Autor: Lusa/AO Online
A Escola de Música de Rabo de Peixe foi uma iniciativa da Presidência do Governo Regional, tendo sido integrada no Serviço Educativo do Teatro Micaelense, entre 2005 e 2015, altura em que foi criada a Associação Es.Música.RP, que a gere atualmente.
O projeto tem “uma vertente social, de promover aos meninos de rua uma aprendizagem musical" e "ocupar depois da escola”, considerou Carlos Mendes, professor que forma, juntamente com Licínio Moura, a direção da associação.
Para o professor, a Es.Música.RP tem um papel importante de inclusão social, “não num sentido de tentar corrigir, mas num sentido de dar empoderamento às pessoas, de descobrir novos talentos e de transformar, através de uma experiência musical”.
Atualmente, a escola tem entre 60 a 70 crianças, número que oscila porque há sempre crianças a ir e vir.
Quando há a valência do coro, a escola chega a ter “cerca de 120” alunos porque “formam grupos maiores”.
O processo de ensino é diferente da “forma tradicional, clássica, em que os alunos aprendem a notação musical, durante um certo tempo e depois começam a aprender o instrumento”, explicou Carlos Mendes.
“Nós aqui ensinamos tudo ao mesmo tempo: partimos mais pela parte auditiva, interiorização da música, tocar mais de ouvido e, ao mesmo tempo, ir ensinando a notação gráfica”, disse.
Dos que seguiram a música, o mais reconhecido é Luís Senra, que faz parte do projeto desde a primeira hora, tinha na altura 11 anos, e hoje também dá lá aulas.
Aprendeu a tocar clarinete, flauta transversal e saxofone, instrumento no qual fez carreira.
O músico reconhece a importância da escola que o formou e que lhe apresentou os universos do jazz e do free jazz, dando início a um percurso que o levou já a atuar em festivais como o Tremor, o Jazzores ou Serralves em Festa e a ser presença assídua em palcos como o do Arquipélago – Centro de Artes Contemporâneas.
Hoje, é na improvisação e no free jazz que se sente em casa, mas o primeiro contacto surgiu quando, com 18 anos, participou no festival Jazzores e não sentiu amor à primeira vista.
“Não sabia o que é que aquilo era (...) e quando estás habituado a tocar tradicional - e eu que vinha das filarmónicas - aparecer lá free jazz, foi muito interessante. Estive lá durante dez minutos e depois fugi pelas traseiras do Teatro Micaelense, porque estava a sentir que aquilo era tudo muito estranho”, contou.
Luís Senra reconhece a importância que a escola teve na sua formação e que continua a ter na comunidade onde se insere, contribuindo para a “transformação” da imagem negativa de Rabo de Peixe.
Numa escola onde muitos chegam por influência de amigos, vizinhos ou familiares, há quem encontre na música um rumo.
Aníbal bateu à porta porque via ali muitas crianças e “queria saber o que se passava”.
Com 13 anos, admite que é na música que vê o seu futuro: “Estou a gostar muito (…), é o meu curso e é o que eu sempre quis ser”.
Com 7 anos, Tomás entrou na escola por vontade da mãe e diz que “gosta” do trompete, mas sonha com poder experimentar a bateria e a flauta.
Leandro, de 13 anos, disse que “tocar um instrumento, tem aquele sentido” e ganhou elogios dos professores e colegas quando, num dia, percebeu como se toca a melódica.
“Há miúdos que andam meses e ele, naquele ensaio, aprendeu a notação musical (…) aprendeu a raciocinar e a tocar logo o instrumento, que é uma coisa que exige um treino e um raciocínio, desde olhar para a pauta, a notação gráfica, associar que é uma nota, e associar que tem uma duração de tempo”, explicou à Lusa o professor Carlos Mendes.
Com mais ou menos talento, os professores consideram que o sucesso só se constrói com persistência.
“Apercebemo-nos cedo de que há crianças com capacidades, mas algumas surpreendem-nos porque não mostram cedo mas, a meio do percurso, evoluem. Às vezes, não é só o facto de ter capacidades, é o facto de ser persistente e não desistir”, afirmou o professor.
A mesma persistência e ambição com que os professores da escola de Música de Rabo de Peixe contribuem hoje para o futuro destas crianças e jovens.
“Queremos fazer mais e tentamos fazer”, afirmou Carlos Mendes.
“O que importa é que eles tenham aqui uma boa experiência e que isso sirva também para a vida, para o crescimento deles”, concluiu Licínio Moura.