Autor: Lusa/AO Online
“É preciso ser-se muito pobre para se ter acesso a uma bolsa de estudo”, alertou Alberto Amaral, coordenador científico do Conselho Consultivo do Edulog, que hoje divulga o estudo “Cartografia e dinâmicas socioeconómicas dos estudantes do ensino superior do Grande Porto e da Grande Lisboa”.
Nos últimos anos, as regras para aceder às bolsas de estudo têm vindo a ser alargadas, abrangendo cada vez mais alunos, mas os investigadores defendem que os critérios “continuam muito restritivos” e os valores “insuficientes para fazer face a todas as despesas”.
Atualmente, as famílias com um rendimento anual per capita superior a 12 mil euros são excluídas, deixando “muitos estudantes de fora, às vezes, só por cem euros”, alertou a investigadora Maria José Sá e uma das autoras do estudo, em entrevista à Lusa.
Quatro em cada 10 alunos estudam longe de casa e os custos de estar deslocado podem chegar facilmente aos mil euros mensais, segundo o estudo que analisou as condições socioeconómicas dos estudantes que em 2023 frequentavam instituições de ensino superior (IES) das regiões de Lisboa e do Porto.
Com base em entrevistas realizadas a alunos e a responsáveis dos serviços das IES, como foi o caso dos serviços de ação social, a investigadora conclui que “o ensino superior continua a não ser acessível a todos”, uma vez que quem não tem direito a bolsa não tem dinheiro para estudar longe de casa e “fica de fora”.
“É fácil não obter a bolsa, porque o limiar para a atribuição da bolsa é muito baixo. As famílias com pais empregados facilmente ultrapassam esse limiar. Muitos dos que desejam seguir estudos não têm possibilidade de o fazer ou fazem-no tendo um emprego em part-time”, sublinhou.
O problema de acumular os estudos com trabalho está associado a um “maior risco de abandono”, refere o relatório, apontando os estudantes mais desfavorecidos como os mais visados nesta modalidade, porque precisam de financiar os seus estudos.
As associações de estudantes, os serviços de ação social e outras entidades das instituições ligadas aos alunos têm “recebido imensos pedidos de apoio e as bolsas nunca são suficientes para os pedidos”, revelou a investigadora, acrescentando que entre aqueles responsáveis existe a “perceção de que muitos ficam à porta”.
Há histórias de alunos que não se candidatam ao ensino superior por incapacidade financeira, outros que não conseguem uma vaga mas também daqueles que tiveram um bom desempenho académico para chegar ao ensino superior, “mas como não conseguem aceder à bolsa acabam por ficar de fora logo à partida ou então no fim do primeiro ano”, alertou a especialista.
As dificuldades financeiras também “colocam os estudantes perante um dilema enorme que é desistir ou transferirem-se para outro curso”.
Entre os que aceitam ficar a estudar mais perto de casa, também há casos de “abandono no final do primeiro ano” porque “entraram num curso que não queriam”, contou Maria José Sá.
O trabalho também encontrou dificuldades no dia-a-dia dos alunos apoiados. Alberto Amaral diz que a maioria dos bolseiros recebe um valor que serve apenas para “o pagamento das propinas, razão pela qual esse apoio deveria ser revisto e aumentado”.
Para os investigadores, é urgente mudar as regras para que as bolsas cheguem a mais alunos e com valores mais elevados, mas também são precisos mais quartos a preços acessíveis.
Os investigadores recomendam ao governo a criação de mais alojamentos subsidiados, o aumento das bolsas de estudo e a revisão dos critérios de elegibilidade podem melhorar significativamente a experiência dos estudantes, diminuindo o peso das despesas pessoais.
Maria José Sá salientou que o estudo retrata a realidade das regiões de Lisboa e do Porto, onde se encontra a maioria das instituições de ensino superior e mais de metade dos alunos a frequentar o ensino superior, e que no resto do país o cenário será diferente.