Açoriano Oriental
Polítiva
Ruína financeira e desespero agudizam-se no Zimbabué
Milhares de zimbabueanos continuam a fugir para os países vizinhos sem que poder e oposição consigam um consenso sobre o prometido governo de unidade nacional, mantendo-se Robert Mugabe na presidência apesar da derrota eleitoral.
Ruína financeira e desespero agudizam-se no Zimbabué

Autor: António Pina, Lusa/AOonline
Em Beit Bridge, no norte da África do Sul, as autoridades garantiram que pelo menos cinco mil homens, mulheres e crianças oriundas do Zimbabué atravessam a fronteira, legal e ilegalmente, todos os dias e que o influxo não dá sinais de abrandamento, mesmo depois da assinatura, a 15 de Setembro, do acordo entre Robert Mugabe e Morgan Tsvangirai, líder do MDC (oposição) conducente à formação do governo de unidade nacional.

    “À primeira vista sempre foi difícil identificar os zimbabueanos que se misturam com a população local, embora seja cada vez mais visível que muitos deles apresentam sinais de subnutrição. Desta zona (Limpopo) metem-se em táxis ou empreendem caminhadas de centenas de quilómetros rumo aos maiores centros urbanos sul-africanos onde esperam encontrar empregos ou reunirem-se com familiares que já cá estão”, contou um jovem capitão da polícia que pediu para não ser identificado por não estar autorizado pelo comando a falar.

    É notório o grande número de viaturas com matrículas do Zimbabué que circulam em Beit Bridge, Musina, Louis Trichard e outras vilas próximas da fronteira.

    São velhas carrinhas de caixa aberta conduzidas por zimbabueanos negros, que regressam ao destino com excesso de carga, a carroçaria a roçar perigosamente nas rodas, aproveitando ao máximo a viagem na mira de magros lucros com a venda de produtos de primeira necessidade que desapareceram há muito das lojas do Zimbabué.

    Muitos dos brancos que sobreviveram às expropriações das terras e à perseguição política movida pelo regime da União Nacional Africana do Zimbabué-Frente Patriótica (ZANU-FP, no poder) vêm também abastecer-se regularmente à África do Sul de tudo, desde carne a produtos agrícolas (que até 2000 existiam em abundância no mercado zimbabueano), combustíveis, roupas e peças para automóveis e maquinaria.

    O pessoal das embaixadas estrangeiras criou a rotina de viajar até à África do Sul uma ou duas vezes por mês para encher carrinhas, carros e jipes de produtos alimentares. Para os diplomatas as viagens são mais compensadoras uma vez que bens transportados nas viaturas com matrículas “CD” (Corpo Diplomático) não pagam direitos alfandegários no regresso ao país.

    “A União Africana e a SADC (Comunidade para o Desenvolvimento da África Austral) ignoraram e traíram o povo do Zimbabué. Em vez de defenderem os interesses do povo do Zimbabué preocuparam-se em defender os interesses de Mugabe e da sua elite. Graças a (Thabo) Mbeki (ex-Presidente sul-africano) e à SADC esses continuam no poder e a acumular fortunas”, dispara Honest Sibanda, um motorista de táxi que acaba de transportar 15 pessoas entre Bulawayo e Beit Bridge.

    Sem perder o sentido de humor, este taxista – que faz a mesma viagem três vezes por semana – afirmou que a crise não tem solução sem uma “enérgica” intervenção estrangeira.

    “É simples. Enquanto nós sofremos, eles (os membros do governo e da administração) vão fazendo dinheiro em todas as frentes: na compra e venda de moeda estrangeira, com as fazendas que Mugabe tirou aos brancos e distribuiu entre amigos e aliados políticos, com os cereais que o governo importa alegadamente para alimentar os famintos, com os combustíveis à venda no mercado negro… Com tudo, rigorosamente!”, disse.

    Um empresário português de Harare mostrou-se convencido de que o desespero da população está a atingir níveis críticos e que a réstia de esperança que se mantinha viva ao cabo de oito longos anos de crise profunda se está rapidamente a esvair.

    “Entre os poucos estrangeiros que ainda vivem em Harare a esperança de que melhores dias virão está a esgotar-se e cada vez mais estão a partir. Entre os zimbabueanos o desespero instalou-se e o que restava da esperança já morreu”, disse o empresário à Lusa numa entrevista telefónica.

    Afirmando que as lojas estão “mais vazias do que nunca” e que nada se compra hoje em dia em Harare sem moeda estrangeira, aquele português com vários interesses no Zimbabué afirmou que a economia atingiu o “ponto de ruptura”.

    “Durante toda a semana passada apenas tivemos electricidade em Harare num único dia. Nos restantes seis dias a energia eléctrica apenas esteve ligada uma ou duas horas em cada 24. E a moeda, à qual foram subtraídos 10 zeros em Agosto, desvaloriza a um ritmo tal que os 10 zeros estão praticamente de volta”, garantiu.

    Para ilustrar o que diz, o empresário acrescentou que na segunda-feira da passada semana um dólar norte-americano era vendido a mil dólares zimbabueanos, enquanto na terça-feira já valia 1.800, na quarta-feira 2.500, na quinta-feira quatro mil e na sexta-feira 4.700.

    Um outro português, que conseguiu manter uma unidade fabril em funcionamento apesar da crise, disse à Lusa que “a situação está a atingir o ponto de ruptura”.

    “Já não há volta a dar a esta situação enquanto Mugabe se mantiver agarrado ao poder. A minha fábrica que, em condições normais empregava mais de 200 pessoas e exportava para vários países, está actualmente quase paralisada por falta de matéria-prima, fundos e condições de mercado. Apenas 20 pessoas se mantêm ao serviço e provavelmente teremos que encerrar”, disse o industrial que pediu o anonimato.
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