“Acho que é altura das autonomias serem consideradas suficientemente maduras”

João Cotrim de Figueiredo, candidato à Presidência da República



Nesta pré-campanha tem havido alguma discussão sobre o papel que o Presidente da República deve ter. Que diferença faria ao país ter um Presidente da República liberal?

Em primeiro lugar, eu não me defino como um Presidente da República liberal. Sou uma pessoa liberal que pretende ocupar o lugar de Presidente da República. Parecendo que não, faz muita diferença, porque não acho que a função do Presidente da República seja definir políticas setoriais ou definir até uma visão ideológica sobre a sociedade da qual é o principal magistrado. (...) Acredito que não compete a nenhum órgão político ou nenhum cume da hierarquia definir desígnios nacionais ou grandes propósitos, mas, pelo contrário, cuidar de que as pessoas se sintam convocadas e inspiradas a participar na coisa pública e que não obtenham impedimentos sociais, financeiros, psicológicos, políticos, regulamentares, burocráticos, fiscais a que essa participação seja efetiva. (...) Os desígnios nacionais e os propósitos serão aquilo que resultar da vontade coletiva, orgânica das pessoas e não de um desígnio que alguém definiu. (...)

Nesta campanha já o compararam a André Ventura. Na sua comunicação de campanha também tem destacado que tem apoiantes que votaram na AD. O que o distingue das outras candidaturas e a que eleitorado se dirige?

O eleitorado a que me dirijo é às pessoas que gostariam de aproveitar esta maior abertura e maior liberdade que eu gostaria que o País tivesse. Quem se sente atraído por esse tipo de possibilidade tenderá a gravitar para a minha candidatura. E a diferença acabou de se tornar óbvia à medida que o tempo decorre, porque sou o único candidato que transcende em muito a área política de onde é originário [Iniciativa Liberal].

Temos candidatos apoiados por grandes partidos que mal têm dificuldade de chegar à metade do eleitorado que votou nas Legislativas nesse partido. (...) E depois as diferenças têm a ver com a postura, sobretudo quanto ao futuro. Eu tenho dito que me interessa ter um país que funcione. (...) Não é o Presidente da República que vai ter decisões executivas. Mas deve-se preparar o país. (...) E para a preparação, acho que o Presidente da República tem um papel um bocadinho mais importante. Porque deve alertar para os problemas a tempo, para as mudanças que se vão verificar a tempo. Deve pôr os portugueses a pensar na forma como essas mudanças vão afetar as suas vidas, as suas empresas e preparar-se a tempo. Porque senão, não só vamos ter os problemas que todos os países terão, mas não vamos ter a oportunidade de aproveitar aquilo que também há de oportunidades e de possibilidades de desenvolvimento que essas mudanças também trazem.

Acredita nas sondagens que têm sido publicadas? Que resultado espera obter?

É uma pergunta que me permite clarificar o seguinte. Eu protestei contra uma das sondagens, porque me pareceu, tecnicamente, absolutamente inacreditável, no sentido semântico da palavra, impossível de acreditar, mas não tenho comentado os números concretos de outras. (...) As sondagens que têm várias vagas mensais ou quinzenais e vão mostrando evolução são bastante mais interessantes, porque qualquer erro sistemático que possam ter, não afeta a tendência que possam demonstrar. E das seis sondagens já conhecidas, que interrogam as pessoas sobre os oito candidatos principais, em todas elas há uma constante (com exceção dessa sondagem do Expresso e da SIC), todas elas mostram que a minha candidatura é a única que sobe substancialmente, desde o princípio da pré-campanha eleitoral. E essa tendência, eu registo, confirma aquilo que eu sinto nas redes sociais, nos contactos e em todos os ecos que recebo. Ajusto as minhas expectativas a isso também, mas confirma a minha convicção de que chegarei à segunda volta, porque o ritmo de crescimento é forte; e o desinteresse, o desencanto ou a falta de entusiasmo das outras candidaturas ainda me vai permitir capturar eleitorado nessas candidaturas. (...)

O relacionamento das regiões autónomas com os órgãos de poder nacional, incluindo a Presidência da República, nem sempre tem sido harmonioso. Há, na sua opinião, espaço para este aprofundamento das autonomias, nomeadamente através de uma revisão constitucional?

A resposta curta é sim, mas tem de se qualificar desta maneira: a partir do momento em que se assume o cargo do Presidente da República e se jura defender, cumprir e fazer cumprir a Constituição,  o Presidente da República deve ser a última entidade a fazer qualquer comentário que estimule, defenda, impeça, critique esforços da Assembleia da República e dos partidos lá representados para fazer a revisão constitucional. (...) Tendo dito isto, as minhasreflexões públicas sobre a revisão constitucional e o projeto de revisão constitucional que já defendi, dão-lhe resposta à sua pergunta. Sim, sempre achámos que a figura do Representante da República é uma figura tutelar que, 50 anos depois da instituição das autonomias, não faz sentido, que os poderes residuais, já depois da revisão que retirou a existência do Ministro da República, podem perfeitamente ser desempenhados pelo Presidente da República. (...) Acho que é altura das autonomias serem consideradas suficientemente maduras para viverem sem essa figura tutelar.

