Autor: Carolina Moreira
Em que consiste a longa-metragem “A Alma de um Ciclista”?
A ideia
parte da observação de alguns ciclistas clássicos que se distinguem dos
demais porque são pessoas que gostam de utilizar bicicletas mais
antigas, estilo anos 80, e isso já traz um simbolismo que é a
reutilização, a reciclagem, honrar as memórias antigas. Só isto já os
faz serem diferentes dos restantes ciclistas que, geralmente, gostam de
comprar a bicicleta da última moda, mais leve, de carbono, etc.
Adicionalmente,
são pessoas com um caráter muito engraçado e que se vestem à moda
antiga, convivem à moda antiga e foi isso que me fez dar o primeiro
passo e pesquisar sobre eles. Até porque estas pessoas são excelentes
portadoras de uma mensagem que é o vivermos de uma forma mais simples,
em que a amizade é o valor mais importante na vida, onde a ecologia está
sempre presente até pela forma como se locomovem. Esse sim acaba por
ser o objetivo do documentário, em que uso as bicicletas como meio de
comunicação, mas o documentário não é sobre bicicletas nem ciclistas,
mas sobre estes valores.
Acompanhou estes ciclistas durante quanto tempo?
Este
projeto começou em setembro de 2018 e terminou em março de 2020, sendo
que a maior parte das filmagens aconteceram durante 2019. Acompanhei os
ciclistas desde Portugal até França, Espanha e Reino Unido, o que dá
para perceber bem a dimensão deste movimento.
O filme estreou na
semana passada na 26ª edição do Festival Internacional de Cinema
Ambiental da Serra da Estrela, onde arrecadou dois prémios. Foi uma boa
estreia?
Sim, foi a primeira vez que o filme foi visto pelo público e
foi excecional para sentir a energia. A mensagem foi bem entendida e a
estreia também foi feliz por o júri ter considerado este documentário
como o melhor filme de língua portuguesa e por a juventude ter eleito a
longa-metragem também como o mais interessante de língua portuguesa
neste Festival CineEco Seia.
Que simbolismo atribui a estes prémios?
Em
primeiro lugar, o reconhecimento. O filme esteve “preso” durante seis
meses devido à pandemia e, sendo a minha primeira obra enquanto
realizador, é muito gratificante. Mas não foram só os prémios. Quando as
pessoas vieram falar comigo e mesmo as palmas depois da exibição deram
para perceber que a mensagem tinha sido transmitida.
Claro que agora
estes créditos também vão despertar mais interesse das pessoas para
verem o filme e o meu interesse passa muito por fazer um périplo por
escolas, autarquias, etc., para que chegue à comunidade. Ou seja, não
tenho um intuito comercial com o filme, mas sim fazer com que as pessoas
abram os olhos para aquilo que é importante na nossa vida e que não
passa pelo materialismo, mas sim por aquilo que é gratuito que é a
amizade.
Obviamente que os Açores seriam um prioridade para mim,
porque é um regresso às minhas origens, tendo em conta que já há 28 anos
que não vivo na região.
O Nuno Tavares nasceu em São Miguel em 1975 e aos 18 anos foi estudar Engenharia Eletrotécnica no Instituto Superior Técnico, em Lisboa. Como é que um engenheiro de repente decide ser realizador?
Pois, eu fiz o caminho típico da minha geração, em que
chega a altura de ir para a universidade, decide ir para o continente e
já não regressa.
Depois de ser engenheiro, tornei-me empresário e, 17
anos depois, já a rondar os 40 anos de idade, pensei no que me fazia
vibrar na vida e, mantendo todo o meu passado, porque continuo a ser
engenheiro e empresário, decidi que aprender e fazer algo que me dê
paixão é mais importante e dediquei-me a esta aventura. E até agora está
a correr bem, não me estou a arrepender.
Fale-me do seu percurso no cinema até ao momento.
“A
Alma de um Ciclista” é o absolutamente o meu primeiro trabalho. Até há
dois anos era diretor-geral de uma empresa, mas decidi descolar-me dessa
função e foi aí que comecei a aplicar-me nesta área. Não sou do mundo
do cinema, não trabalho no mundo audiovisual, sou um ‘outsider’ do meio,
mas antes de começar este filme estudei cinema em livros e online para
me sentir minimamente preparado. Apesar de ter tido uma educação
convencional, acredito no autodidatismo quando existe motivação e foco e
foi isso que fiz no cinema. Depois, a preocupação foi conhecer
pessoas que pudessem formar a minha equipa e convencê-las a fazê-lo,
porque estamos a falar de pessoas já com currículo que se associam um
desconhecido que está a dar os primeiros passos e isso não é uma decisão
fácil. Mas fico contente por o terem feito porque assim também tiveram a
oportunidade de participar num filme que acabou por ganhar dois prémios
num festival internacional de cinema.
Inclusive este documentário
foi totalmente auto financiado. Até costumo dizer que, em vez de comprar
um carro novo, investi na criação, produção e realização de um filme.