Açoriano Oriental
FOCUS AG: resistir ao imediatismo do clique

César Pinheiro propôs à Escola Secundária Vitorino Nemésio, localizada na Praia da Vitória, uma troca: o estabelecimento de ensino não desactivava as instalações de fotografia que existiam e ele encarregava-se, a título voluntário, de assegurar essa actividade extra-curricular. Da parceria entre ambos nasceu o Focus AG, o único laboratório de fotografia tradicional com produção própria e serviços cada vez mais raros a funcionar actualmente nas escolas dos Açores.


Autor: Cátia Carvalho

César Pinheiro é claro: «o digital permite-te fazer coisas brutais, mas o grande problema que nos trouxe foi a facilidade com que as câmaras fotográficas foram parar às mãos das pessoas. Quem fotografa não é fotógrafo e quem é fotógrafo não é artista».

Apesar da fotografia do imediato se ter convertido na moda do momento, o fotógrafo garante que as pessoas continuam a investir em imagens que durem 50 anos, «a fotografia analógica é um processo. Não acaba no clique, acaba nas paredes das casas. Cada foto que se faz é um desafio. Para obteres o produto final não podes desperdiçar oportunidades senão perdes dinheiro. O analógico obriga-te a pensar e a utilizar todos os sentidos».

O interesse pela área científica levou-o a começar um Curso de Especialização Tecnológica (CET) em Química que acabou por não concluir, trocando-o por uma licenciatura em Design Gráfico e Multimédia nas Caldas da Rainha. Seguiu-se um mestrado em Fotografia Documental e Arquivo em Tomar e um estágio na Ilford Swiss Imaging, um dos maiores produtores de materiais fotográficos para além da Kodak e da Fujifilm.

Em 2013, quando ainda andava na faculdade, decidiu explorar o analógico enquanto oportunidade de negócio, «à medida que a fotografia digital se foi tornando cada vez mais popular, as lojas de fotografia foram fechando umas atrás das outras. Quem fazia fotografia tradicional deixou de ter onde revelar a baixo custo e foi assim que tudo começou. Na altura precisava de dinheiro extra para ajudar a pagar o curso e comecei a revelar filmes de amigos na casa de banho do apartamento onde vivia. Cobrava cerca de 3€ por filme».

De regresso a casa, em 2016, César trouxe consigo o projecto, «apesar de termos sido uma das primeiras ilhas a entrar na fotografia do séc. IX, existem apenas duas ou três pessoas no arquipélago que sabem trabalhar analogicamente. O Focus AG é um clube escolar. Eu tinha o conhecimento e a escola as instalações, foi o ‘match’ perfeito. No primeiro ano de actividade inscreveram-se 17 pessoas entre alunos, professores e auxiliares. Para chegar à comunidade fora da escola, organizamos com regularidade workshops de fotografia e para os clientes particulares oferecemos vários serviços que já vão sendo cada vez mais difíceis de encontrar».

Dois anos depois do arranque, o projecto é auto-sustentável apesar de não ter qualquer tipo de apoio público. Entre os serviços mais populares estão a revelação de película a preto e branco negativa; a revelação de película a cores negativa, conhecida como o processo químico C41 e a revelação de película positiva a cores, mais rara de se encontrar, conhecida também de diapositivo, slide ou processo químico E-6. Além destes 3 serviços standard, o Focus AG produz também ampliações para papel a preto e branco e a cores e faz revelações de diapositivos ou slides a preto e branco em triacetato de celulose.

«A maioria dos clientes são de Portugal continental, do Brasil, dos Estados Unidos e da Alemanha», revela César, «apesar de estarmos no meio do atlântico, somos um dos 4 sítios no mundo onde ainda é possível fazer ampliações em materiais Ilfochrome / Ciba. É um processo raro e caro e nós somos um dos poucos fornecedores actuais que ainda o torna possível».

Embora a velocidade com que o mundo digital se renova seja cada vez mais arrebatadora, o fotógrafo defende que o fascínio pela fotografia analógica é intemporal, «é impossível competir com o digital, de 6 em 6 meses sai uma máquina fotográfica nova e o marketing é muito agressivo. A ideia de que todos podem ter acesso, criou lá está, muitos pseudo-artistas, mas a tridimensionalidade que o grão analógico confere à imagem e a paleta de cores, mais completa, tornam o processo todo mais fiel. Isso não existe no digital».

Apesar da fotografia tradicional ter perdido um número significativo de utilizadores, o mercado do vintage e do retro convenceu uma série de antigos coleccionadores e novos empreendedores a reinvestir em espaços comerciais dedicados à fotografia. César Pinheiro espera que a tendência se mantenha e que também ele, num futuro próximo, possa deslocar o Focus AG da escola para a rua.


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