A IL/Açores também defende um novo Estatuto Político-Administrativo que garanta autonomia a vários domínios, desde fiscal, laboral, em áreas como a saúde, educação, o mar, que são áreas onde tem havido aqui alguma disputa, às vezes também a nível do governo central. O que seria aceitável, na sua perspetiva, alterar no atual modelo?

Mais uma vez, dentro desta perspetiva de que eu não devo estar a defender alterações concretas, também não é segredo para ninguém que eu acho que, nem no caso daquelas competências que foram efetivamente delegadas para as autonomias, como é o caso da saúde e da educação, nem noutras, que às vezes se fala que era bom que fossem, como a Segurança Social e o Ensino Superior, há melhorias a introduzir, porque há especificidades e problemas sociais, no caso da Segurança Social, e do acesso e integração do Ensino Superior com a economia regional, que acho que não estão bem resolvidas, e não creio que a inclusão nos Ministérios respetivos sejam a forma ideal de levar em conta os interesses e os problemas específicos da Região Autónoma dos Açores.

Embora não seja uma atribuição do Presidente da República, qual a sua opinião sobre a alteração à Lei das Finanças das Regiões Autónomas e as bases em que  deve assentar o relacionamento do Estado a nível financeiro com as regiões autónomas?

Isso não será matéria em que a Presidência da República decidirá ou deva influenciar individualmente. Mas eu gosto de esclarecer os eleitores sobre o que eu penso, ainda que depois, no desempenho do cargo, essas opiniões fiquem naturalmente em segundo ou terceiro plano. Eu não gosto desta lógica da Lei das Finanças Regionais em dois domínios essencialmente. O primeiro é o que associa as receitas aos impostos que são cobrados localmente ou com origem local, e depois tem um complemento relativamente pequeno para problemas de insularidade e para compensações pela natureza geográfica da região autónoma. Tem uma lógica muito financista, se quiser. Percebo a lógica de quem tentou fazer isto assim, mas não acho que seja a mais justa porque a componente de coesão territorial fica muito perdida no meio. 

Em segundo lugar, não gosto que haja uma mistura demasiado fácil entre aquilo que são custos de funcionamento das várias funções governativas que há na região e as necessidades de investimento dessa região. Porquê? Porque o Estado, o Estado Central, também o Estado Regional e, em alguns casos, o Estado Local, têm obrigações (...) que não se compadecem com a lógica de capitação. Pode haver uma região relativamente remota com poucos habitantes, e esta tem direito a ter serviços públicos (...). No caso das regiões autónomas, acresce a descontinuidade territorial, portanto, tudo isso não casa com a lógica da Lei das Finanças Regionais.

Eu gostava bastante mais que houvesse duas coisas: uma separação entre aquilo que são custos de funcionamento e aquilo que são custos de investimento, de assegurar a tal coesão e a tal viabilidade de um Estado que se pretende moderno, desenvolvido e preocupado com todas as áreas do seu território, e depois que, naquilo que diz respeito concretamente aos custos de funcionamento, ao invés de haver uma lógica de capitação, houvesse o seguinte raciocínio (e que reconheço que não é sempre fácil de quantificar, mas não é impossível) que é: temos um Estado que tem de funcionar ao nível dos vários serviços públicos. No caso da região autónoma, queremos que as pessoas tenham acesso a saúde de qualidade, a educação de qualidade, que as prestações sociais funcionem para as especificidades dos problemas sociais que aqui há. Isto é uma função do Estado em qualquer ponto do território e também nas regiões autónomas. (...) Depois, se há iniciativas locais, naquelas matérias que estão já adstritas à região autónoma, que possam eventualmente melhorar isso, com certeza que isso tem cabimento no próprio orçamento da região. 

Mas nesse caso concreto, em vez de estarmos a dizer que são os 200 e tal mil habitantes da região autónoma que vão ter que arcar com aquilo que são custos que no fundo têm a ver com a coesão territorial, não me parece que seja a melhor maneira. Percebo a lógica do que foi feito na altura, mas não acho que funcione ad eternum.

E neste momento a que é que estamos a assistir? Algumas das funções que foram adstritas ao governo regional têm tido evoluções na sua, vamos chamar infraestruturação, (...) o que criou uma base de custos que já não tem sustentabilidade na Lei das Finanças Regionais, com decisões tomadas pelo governo regional, que depois vai pedir reforços das finanças regionais sem mexer nesta lógica de que eu estava a falar. De repente temos pedido ao Governo da República para apoiar acréscimos de despesa que o Governo da República não decidiu. Portanto, também é preciso ter cuidado para não funcionar ao contrário. Dar autonomia às regiões é também dar-lhes a responsabilidade pelas suas decisões sobre as matérias sobre as quais já têm autonomia. (...)

