Autor: Cristina Pires/Paulo Faustino
Porque se recandidata à presidência da Câmara Municipal de Ponta Delgada?
Recandidato-me
porque gostei imenso da experiência anterior de trabalhar com o Bloco: é
o pensar livre, é refletir sobre a cidade e, sobretudo, notar uma
equipa de entreajuda formidável.
O tratamento de resíduos tem sido um
dos ‘cavalos de batalha’ do Bloco de Esquerda (BE). Quais são as suas
preocupações a esse nível e que modelo defende para a recolha e
tratamento do lixo?
Defendemos - está no nosso programa - o repensar
da incineração. Defendemos começar do princípio, estudar o assunto
porque não faz sentido que uma região como esta, que todos conhecemos e
que queremos de natureza intocada, ande a passear lixo pelo oceano para
trás e para diante. Alterou-se o PEGRA - era o primeiro plano para o
tratamento dos resíduos nos Açores - para o PEPGRA. O PEPGRA é uma
importação: parte da incineração para o plano, quando os planos devem
partir da base para chegar ao tratamento e ele faz precisamente o
contrário. Portanto, necessitamos de uma forte educação ambiental, que
não temos.
Neste momento, por exemplo, são retirados ecopontos. Não
podemos retirar ecopontos, temos que dar ecopontos para que as pessoas
tenham os utensílios para recolher o seu lixo e o comecem a tratar bem.
(...) A pouco e pouco, as pessoas educar-se-ão. Agora, se retirarmos,
elas vão deitar no chão e não vão por (nos contentores).
Por outro
lado, temos que limpar também os ecopontos. Não faz sentido andar a
retirar-se, e as juntas de freguesia andam a retirar ecopontos nos
sítios onde as pessoas não se portam bem. Ora, as pessoas não se portam
bem porque ainda não têm educação. Portanto, temos que lhes dar essa
educação para que o ambiente seja realmente um sucesso e não é com a
incineradora, com certeza, que ele vai ser. O projeto da incineradora é
uma coisa que nasceu torta, tarde ou nunca se endireita. O que queremos
que se faça é repensar todo o sistema de tratamento de resíduos para os
Açores.
Acha que ainda se vai a tempo de fazer essa reflexão, isso não terá custos ou os custos nesta matéria não interessam?
Os
custos interessam sempre, agora o que já se gastou e o que se vai
gastar com uma incineradora sobredimensionada, que ora tem tratamento
biológico e mecânico, ora não tem, ora é assim, ora é assado, é muito
esquisito. Propomos que se recomece a estudar o ambiente como deve ser,
como estava no PEGRA. O PEGRA nem é, digamos, um plano que o Bloco tenha
posto na mesa, é deste governo que está em funções e que o altera para
poder entrar no negócio da incineração.
Acha que a população está sensível a essa reflexão que defende sobre o lixo?
É
preciso fazer esse debate, é preciso fazer essa reflexão para as
pessoas perceberem o que está em jogo. Por exemplo, há um bairro social
muito perto da AMISM, onde vai ficar a incineradora, e eles (os
moradores) vão apanhar aqueles fuminhos todos, infelizmente.
É uma crítica que deixa ao executivo camarário, a questão do lixo no concelho não está a ser devidamente tratada?
Não
está a ser devidamente tratada. Faça um passeio aí à noite na cidade e
veja como é que nós - população e Câmara - tratamos: uns põem o lixo
fora do sítio e os outros não põem lá (ecopontos) onde o recolher e não o
recolhem, e depois não lavam os ecopontos. Portanto, este assunto está
muito maltratado.
O que o Bloco propõe fazer nesta matéria se for eleito para a Câmara: coimas, maior fiscalização?
Vamos
lá ver, não vou multar a desgraçada da velhota que vai com um saco de
lixo e o põe no chão porque não encontrou o ecoponto. Não a vou multar,
vou dizer-lhe ‘olhe dê-me cá o seu saco, eu vou levá-lo, mas olhe, isto
faz-se assim (...) e vou lá por o ecoponto para que ela possa por o seu
saco no sítio certo e não tenha que andar um quilómetro ou dois (...).
Temos é que dotar toda a cidade de mais ecopontos e os ecopontos não têm
que ser sítios feios ou sujos. Podem ser tratados. Se ainda por cima a
recolha for separativa, ele tem cada vez mais tendência a ser um sítio
não digo limpo, mas capaz.
Ponta Delgada é a principal porta de entrada do arquipélago. A cidade e o concelho têm sabido tirar partido dessa condição?
Do
ponto de vista da hotelaria, deste jorrar de turistas, temos tirado: os
hotéis e miradouros estão cheios e isso tudo. Agora, não temos é
qualidade a oferecer, isso é outro aspeto. Eles ainda vêm um bocadinho
ao engano porque veem realmente a paisagem de extremos - onde também já
vamos dando uma dentadas - e esquecemos a cidade. É impossível. Por
exemplo, a estação de camionagem na Avenida Marginal é uma coisa
pavorosa, horrível. Os parqueamentos estão todos já cheios porque
realmente não nos preparamos para este acréscimo de turismo que foi
repentino e em quantidades astronómicas. A quantidade, por exemplo, que
há de carros e companhias de carros de aluguer... o que é que nos vai
ficar aí de lata se por acaso o turismo decair um bocadinho? Já viu o
tamanho dos parqueamentos que há por aí? Está tudo cheio, isto rebentou
de um momento para o outro. Não estávamos preparados para isto.
