Açoriano Oriental
Saúde
Homens pedem ajuda para lidar com doença das mulheres
Todos os dias, 12 mulheres portuguesas descobrem ter cancro da mama. Por cada uma, há um filho, marido ou amigo que sofre. A campanha "Eles também choram" surgiu há um ano e já recebeu 1800 pedidos de ajuda.
Homens pedem ajuda para lidar com doença das mulheres

Autor: Lusa /AOonline
"Há uma fase em que, entre a sensação de injustiça e de raiva, é impossível um homem não chorar... Obviamente, eu não fui excepção", conta à Lusa Eduardo Gomes, casado com uma mulher a quem foi diagnosticado um cancro da mama.

    Na ânsia de as proteger, os homens guardam para si dúvidas, medos e angústias. Vivem em silêncio a iminência da morte.

    Hoje, dez anos após ter sido confrontado com a doença da mulher, Eduardo lembra como, sozinho, tentou encontrar as "palavras certas, sempre sem certezas".

    A pensar neles, o Movimento Vencer e Viver, da Liga Portuguesa Contra o Cancro (LPCC), lançou no ano passado a campanha "Eles também choram". Em apenas 12 meses, foram recebidos 1.800 e-mail pedindo ajuda, a maioria de companheiros (80 por cento), mas também de filhos, familiares e amigos.

    Nas cartas por correio electrónico, querem saber como podem ajudar as mulheres, mas há também quem queira apenas desabafar. "A questão de fundo é sempre a mesma: e se ela me falta?", explica Ana Lúcia, psicóloga da LPLCC que acompanha alguns casos.

    "Quando vamos ao hospital, olhamos para a pessoa que nos é querida e pensamos que, se calhar, da próxima vez que voltarmos ela já lá não vai estar. Sentimo-nos impotentes", lembra Raul Almeida, 58 anos, amigo de uma mulher que não resistiu à doença.

    Também na Associação Portuguesa de Apoio à Mulher com Cancro da Mama (APAMCM) já há psicólogos, como Carla Vicente, a acompanhar estes homens.

    "Um dos momentos mais difíceis para os que são próximos é quando é conhecido o diagnóstico. Na fase de tratamento, há uma angústia, um sentimento de incapacidade de ajudar quem está a sofrer. Já no pós-operatório, há sempre o medo de uma reincidência", explica Carla Vicente, garantindo que "é um sofrimento que não termina".

    Apesar de a taxa de sucesso dos tratamentos se situar na casa dos 80 por cento, o cancro da mama continua a ser a principal causa de morte das mulheres entre os 35 e os 55 anos: todos os dias, morrem pelo menos quatro em Portugal. Por isso, o diagnóstico soa sempre a "uma sentença de morte". As palavras são de Manuela Martins, 47 anos, que há três descobriu ter um cancro da mama.

    "O peso da palavra cancro é tão grande que imaginamos o inferno", resume.

    "Nós queremos dar uma perspectiva positiva, mas não acreditamos naquilo em que estamos a dizer, porque só pensamos que mais cedo ou mais tarde aquela pessoa não vai estar entre nós", recorda Raul Almeida, que criou um blogue para dar apoio psicológico a pessoas com doenças graves.

    Eduardo recorda que foi uma "simples conversa" com uma senhora, também com cancro, que o fez ter esperança. Chama-lhe a "fase mística ou religiosa", aquela em que se "deixa de ver a morte e passa-se a ver a vida". As técnicas que trabalham nas associações sabem que a partilha de experiências ajuda a superar as dificuldades.

    Mas, segundo a responsável do Movimento Vencer e Viver, "os homens ainda não gostam de expor os seus sentimentos em público". E, por isso, o início dos grupos de inter-ajuda tem sido adiado por falta de participantes. O apoio psicológico continua a fazer-se por e-mail ou através de entrevistas pessoais.

    Quem consegue superar a doença diz que esta acaba por se tornar numa "dádiva": muda a forma de encarar a vida e as relações do casal saem reforçadas.

    Para Manuela Matias, realizar os sonhos sempre adiados tornou-se prioritário. Sempre quis ajudar os outros e hoje é responsável por uma associação de apoio a doentes oncológicos. Tudo porque sabe que "a conspiração do silêncio é o pior que pode acontecer".
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