Açoriano Oriental
Seca: Lavradores da ilha Terceira já não têm como alimentar o gado

Há lavradores na ilha Terceira, nos Açores, que já estão a importar alimentos para as vacas devido à falta de chuva que afeta a ilha desde abril e que os deixou praticamente sem produção própria.

Seca: Lavradores da ilha Terceira já não têm como alimentar o gado

Autor: Lusa/Ao online

“Já estou a comprar comida. Tive de comprar rolos de erva e ração. Já não tenho ‘stock’ de casa suficiente”, adianta, em declarações à Lusa, Fábio Andrade, que há cinco anos trocou a construção civil pela agropecuária, seguindo as pisadas do pai.

Este ano, “o verão chegou mais cedo” aos Açores e a falta de chuva, sobretudo nas zonas mais baixas, nos meses de primavera, afetou as colheitas de erva e milho forrageiro.

“No mês de março costumam vir as melhores chuvas, não viera. Em abril também não. Começou-se a sementeira de milho a trabalhar as terras sem humidade. Fiz a sementeira e foi no que deu. Só prejuízo”, explica o jovem agricultor, apontando para os terrenos com pequenos pés de milho, na freguesia do Cabo da Praia, na Praia da Vitória.

O cenário é semelhante por toda a ilha, sobretudo no litoral, onde o amarelo da erva seca se substitui ao habitual verde açoriano e os pés de milho, que em anos anteriores enchiam as vistas, mal cobrem a terra.

Enquanto Fábio Andrade lamenta as horas de trabalho e os euros gastos num investimento que não terá retorno, o céu cobre-se de cinzento, numa ameaça que, como em tantos outros dias, não se cumpre.

“A gente vai àqueles ‘sites’ da meteorologia com previsões para 10 dias, todos os dias, à espera que venha a chuva. Um dia a previsão até que dá, mas quando chega à hora não cai nada”, conta Anselmo Pires, presidente da Associação de Jovens Agricultores Terceirenses (AJAT).

Por norma, os lavradores aproveitavam os meses de primavera para produzir erva, que lhes dava para alimentar o gado nos meses de verão, e a partir de maio, com o tempo mais quente e a terra húmida, cultivavam o milho forrageiro, com o qual faziam silos, em setembro, para os meses de inverno.

Este ano, de acordo com dados do Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA), nos meses de abril, maio e junho, houve uma quebra de precipitação na ordem dos 50%, em comparação com o valor médio, nos Açores.

Se em anos anteriores, as máquinas que cortavam os milhos para a silagem eram insuficientes para a procura, este ano “vão estar paradas”, segundo Anselmo Pires.

“É triste ver esta situação. É desolador ver estes terrenos sem produzir. É desolador chegar à entrega do leite todos os dias e entregar menos leite, é desolador quando chega ao dia 01 e o cheque que era pequeno ser mais pequeno ainda”, lamenta.

António Ávila semeou milho em cerca de 50 alqueires de terra, mas estima aproveitar “uns 10 ou pouco mais”.

Esperou pela chuva até ao limite para semear o milho, mas as terras estavam difíceis de trabalhar de tão secas e os “orvalhinhos” de maio não foram suficientes para que as sementes germinassem.

“Esta seca veio numa altura muito má. Nem milhos, nem ervas, não conseguimos fazer nada em quantidade”, salienta.

Com uma exploração de 40 animais, está já a preparar-se para adquirir fibras, com o apoio do Governo Regional, para fazer render os rolos de erva que lhe restam e evitar uma quebra ainda mais acentuada da produção de leite.

“Ainda tenho rolos, mas certamente não tenho para o inverno todo”, adianta, acrescentando que este ano não fez metade dos que costumava fazer.

António Ávila fala sobre seca, curiosamente, num dia de chuva, mas o orvalho que cai na rua não é suficiente para lhe renovar a esperança.

Conta em tom de brincadeira que os antigos diziam que o milho era como os filhos: “se não nasce na altura certa, não nasce mais”.

“A chuva veio muito tarde, os milhos não vão crescer, vão começar a espigar antes do seu tempo. Mesmo para quem teve milho que nasceu, não vai ter metade da produção que costumava ter, porque o milho não vai crescer”, garante.

Nem António Ávila, com 45 anos, nem Fábio Andrade, com 32, se lembram de um ano assim, com uma seca tão cedo.

“Falo com agricultores mais velhos do que eu, com idade para serem meu avô, e eles dizem que há 50 ou 60 anos é que aconteceu isto assim”, apontou o mais novo.

Nenhum fez ainda contas aos prejuízos, mas rejeitam sem hesitação a hipótese de abandonar a profissão, mesmo que o clima os force a alterar as práticas que lhes foram transmitidas de geração em geração.

“Temos tido muitas adversidades durante estes anos e não vai ser esta que nos vai derrubar. Somos de uma terra de ventos, terramotos e furacões, não vai ser uma seca que nos vai derrubar, vamos enfrentá-la e vamos ultrapassá-la”, sublinha Anselmo Pires.



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