Em termos gerais, que visão de futuro é que tem para os Açores? 

Eu tenho uma visão bastante mais otimista que algumas das forças vivas da Região. Porque, por princípio, tenho muita confiança que quando as pessoas têm espaço para ter iniciativa e participarem na coisa pública - e na coisa pública incluo aqui a atividade económica, a atividade académica, a atividade de produção de conhecimento e de cultura -, quando as pessoas se sentem mais livres, vão sempre produzir alguma coisa que tem valor - valor social, valor económico, valor cultural. E nos Açores nós temos vários exemplos - e visitei alguns durante estes dias que cá estive - de, com base naquilo que é endógeno à região, os seus custos naturais, as suas capacidades produtivas, fazer coisas de uma enorme qualidade. (...) E, portanto, acho que quando deixamos aos açorianos a possibilidade de fazer coisas que até aqui lhes eram mais difíceis ou mais vedadas, vão encontrar esses polos de excelência. E é a partir dessas excelências que são precursores de uma série de outras atividades que vão atrás, algumas diretamente na fileira, outras de serviços prestados à fileira, e isso ajuda muito. 

Nunca será uma região que possa aspirar a fazer sucesso em negócios e atividades de massa, penso que essa não é a vocação dos Açores, mas sim coisas muito mais ligadas à sustentabilidade, à natureza, à pureza. E quando estou a falar disto, não estou a falar não só do turismo - que tem que ter uma noção estratégica muito mais clara para não se estragar aquilo que é a identidade e a essência que as pessoas procuram quando visitam os Açores -, mas penso, por exemplo, na riqueza agroalimentar que há aqui, há variadíssimos produtos açorianos que têm nível mundial.  Deve ser difícil encontrar uma região com a extensão territorial pequena que esta tem, mesmo na soma das nove ilhas, que tenha tanta capacidade de gerar coisas tão diferentes e tão boas à escala mundial. Esta noção de excelência, de trabalho de nicho, que permite depois ter rentabilidades suficientemente fortes para não só pagar bem às pessoas que estão a produzir esses bens ou serviços, mas depois  inspirarem outros para fazerem parecido e arrastarem os prestadores de serviços e fornecedores dessas indústrias, acho que é a via de excelência para os Açores.

Em termos gerais, que principais propostas apresenta aos portugueses? Quais os principais desafios que identifica no País?

Eu quero um país que funcione, sobretudo naquilo que são os grandes problemas que os portugueses confessam que têm, e nós sabemos que é verdade, na saúde, na habitação, na educação, na segurança, na imigração - para que as pessoas estejam cientes de que as suas preocupações são ouvidas.  (...) Ao Presidente da República compete não ser contrapoder, mas ser uma espécie de copiloto-navegador (...). 

Mas quero um país que se prepare para os grandes desafios que aí vêm - e que são essencialmente de três naturezas. A primeira vem da geopolítica. Basta ver o documento que emanou dos Estados Unidos sobre a sua estratégia de longo prazo, que deixa a Europa numa posição bastante mais sozinha, como aliás já deveria estar há mais tempo, porque depender de outros nunca é boa ideia durante muito tempo. Alterações no desenho da União Europeia que vão ter que acontecer, não só por via dos alargamentos que todos concordam que são necessários, por motivos políticos e económicos, mas na sua própria forma de funcionamento para corresponder a esta necessidade de definir sozinha a sua política de defesa, económica, de alianças comerciais, e até de alianças geopolíticas. A Europa vai ter que mudar de vida, vai ter que mudar de processo de decisão, e isso pode implicar que Portugal saiba a sua posição a tempo. É um daqueles casos onde há algumas dificuldades que teremos que enfrentar, mas algumas oportunidades que poderemos aproveitar. E, finalmente, as mudanças tecnológicas  que nos vão afetar, e que mesmo que não nos afetassem diretamente, iriam afetar os nossos países clientes, os nossos países aliados, os nossos países não aliados ou ainda não concorrentes, e por essa via temos de estar preparados. A inteligência artificial já aí está e vai se intensificar, e estudos mais recentes mostram que cerca de 40% dos postos de trabalho em Portugal vão ter algum tipo de alteração com esta tecnologia, necessitam de uma requalificação - são 1 milhão e 600 mil pessoas que precisam de algum tipo de requalificação, em algumas casos bastante profunda, e eu não estou a ver ninguém preocupado com isso. Na biotecnologia, com as novas formas de tratar algumas doenças mais crónicas, ou na neurotecnologia, que vai alterar a maneira como nos relacionamos uns com os outros e com as máquinas, é importante, e em toda a matéria de energia vamos continuar a ver evoluções muito rápidas, quer na produção, de fontes de produção de energia, quer no armazenamento de energia, Portugal tem possibilidades de ter um papel nessas alterações, nesse novo panorama, desde que esteja preparado.
Portanto, os grandes desafios são estes - a Europa, a geopolítica, a tecnologia - e o truque aqui é começar a pensar nisto a tempo. (...)

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