Autor: Carlota Pimentel
Como forma de assinalar o Dia Mundial de Prevenção do Suicídio, a Sociedade Portuguesa de Suicidologia promoveu uma conferência no auditório do Hospital Divino Espírito Santo (HDES), onde foram debatidos diversos assuntos relacionados com a avaliação e gestão do risco suicidário, a realidade do suicídio e a sua prevenção.
Na ocasião, Margarida Bicho, interna de psiquiatria do HDES, alertou para a necessidade de se criar um Plano Regional de Prevenção do Suicídio, tendo em conta que, a nível nacional, o documento já está a ser ultimado.
“Até agora, ainda não se criou o Plano Regional de
Prevenção do Suicídio nem foram colocadas barreiras suficientes para
prevenir que os suicídios continuem a acontecer”, afirmou a interna de
psiquiatria do 5º ano do Hospital de Ponta Delgada, adiantando que a
situação das pontes do Nordeste, local onde já ocorreram vários
suicídios na ilha de São Miguel, está sinalizada há pelo menos seis
anos.
Segundo Margarida Bicho, em 2019 foi elaborada uma petição e
foi publicado um parecer sobre a mesma, no qual os decisores políticos
“foram sensíveis”, mas adverte para a necessidade de agir: “É preciso
estudar estes hotspots (pontos quentes) onde as pessoas cometem mais
suicídio, perceber a arquitetura dos sítios, conversar não só entre os
médicos, mas também com as câmaras municipais, com os engenheiros e
arquitetos”, na medida em que a criação do PlanoRegional de Prevenção
do Suicídio envolve e implica a colaboração de “uma série
profissionais.” Para dar o primeiro passo, “precisamos do apoio dos
decisores políticos”, declarou Margarida Bicho. “Quanto mais rápido
procedermos a isto, mais mortes podemos evitar”, acrescentou.
Além da instalação de barreiras nas pontes para o Nordeste, Margarida Bicho apontou a colocação de proteções “em sítios onde pode ocorrer precipitação para o vazio”, bem como “limitar o acesso a pesticidas e a substâncias tóxicas” como algumas “situações em que conseguimos intervir.”
Em declarações aos jornalistas, Isabel Areal Rothes, presidente da Sociedade Portuguesa de Suicidologia, afirmou que os Açores têm uma realidade específica comparativamente ao continente: “Enquanto as taxas nacionais e internacionais estão estáveis ou têm até diminuído, nos Açores aparentam um aumento.” Por isso, defende que é importante os Açores “irem buscar as medidas globais validadas” e adaptá-las às suas especificidades, bem como haver uma articulação entre “aquilo que se sabe da ciência, as estratégias e o comprometimento político.”
Por outro lado, a psicóloga justifica que o aumento da taxa de suicídio nos Açores pode estar relacionado com “mudanças na notificação, melhorias na forma como se notifica” e com a diminuição do tabu sobre o suicídio.
Como principais explicações para a taxa de suicídio nos Açores ser superior à média nacional, Margarida Bicho - que ficou encarregue de apresentar no evento o estudo levado a cabo pelo psiquiatra João Mendes Coelho, que analisou as mortes por suicídio entre 2001 e 2021 na ilha de São Miguel -, aponta o “isolamento insular, a falta de oportunidades, o nível socioeconómico, a presença de doença mental, a falta de acesso aos cuidados de saúde mental e o consumo de substâncias psicoativas que parece ser um grande problema atualmente em São Miguel.”
De acordo com a interna de psiquiatria, em termos de
idade, nas regiões insulares existe um padrão decrescente, “o que
significa que as pessoas cometem suicídio em idades mais jovens”,
contrariamente ao que acontece em Portugal continental, onde os
suicídios ocorrem normalmente em idade mais avançada.
Isabel Areal
Rothes e Margarida Bicho realçam a importância de investir na área de
acompanhamento psicológico e psiquiátrico, de modo a prevenir casos de
suicídio.
Cerca de 120 pessoas cometeram suicídio em São Miguel entre 2001 e 2021
Conforme o estudo do psiquiatra João Mendes Coelho, que procedeu à análise dos relatórios e autópsias do Gabinete Médico-Legal dos Açores Oriental, através do Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses, 117 pessoas cometeram suicídio, entre 2001 e 2021, em São Miguel.
O estudo demonstrou que as mortes por suicídio ocorrem, sobretudo, em indivíduos do sexo masculino, entre 25 e 45 anos, solteiros, empregados no setor terciário, “que podem ter uma perturbação do uso de substâncias ou uma doença mental, sobretudo uma depressão, sem acompanhamento pela psiquiatria ou psicologia”, explicou Margarida Bicho.
O estudo concluiu, ainda, que o enforcamento é o método mais utilizado em São Miguel e que a maioria dos suicídios ocorrem na primavera ou no inverno, especialmente em janeiro.