O que é preciso fazer?
É
preciso incentivar parqueamentos por todo o lado. Todos eles precisam
de ser aumentados, ampliados e mais, cada vez mais, porque não dão
resposta. É fácil nestes dias não conseguir estacionar na Avenida ou não
conseguir estacionar em São João ou nos Pinheiros. A gente tem que
arranjar uma solução para isto. Precisamos de um plano de mobilidade
que esteja agregado ao parqueamento para que possamos trazer mobilidade à
cidade e introduzir acessibilidades, que é uma coisa que desconhecemos
ainda.
Falava do sítio onde estacionam os autocarros na Avenida
Marginal. A central de camionagem nesta cidade tem sido um projeto
falado, mas que tem sido consecutivamente adiado. Concorda com uma
solução desta natureza?
Concordo, com certeza, com uma solução desta
natureza. Eu não posso é dizer que a central de camionagem vai ser aqui
ou ali. Esta ideia vem do plano do (arquiteto) José Lamas, se eu não me
engano dos anos 90. É uma ideia boa baseada num estudo daquela época,
hoje a existência da via circular de Ponta Delgada traz-nos outras
novidades que o José Lamas não tinha naquela altura. É preciso adaptar e
fazer um estudo precisamente da mobilidade, do tráfego e interpretar
estas coisas de tal modo que -julgo - continua a ser oportuno as duas
centrais de camionagem (...) Penso que não deixará de ser uma a nascente
e outra a poente, conjugadas sobre o eixo de São Gonçalo. Mas não
consigo dizer mais do que isto. Há terrenos que até adivinho onde
ficaria bem, mas gostava de ver um plano de tráfego e mobilidade para
depois concretizarmos este assunto.
Defende algum tipo de pagamento ou limitação no acesso a alguns locais emblemáticos, como as Sete Cidades?
Com
certeza, é normal lá fora. Recordo que aqui há dois anos estive em
Lanzarote e, a certa altura, para ir a uma praia que pertence a uma
reserva natural, tive que pagar. Entrou o automóvel, ficou estacionado
longe da praia e depois caminhei ali um bocado até chegar à praia, até
ver o que havia lá para ver.
O que defende para Santa Clara?
Defendo
que Santa Clara é um dos pontos negros da cidade. Aliás, Santa Clara
aproximava-se muito de São Roque. Neste momento é que ficou para trás
porque São Roque, com a estrada marginal, ganhou. É claro que uma
solução parecida traria outra qualidade a Santa Clara. Veja-se que Santa
Clara, por exemplo, neste momento não tem grande pressão para o
Alojamento Local. Porquê? Porque está desqualificada. São Roque já tem
porque já se está a requalificar e, portanto, tem essa pressão. É
importantíssimo (requalificar Santa Clara). (...) Aqueles terrenos (em
Santa Clara) são da Portos dos Açores. Portanto, aquilo é do governo,
mas o governo não pode só fazer galerias da Calheta. Também tem que
olhar pela cidade. A requalificação daqueles terrenos é
importantíssima. O porto tem que ter um plano para si próprio.
Antigamente tinha, deixou de ter (...). Isto podia ser um motor de
requalificação da zona, todas as cidades têm o seu porto, o porto não
tem que ser uma coisa suja e maltratada como é o nosso. Pode ser uma
coisa decente.
Falou das Galerias da Calheta de Pêro de Teive: é uma mancha na cidade?
É
outro processo completamente estapafúrdio. Fez-se uma revisão do Plano
Diretor Municipal (PDM) para colocar aquilo e agora ninguém sabe o que
há de fazer àquilo. Aquilo, quanto a mim, tem que ser demolido, mas não
acredito que vão demolir aquilo, pelo menos enquanto não ganharmos a
Câmara.
Porque é crítico do projeto do aquário para a baía de Ponta Delgada?
Numa
região que fala da observação da natureza, da observação dos cetáceos,
disso tudo, não vamos enclausurar peixes num aquário. Não precisamos
disso para nada. (...) Cada vez que a gente constrói ali dentro de água,
estamos a fechar e transformar a marginal numa rua. (...)
Concorda com a realização de um referendo aos munícipes de Ponta Delgada sobre o projeto do aquário?
Acho
que um referendo não traz nada. (...) Os promotores não querem outro
sítio, não têm parceiros, não pagam taxas, vão buscar dinheiro à União
Europeia para construir aquilo, mas que é isto? Quer dizer, a gente tem
que se questionar sobre isso, não faz sentido. (...) A riqueza de um
porto é o seu espelho de água, é a possibilidade de fazer coisas para o
porto. Não é para por aquários e peixinhos. (...)
Como é que avalia o programa Reviva. É uma mais valia do seu ponto de vista?
(...)
Promove a má e a boa reabilitação do mesmo modo, e é preciso filtrar
isto. (...) Temos de rever o PDM para criar uma malha (urbana) mais
apertada e temos de fazer um plano de pormenor para a zona histórica
porque temos de perceber onde estão as térmitas, quais são os
(edifícios) devolutos, onde é que se pode crescer, onde é que se pode
demolir. Tem que se disciplinar tudo isto e então o Reviva será um
resultado disto tudo.