantes, sendo a grande maioria emergências pré-hospitalares, mas também temos, trauma, acidentes, incêndios, inundações, socorros a náufragos, mergulho, salvamento em grande ângulo, aberturas de portas e até o tradicional gatinho em cima da árvore ou telhado.


 Para além das ocorrências ainda temos os transportes para consultas, fisioterapias, diálises e retornos de doentes tanto do Centro de Saúde da Praia da Vitória como do Hospital de Santo Espírito da Ilha Terceira que se traduz na maior fonte de receita da nossa Associação”. Cunha releva ainda o tempo dedicado à formação da corporação para enfrentar novos desafios.


 Um dos maiores desafios para esta geração de bombeiros nos Açores é a luta contra a Covid-19, que, para Alexandre, mudou tudo, a começar pela parte financeira “Numa primeira fase tivemos uma redução enorme no número diário de ocorrências (mais de 50%), claramente porque a população está assustado e só quer ir ao hospital mesmo em último caso. Por outro lado, tivemos uma quebra ainda maior nos transportes não urgentes, as consultas são poucas, acabaram as fisioterapias e agora apenas transportamos utentes para a diálise traduzindo-se assim numa quebra de receitas muito grande”.


 Com o surgimento efetivo de casos na ilha Terceira a corporação não teve mãos a medir e a gripe A serviu como uma espécie de estágio para esta nova realidade: “para nós não é novo uma vez que durante a gripe A éramos nós que fazíamos os transporte de todos os doentes na ilha terceira, razão pela qual já tínhamos muitos elemento com formação em incidentes biológicos mas mesmo assim antes de existirem casos de covid19 nos Açores solicitamos ao SRPCBA formação para mais elementos e, como habitual, o SRPCBA acedeu à proposta fazendo com que tenhamos mais de 30 elementos habilitados a atuarem em incidentes Biológicos”.


 Atualmente a AHBVPV presta, também, apoio à Unidade de Saúde da Ilha Terceira no transporte de equipas de enfermeiros que efetuam testes covid19 no domicílio. “Esta entreajuda tem sido extremamente profícua e todos saem a ganhar, quer as instituições, os profissionais e acima de tudo os utentes que conseguem agora ser testados no seu domicílio quando não têm possibilidade de deslocação ao centro de colheitas”. Alexandre Cunha vai mais longe e garante que a palavra desta pandemia podia ser entreajuda: “enorme entreajuda e comunicação entre as diversas entidades: Corpos de Bombeiros, SRPCBA, Secretaria da Saúde, Direção Regional da Saúde, unidades de saúde de ilha, hospitais, forças de segurança, câmaras municipais todos têm lutado juntos e penso que os resultados estão à vista, é certo que ainda não ganhamos a guerra mas já ganhamos muitas batalhas e não tenho a menor dúvida que vamos vencer esta pandemia”.


 O comandante Cunha adiantou, ainda, que as corporações açorianas estão em contacto permanente através do Facebook: “o comandante Rui Bettencourt dos Bombeiros Voluntários da calheta criou um grupo com os 17 comandantes dos corpos de bombeiros dos Açores que nos tem permitido estar em contato permanente, partilhar experiências e ajudarmo-nos uns aos outros. Aproveito a oportunidade para agradecer a todos eles pela ajuda preciosa e o apoio fantástico.”


 O líder dos bombeiros praienses garante que o primeiro passo do plano de contingência tem de passar por proteger os operacionais: “muito antes do primeiro caso nos Açores, tomámos um conjunto de medidas para salvaguardar a segurança dos nossos operacionais das quais destaco: fechar o quartel ao mundo exterior e os nossos bombeiros só passaram a ir ao quartel quando estão de serviço;  passamos a controlar a temperatura de todos os elementos no início, meio e fim do turno; passamos a estar todos no quartel de máscaras cirúrgicas; deixamos de rodar as equipas; passamos a fazer turnos de 13 horas minimizando as trocas de serviço e temos tudo preparado para, logo que se justifique, passarmos a fazer turnos de 24 horas”. Nas medidas não falta, também, resposta a uma necessidade de isolamento: “temos uma sala toda preparada para o caso algum elemento ter de ficar em isolamento é nessa sala que fica numa primeira fase indo depois para quarentena numa unidade hoteleira da nossa cidade disponibilizada pela Câmara Municipal; definimos uma zona para desinfeção das ambulâncias; os nossos bombeiros passaram a almoçar no quartel uma vez que os turnos são de 13 horas e, uma vez mais com o apoio da câmara municipal, colocamos desinfetante das mão em zonas estratégicas do nosso quartel e continuamos todos os dias a fazer pequenas alterações zelando sempre pela segurança dos nossos bombeiros”.


