Açoriano Oriental
#Empresária
Ana Maria Costa, proprietária da Pastelaria O Forno, há 37 anos

Ana Maria Pimentel Pereira da Costa, nasceu em Angra do Heroísmo, freguesia da Sé, no seio de uma família com reputação feita e créditos firmados na doçaria tradicional conventual e burguesa. Açoriana de quatro costados e uma infância muito feliz


Autor: Made In Açores

“Frequentei o Liceu Nacional de Angra do Heroísmo, ainda no Convento de São Francisco, onde completei o antigo sétimo ano da secção de ciências. Gostaria de ter tirado um curso superior relacionado com artes. Com as habilitações que tinha, dediquei-me a dar explicações de matemática a alunos do liceu, até casar. Após o casamento fui viver para o campo de instrução militar de Santa Margarida, porque o marido era militar miliciano. Vivi em Lisboa e São Miguel. Já com dois filhos fui para Angola, onde passei o 25 de Abril, a chorar, agarrada ao rádio. Finalmente liberdade! Quando regressei de Luanda, muito nova e com a cabeça cheia de projetos, abri uma boutique de pronto a vestir – a primeira em Angra. Chamava-se Triques, e dispunha de confeção nacional e estrangeira, o que na altura era uma raridade”, disse a empresária.

Ana Maria, como é conhecida em Angra, garante que faz muitas pesquisas sobre doçaria, tentando estabelecer a relação entre a doçaria regional e outros de diversas regiões.


Em que contexto sociocultural surge a pastelaria O Forno?

Após o sismo de 1980, surgiram em Angra, espaços novos, para quem ambicionava um negócio diferente. Que tal abrir uma boutique de pão quente que era moda na altura? Foi assim que nasceu “O Forno”, produzindo diversas qualidades de pão, bolos de brioche e folhados. Vieram um padeiro e um pasteleiro de Lisboa, para dar início ao projeto e dar formação ao nosso pessoal.


Como foi sobrevivendo a pastelaria ao longo destas décadas?

O Forno abriu as portas ao público em junho de 1987, e foi um grande sucesso. Era uma nova forma de apresentar os produtos próprios de uma pastelaria, que, tal como hoje, tinha produção própria à vista do cliente. Mantendo a traça inicial, houve necessariamente algumas alterações para dar resposta aos programas HACCP, Medicina no Trabalho, Segurança e Higiene no Trabalho, imprescindíveis a qualidade e segurança alimentar.


Quais os momentos mais difíceis para a empresa?

O momento mais difícil, foi quando me divorciei e fiquei com a “criança nos braços” com grande ajuda do meu filho e com conhecimentos adquiridos ao longo da minha juventude, servi-me deles para dar asas ao Forno. O meu pai tinha uma pastelaria – A LUSA ainda hoje recordada pelo requinte no atendimento e pela doçaria de alta qualidade.


Qual o segredo da longevidade de “O Forno”?

O segredo é manter a qualidade dos produtos, nunca alterando as receitas originais. Nunca substituir a manteiga por margarina, ou por um ovo a menos… Embora não tenha sido fácil saber o peso exato de 10 reis de canela, uma mãozinha de rolão ou um escudo de fermento, foi fazendo experiências após experiências que se chegou à forma, ao paladar e ao odor que eu tinha na lembrança!


São orgulhosamente detentores da bandeira de uma confeção à vista do cliente. Isso dificulta o recrutamento de recursos humanos/ mão de obra? Ou é não é um entrave?

O facto de termos confeção à vista, não é obstáculo para admissão de pessoal. Acho que os pretendentes têm um certo orgulho em poder pertencer à nossa pastelaria, pelo nome que detém, e poderem fazer parte de uma equipa com formação profissional, e sabendo de antemão o público que os espera. Tenho muita sorte com os meus colaboradores, pois sem eles, não se chegaria ao nível de qualidade que nos orgulha.


Quais os tipos de produtos que confeciona?

Além dos produtos já mencionados aquando da abertura de O Forno fazemos gala em apresentar uma vasta gama de doçaria regional requintada e bolos festivos decorados com ar de revista. Também produzimos artesanalmente bolachas sem conservantes, assim como empadas, pasteis e outros salgados.


Quais os doces regionais que confeciona?

Fabricamos os famosos bolos Dona Amélia, que são já um ex-libris da doçaria terceirense, seguindo a receita original manuscrita e guardada em segredo de geração em geração. Embora existam com este nome desde 1901, aquando da visita régia de D. Carlos e D. Amélia, a esta ilha, posso orgulhar-me de ter dado a estes bolos o patamar que merecem. Tem denominação de origem artesanal dos Açores atribuído pelo CRAA agora CADA.

Produzimos também os “esquecidos” pudins Conde da Praia, obtendo a receita original através de um descendente. Tanto um como o outro têm peso na história. Além destes doces, surgem as Caretas, especialidade da minha querida mãe como os preferidos pelos turistas. Todos eles têm embalagem própria, elegante e com o historial do bolo. Os referido três doces detêm o selo Marca Açores – Certificado pela Natureza, o que de certo modo, ajuda a sua comercialização.

Há outros doces, que segundo reza a história, são terceirenses de gema – os ladrilhos espanhóis, os feiticeiros, os africanos, os camafeus, os rochedos, os covilhetes escuros, e doces conventuais – torresmos do céu, pingos de tocha, papos de anjo, cornucópias de ovos (diferentes das de Alcobaça), rebuçados de ovos (diferentes dos de Portalegre), hóstias de amêndoa, toucinho do céu. Também produzimos por encomenda pudins de coco, de amêndoa, de feijão, de rolão e doces de colher.


Qual a opinião dos visitantes em relação ao bolo D. Amélia e que outros doces da ilha Terceira têm aceitação por parte dos turistas?

Em relação à opinião dos nossos visitantes, sobre os doces D. Amélia, primeiro estranham e depois adoram o requintado paladar e o cheiro exótico tão diferente da doçaria conventual. Foram criados nas casas burguesas da nossa cidade assim como outra doçaria que é apreciada por quem nos visita.

A nossa doçaria é muito urbana. A nível rural só aparecia os fritos pelo Carnaval, o arroz-doce, as papas grossas, a massa sovada e o alfenim durante festividades populares.

Número de vendas que nos possa adiantar e quais os produtos mias vendidos?

As vendas são sazonais e relacionadas com as festividades do calendário. Tentamos esforçar-nos e acho que conseguimos, apresentar aos clientes produtos originais nas diferentes épocas.

Mas os bolos D. Amélia vendem-se todo o ano, na nossa pastelaria, nas lojas de gourmet de produtos açorianos dentro e fora dos Açores, e também em restaurantes, servidos à fatia, na versão tamanho grande.


Que sonhos ainda tem para esta empresa, que apesar de familiar é um verdadeiro exemplo de resiliência e sobrevivência?

Atualmente, tenho sociedade com o meu filho e tenho um neto que é uma grande ajuda no que respeita à contabilidade e gestão. Há muito a fazer por detrás de um balcão recheado de fina doçaria! Haverá certamente novas ideias dos mais jovens, mas gostaria que continuassem com a nossa tradição doceira. “A doçaria é uma arte que devemos preservar!”

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