Autor: Lusa/AO Online
"Mal vai alguém que tem responsabilidades numa empresa se condiciona o exercício de autoridade a eventuais decisões judiciais no futuro", considerou Luís Parreirão, ouvido em Ponta Delgada na comissão de inquérito parlamentar à gestão do setor público empresarial dos Açores.
Sustentando não se querer pronunciar em concreto "sobre decisões de tribunais", o gestor sinalizou, todavia, que a decisão em causa é "a primeira tomada naquele sentido", de condenação da empresa.
A transportadora aérea SATA confirmou recentemente que o Supremo Tribunal da Justiça (STJ) "declarou a ilicitude do despedimento" de um seu piloto por críticas no Facebook, embora, advoga a transportadora açoriana, comprovando comportamentos "ilícitos" do antigo profissional da companhia.
A agência Lusa noticiou recentemente que a SATA foi condenada a pagar mais de 328 mil euros a um piloto comandante despedido em 2015, após o trabalhador ter criticado um administrador da companhia aérea na rede social Facebook, segundo o STJ.
No acórdão, o STJ declarou a “ilicitude do despedimento, manifestamente abusivo”, e condenou a SATA a pagar 55.250 euros a Luís Miguel Sancho “a título de indemnização substitutiva da reintegração, bem como ao pagamento das retribuições que deixou de auferir desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado” da decisão, agora proferida.
Segundo o Supremo, o piloto foi despedido em 15 de dezembro de 2015, auferindo, à data, um rendimento ilíquido base de 6.500 euros mensais.
De acordo com as contas da Lusa, relativamente aos salários destes três anos, o trabalhador irá receber uma indemnização, no mínimo, de 273 mil euros.
A SATA, contudo, dá a entender que o valor será menor, sustentando que foi decretado que o ex-trabalhador receba as retribuições que deixou de auferir desde a data do despedimento à data de trânsito do acórdão, mas, a tal montante, "serão deduzidas todas as quantias que o referido ex-trabalhador auferiu ao serviço de outras empresas, desde a data em que saiu da SATA, sendo o apuramento de tal montante final feito em decisão de liquidação do referido acórdão".
“O trabalhador goza, tanto no âmbito da empresa, como fora dela, de liberdade de expressão, ainda que tal liberdade não seja limitada, havendo que atender aos deveres de respeito, urbanidade e probidade. Na aferição da gravidade de afirmações ofensivas para um administrador, há que ponderar as circunstâncias concretas do caso: o facto de tais afirmações serem proferidas no Facebook pelo trabalhador em momento de indignação, sem identificar o seu empregador, e a ausência de danos graves para o empregador”, sumariza o STJ.
O trabalhador publicou o 'post' em 15 de setembro de 2015, pouco depois de tomar conhecimento de que tinha sido suspenso de funções, no âmbito de um inquérito aberto pela empresa sobre um episódio ocorrido cerca de uma semana antes.
Na publicação, Luís Miguel Sancho informava que tinha sido “novamente suspenso”, a segunda vez em seis meses, e que tal teria “contornos de tentativa de recorde ou de perseguição”.
“Agora foi 'em virtude do comportamento adotado para com um Sr. Administrador' (puto mal educado, prepotente), o qual configura falta de respeito para com a administração da empresa; e a falta de respeito que esta gente tem para com quem trabalha, se fosse meu filho, levava um par de lambadas, mas não sendo, o pai que não o soube educar que o ature. Confundem autoridade com autoritarismo e não percebem que a autoridade se não for aceite, não serve de nada, se querem ser respeitados, deem-se ao respeito. Mais uma novela para acompanharem e não se esqueçam do que há tempos disse, 'eles andam aí', os filhos (…)”, escreveu o então piloto comandante.
O 'post' diz respeito a uma situação ocorrida em 07 de setembro de 2015, quando Luís Miguel Sancho era piloto comandante de um voo de Lisboa para Ponte Delgada. Ao chegar à aeronave, o piloto constatou que o avião estava “a ser alvo de uma intervenção” pelos serviços de manutenção, devido a uma avaria no painel de instrumentos.
O piloto foi então questionado pelo departamento de operações de voo da empresa sobre a razão do atraso, na sequência do contacto de um administrador da companhia aérea, que estaria a bordo e que queria saber a que se devia o atraso.
Na qualidade de comandante de voo, respondeu que “já tinha comunicado a razão do atraso e que aguardava a resolução da intervenção técnica solicitada”, relata o STJ.
Cerca de 30 minutos após os passageiros se encontrarem no interior da aeronave, o comandante comunicou que o atraso se devia a “razões técnicas”.
Após a explicação, Francisco Gil, à data vogal do conselho de administração da SATA, e um dos passageiros, contactou o setor de coordenação e controlo operacional da empresa que, posteriormente, o informou de que se tratava de um problema de manutenção que tinha de ser resolvido.
O STJ conta que Luís Miguel Sancho dirigiu-se então ao lugar em que estava sentado Francisco Gil e disse: “Posso ajudá-lo?”, acrescentando que lhe estavam a ligar das operações a fazer perguntas sobre o atraso e que o que tinha a dizer já tinha dito no anúncio aos passageiros".
Francisco Gil respondeu: “Eu sou administrador da SATA, tenho o direito de questionar…”.
Na resposta, o comandante do voo respondeu-lhe que “ele ali era um passageiro igual a todos os outros”, descreve o Supremo.
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