Açoriano Oriental
Pe Gaspar Pimentel é capelão no RG1
A fé também usa farda militar

Desde há muito que a Terceira precisava de um capelão militar a nível de ilha. O padre Gaspar Pimentel assumiu esta missão no passado mês de outubro. De pároco da Candelária, Criação Velha e Bandeiras, no Pico, ao Regimento de Guarnição N.º1 da Zona Militar dos Açores, na Terceira, foi um passo no sentido de prestar assistência religiosa aos “irmãos de armas”.


Autor: Sónia Bettencourt

Se Gaspar Pimentel já servia na Diocese de Angra como padre desde 2016, a partir de outubro deste ano passou também a servir na Diocese das Forças Armadas e de Segurança. Assim, presta contas a D. João Lavrador, por um lado, e a D. Rui Valério, por outro - o novo capelão açoriano, ao serviço do Regimento de Guarnição N.º 1 (RG1) da Zona Militar dos Açores (ZMA), na Ilha Terceira, para responder à questão sobre os seus dois superiores, abre a gaveta da memória e retira as palavras de um terceiro bispo, D. António Francisco dos Santos, falecido em 2017.

“D. António Francisco dos Santos, então Bispo do Porto, disse-me uma vez: “Eu enquanto obedeci, nunca me enganei”. Conheci-o pessoalmente na Ilha do Pico, a propósito das Festas do Bom Jesus, onde fui pároco na Candelária, Criação Velha e Bandeiras”, recorda o padre Gaspar Pimentel, capelão militar, de 27 anos de idade, natural da Achada, no Nordeste, em São Miguel, confessando a reviravolta no seu percurso religioso, ainda que sempre disponível, quando foi contactado, pela primeira vez, pelo Bispo de Angra, para assumir esta missão de “guerra e paz” não tão longe do significado da obra literária de Tolstoi, muito menos das Sagradas Escrituras.

“Se formos até às Sagradas Escrituras tem muitas imagens militares. Por exemplo, no Antigo Testamento, Deus tem o nome de “Senhor dos Exércitos”. Já no Novo Testamento, Paulo usa uma imagem bonita: “combati o bom combate”. E temos santos militares como D. Nuno Álvares Pereira, Santo Inácio de Loyola, São Sebastião...”, contextualiza o também pároco de Santa Luzia e de Santa Rita, ambos lugares no concelho da Praia da Vitória, próximos da Base Aérea N.º 4 (BA4), sendo as suas funções de capelão militar, além do Exército, extensíveis à Força Aérea Portuguesa, Marinha, GNR e PSP.

“Na prática, além do ritual e do sacramento, o capelão ajuda no renovar de forças no dia-a-dia. E, assim, há uma grande necessidade de haver este acompanhamento que é muito mais do que religioso. A religião é o “modus operandi” da Fé”, explica o sacerdote, destacando a importância de “despertar e levar para a Fé e Espiritualidade os jovens de hoje” numa era marcada pela ausência de valores e pela voracidade dos avanços tecnológicos. “Mas o homem é um ser espiritual e, no contexto militar, somos confrontados com situações limite, de perigo eminente de fim de vida. Abre-se não só para a finitude da nossa existência, mas também para a infinitude que nos espera, seja ela que forma tiver. Óbvio que no âmbito do serviço de assistência religiosa cristã-católica, tudo enquadra-se e modela-se com a fé e tradição católica”, declara.

O padre Gaspar Pimentel ressalva que este acompanhamento não deve ser confundido com o trabalho dos psicólogos, pois tratam-se de papéis diferentes. Considera ambos necessários e, por isso, insubstituíveis.


Visão de arquipélago
De São Miguel para a Terceira, com o objectivo de estudar no Seminário Episcopal de Angra (SEA), seguindo para o Pico, depois de ser ordenado sacerdote, e regressando agora à Terceira em dupla missão, o padre Gaspar Pimentel considera-se um priviligiado no sentido de conhecer as vivências, os cheiros e os sabores de várias ilhas dos Açores.

