A taxa de risco de pobreza nos Açores caiu 6,9% entre 2023 e 2024, a maior descida desde 2019, segundo o Instituo Nacional de Estatística (INE). A dimensão da quebra surpreendeu sociólogos, e a sua origem permanece por explicar.
O sociólogo Fernando Diogo, da Universidade dos Açores (UAc) e investigador do CICS.NOVA, admite ao Açoriano Oriental que “não há, para já, uma justificação evidente”, sublinhando que nem ele nem um responsável pelos dados no INE identificaram um fator claro capaz de produzir uma redução tão acentuada.
A descida foi transversal: a desigualdade de rendimentos diminuiu, a privação material severa caiu e também houve melhoria na intensidade laboral. Estes movimentos afastam os Açores da posição de ‘outlier’ que historicamente ocupavam e colocam, pela primeira vez desde 2020, o Alentejo como a região com a maior taxa de pobreza - Madeira registou o valor mais elevado em 2020. No entanto, a taxa açoriana continua acima da média nacional.
Os indicadores económicos não oferecem, por agora, uma explicação direta. A economia regional evoluiu em linha com o país, a taxa de desemprego está em mínimos históricos e o crescimento económico não mostra variações suficientemente intensas para justificar a queda. Para Fernando Diogo, a hipótese mais plausível passa pelo impacto nacional da redução da pobreza entre idosos, impulsionada pelo reforço do Complemento Solidário para Idosos. Caso os Açores tenham uma proporção elevada de idosos pobres, mesmo sendo uma região jovem, o efeito poderá ter sido amplificado, ainda que insuficiente para explicar sozinho a magnitude do fenómeno, realça.
O investigador destaca ainda a necessidade de avaliar se a redução observada se manterá no próximo ano. Recorda que a descida de 2019–2020 não resistiu e a taxa de pobreza voltou a subir nos dois anos seguintes. Para o futuro, prevê que o reforço do CSI do Governo da República continue a contribuir para a redução da pobreza entre idosos no país, podendo beneficiar também os Açores, mas sublinha que esta é uma tendência nacional.
Visão de Francisco Simões
O sociólogo Francisco Simões, da UAc, traz outras pistas, embora também as considere especulativas. Na opinião de Simões ao Açoriano Oriental, é provável que “as transferências sociais tenham aumentado”, incluindo complementos de pensão, reformas, abono de família e apoios como COMPAMID. Um aumento global destes rendimentos pode ter empurrado muitos beneficiários acima do limiar de pobreza, fixado nos 8.679 euros (723 euros por mês), 60% da mediana do rendimento líquido.
Ainda assim, o investigador reforça que esta melhoria não elimina fragilidades estruturais: a região continua marcada por baixos níveis de qualificação, forte desigualdade e segmentos significativos de mão-de-obra pouco qualificada - fatores que tornam os Açores vulneráveis caso surja uma crise económica.
Simões lembra ainda que a população ativa da região cresceu e que houve uma redução da intensidade laboral muito baixa, o que também poderá ter contribuído para aliviar a taxa de pobreza.
Apesar da satisfação generalizada com os resultados, Fernando Diogo defende prudência: “É essencial perceber o que aconteceu para que estes fatores possam ser replicados”.
Sem essa compreensão, adverte, a evolução positiva pode não se traduzir numa mudança estrutural duradoura.
Ambos os sociólogos afirmam que é necessários dados mais concretos para compreender as principais razões para a descida acentuada nos Açores.
