Açoriano Oriental
Canil é "campo de concentração"
No canil da União Zoófila há animais que sofrem maus-tratos. Entre denúncias de bichos pontapeados e sovados, um cão foi morto com um ferro e outro terá sido esquartejado. Há quem fale em "campo de concentração". A associação garante que os bichos são bem tratados.
Canil é "campo de concentração"

Autor: Lusa / AO online
A Lusa viu fotografias de um rafeiro esfaqueado e um relatório de autópsia que revela actos de agressão a uma Pitt Bull. Falou com voluntários e sócios que relataram casos de maus-tratos e negligência.

Alguns pediram anonimato por temerem represálias. Muitos foram expulsos. Todos falam em "caça às bruxas": "Quem questiona ou fala tem um processo disciplinar. Por isso é que estas histórias não saem da zoófila". É o lado negro de uma associação criada há mais de 50 anos para defender os animais.

Em Julho de 2006 deu entrada no serviço de Anatomia Patológica da Faculdade de Medicina Veterinária o cadáver de uma Pitt Bull da União Zoófila (UZ). A necrópsia realizada à "Arlequim" revelou que tinha morrido por lhe terem "perfurado o recto" com um "objecto contundente". A cadela foi vítima de "traumatismo violento, atingindo em especial a região lombar, que terá levado a hemorragia interna".

Já este Verão, a 30 de Junho, um rafeiro foi encontrado esquartejado na box. O "Mico" morreria horas depois. Fernanda Moleiro, uma psiquiatra que ocupa parte das instalações da UZ com os animais que recolhe da rua, ficou "chocada com o cenário".

"Quando cheguei, o Mico ainda estava vivo. Saí do canil com ele nos braços, mas chegou sem vida à veterinária", recorda Fernanda, exibindo as fotos que "provam maus-tratos humanos".

A psiquiatra confrontou a direcção, mas não teve resposta. Questionada pela Lusa, a presidente da UZ, Luísa Barroso, disse desconhecer a situação.

Quanto à história da Arlequim, Luísa Barroso afirmou que o caso está a ser investigado pela PJ.

Preocupado com outros casos de violência, um grupo de sócios exigiu uma Assembleia-Geral. Em Outubro, uma sala do Hotel Berna foi palco de uma acesa troca de acusações que se prolongou noite dentro, visando sobretudo um veterinário da associação.

Na reunião, um ex-elemento da direcção acusou o veterinário de ter recusado ver de imediato um animal atropelado. "Esteve quatro horas sem que lhe fosse ministrado um medicamento que lhe aliviasse as dores. Morreu cinco dias depois", afirmou a sócia, que já tinha denunciado a situação por escrito em Março.

Outra denúncia relatava a agressividade com que o veterinário teria dado "um pontapé na cabeça" a um cão.

Presente na reunião, o veterinário negou as acusações, tendo recebido o apoio da presidente da associação até 2006, Margarida Namora, assim como da actual presidente, que garantiu que um inquérito interno concluiu serem falsas as participações. Para Luísa Barroso, por detrás das denúncias estão "assuntos pessoais".

A troca de acusações na instituição é tal que o próprio veterinário acusou uma voluntária de não dar água aos cachorros, provocando situações de "desidratação e internamento".

Margarida Namora explicou à Lusa que essas situações não foram propositadas, mas causadas por falta de gente.

"Como não há voluntários disponíveis, os recém-nascidos são abatidos, porque não há quem os amamente de duas em duas horas", revelou à Lusa uma sócia e voluntária que pediu o anonimato.

Sem pessoal para passear todos os animais, alguns ficam confinados e "só conhecem as boxes e corredores" da UZ. "Já tentei trazer cães à rua, mas eles tinham medo porque nunca na vida tinham saído do canil", contou a mesma voluntária.

Para Miguel Moutinho, presidente da associação Animal, a UZ "é um campo de concentração": "A concepção do canil é inspirada nos anos 50, com os animais encarcerados e sem condições, levando-os à loucura".

Questionado pela Lusa sobre as instalações, o Director-Geral de Veterinária, Carlos Agrela Pinheiro, disse que a única inspecção ao canil foi em 1997, tendo-se "detectado diversas inconformidades".

Segundo Agrela Pinheiro, o espaço só não foi encerrado porque ficou decidido construir um novo canil num terreno a ceder pela autarquia.

Passados dez anos, o canil funciona exactamente no mesmo espaço e não voltou a ser inspeccionado.

Na Zoófila, há cães a viver num barracão sem luz solar directa, permanecendo prostrados nas exíguas boxes.

A actual presidente reconhece que o ideal seria mais espaço e menos animais, mas lembra que as alternativas são o canil municipal ou a rua.

Para a ex-voluntária Maria João Coelho, mais grave do que a falta de espaço é o alegado responsável pela violação e esfaqueamento continuar na associação sem ser repreendido. As voluntárias acusam um antigo funcionário responsável pela manutenção do espaço.

A versão é reforçada por uma voluntária do gatil da União Zoófila: "Ele mata-os de todas as maneiras, mas não basta vermos. É preciso ter uma máquina fotográfica para provar o que se vê, senão somos expulsas".

Luísa Barroso diz tratar-se de "delírio" de um grupo de pessoas que quer descredibilizar a associação: "Como é amigo da direcção elas não gostam dele".

Todos concordam que as guerras são antigas. Miguel Moutinho diz apenas que "em Portugal, as associações que acolhem animais não são a solução, mas sim o problema".
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