“Permite-me ter uma grande abertura de espírito e um maior leque de conhecimentos. E, sobretudo, de saber estar e chegar às pessoas. Podemos ter as nossas ideias e os nossos valores, mas o contacto com a diferença enriquece-nos e dá-nos novas ferramentas”, destaca. E, acrescenta, em jeito de brincadeira: “Posso dizer que já comi sopas do Espírito Santo em (quase) todas as ilhas e, ainda, indicar as minhas preferidas”.

Enquanto foi sacerdote no Pico também frequentou muitas vezes o Faial, e admite haver algo de extraordinário no canal, entre estas duas ilhas, capaz de nos tirar de um conforto físico e emocional.

Longe vão os tempos em que os capelães e os militares viviam exclusivamente aquartelados. Hoje encontram-se naturalmente inseridos na sociedade civil, e, deste modo, a relação das partes faz-se através de pontes e não de muralhas. No RG1, instalado no Castelo de São João Batista, em Angra do Heroísmo, a unidade militar mais antiga do país, não é excepção.

“A maioria dos militares está deslocada [da sua ilha]. Mesmo a nível dos praças, que são jovens, uma parte é de São Miguel; portanto estão fora, não vêem a sua família, sentem saudade”, revela o sacerdote, aspirante a oficial, que, pela sua jornada, se diz rever nesta distância geográfica insular.

A propósito, também o capelão do Regimento de Guarnição N.º2 (RG2) da ZMA, em São Miguel, o padre Bruno Espínola, está fora da sua ilha, a Graciosa.

Esta identificação, considera o novo capelão militar, permite transmitir palavras ainda mais reconfortantes a todos da sua unidade para minimizar eventuais descompensações emocionais em nome do bem-estar individual e coletivo.

“Não estão sozinhos”, garante o padre Gaspar Pimentel.


Nordeste, meu amor
A Vila de Nordeste guarda o maior tesouro do padre Gaspar Pimentel: a família. E foi no seio familiar que surgiu o gosto e o interesse pelas forças armadas. Através do seu pai, que cumpriu o serviço militar obrigatório, ouviu histórias, positivas e negativas, de resto como em tudo na vida, assentes em valores como disponibilidade, disciplina, honra, lealdade e coragem.

“Sempre me lembro de ver lá em casa um quadro com um louvor que o meu pai havia recebido no Exército. Ele esteve no RG2, nos Arrifes, e trabalhava em carpintaria. Também sempre ouvi a história de um vizinho que faleceu num acidente. Era militar da Força Aérea na BA4”, recorda o jovem capelão militar, o segundo de quatro filhos, que seguiu outro caminho, o do sacerdócio, deixando para a sua irmã Virgínia Pimentel, soldado no RG2, esta pertença efectiva aos “irmãos de armas”.

Nas suas referências, destaca ainda o padre José Agostinho Barreiros, da Lomba da Maia, antigo pároco da Achada, onde serviu quase meio século. É militar e esteve na guerra em Moçambique. “Muitos padres, depois de virem da guerra, deixaram o ministério. Mas ele continuou sempre. Partilhou comigo poucas histórias de contexto de guerra, e eu percebo, falava antes da viagem de navio a partir de Lisboa. Parece que durou três meses. E eu punha-me a imaginar tudo isso”, conta.

Enquanto no Nordeste, considerada a 10.ª ilha, foi lançada a semente para seguir um percurso inscrito na ordem, na regra e no comando, no SEA e no escutismo germinou a prática que o ajudava a inserir-se numa hierarquia com serviço de responsabilidade e responsabilização. Pertenceu ao Agrupamento 114 do SEA e ao Agrupamento 808 da Candelária do Pico. Os frutos foram-se colhendo.

E se a sua tendência para as estruturas organizadas não é de agora, terá sido lugar-comum ver o padre Gaspar Pimentel entre os cinco novos capelães militares do país.

Foram nomeados pelo Ordinariato Castrense e receberam as insígnias na cerimónia de encerramento do XLIV – Curso de Formação de Capelães Militares, na Academia Militar, em Lisboa, em outubro de 2019.

“A minha mãe e a minha irmã mais velha marcaram presença. Foi um dia muito feliz”, remata.

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