 O comandante praiense explica ao Açoriano Oriental os procedimentos de uma ocorrência Covid-19:  “tudo começa na triagem feita na Linha de Saúde Açores que, sempre que valida um caso suspeito, solicita o envio de uma equipa de incidentes biológicos. Essa equipa é constituída por 3 elementos, 1 deles ajuda restantes dois a equiparem-se enquanto preenche uma check list que garante que todos os passos sejam seguidos sem falhas. Depois de equipados os 2 elementos seguem na ambulância até ao local da ocorrência, sempre em contacto com a sala de atendimento e gestão de emergências (SAGE) do SRPCBA, após a estabilização da vítima que é depois transportada para o HSEIT. Enquanto isso o outro elemento vai preparando todo o material para apoio ao desequipar dos dois colegas e para a desinfeção da viatura. Posteriormente regressam ao quartel onde o outro elemento apoia- novamente com uma check list- o desequipar dos colegas garantindo assim que não existem quebras de protocolo. Caso ocorra alguma quebra de protocolo o elemento é enviado de imediato para a zona de isolamento. Por fim o primeiro elemento procede à desinfeção da ambulância”.


 Alexandre Cunha garante que apesar de cerca de 30 bombeiros terem formação em incidentes biológicos, praticamente todos os operacionais estão envolvidos em tarefas em tempos de Covid-19: “diria que todos os outros também colaboram quer apoiando na desinfeção das AMS ou fazendo as outras ocorrências relacionadas com a saúde quer de outro âmbito. Reforçámos ainda o nível de equipamento de proteção individual dos nossos operacionais em todas as áreas pois o perigo de contágio existe em todo o tipo de ocorrências até nos transportes não urgentes”.


 Cunha realça o empenho total e todos os homens e mulheres que comanda: “Todos somos bombeiros 24 horas por dia, 365 dias por ano e quem mais sofre com isso são as nossas famílias que nunca sabem quando saímos e quando chegámos. Nós não somos super-homens nem super-mulheres. Sim, temos medo por nós e principalmente pelas nossas famílias, mas temos a felicidade de fazer aquilo que mais gostámos”.

 

 Alexandre diz que a situação de pessoal ainda não é preocupante na realidade praiense mas acredita que o futuro está cada vez mais na profissionalização dos bombeiros “é um facto que é cada vez mais difícil cativar voluntários. No ano passado criamos a nossa escola de infantes e cadetes que acredito que a longo prazo possa dar frutos, mas penso que o futuro passará por cada vez termos um maior número de bombeiros profissionais”.


 O mesmo pode dizer-se do material de equipamento individual. Os bombeiros têm contado com o apoio do investimento da própria direção, do município e do SRPCBA e acredita que esse esforço conjunto não permitirá que falte equipamentos.


 No final da conversa com o AO, Alexandre Cunha agradece a todos os que têm acarinhado os bombeiros com donativos sobretudo alimentares e de equipamento e deixa um agradecimento a todos os bombeiros açorianos e em especial aos homens que lidera e que caracteriza como “os melhores bombeiros do mundo”.


 Alexandre Cunha deixa ainda um apelo à população: “A proteção civil começa em cada um de nós e não tenham dúvidas que só vamos conseguir ultrapassar esta pandemia com a ajuda de todos. Só vamos conseguir vencer o covid-19 com o distanciamento social e com todos os cuidados e recomendações das entidades competentes, mas acima de tudo ficando em casa. Esta pandemia ainda não acabou, por favor ajudem-nos a ajudar-vos”.




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