Autor: Carlota Pimentel
“Telhados de Vidro” estreia a 15 de março no Teatro Micaelense. O que nos revela esta peça sobre as relações humanas?
A
peça é precisamente sobre relações humanas. Retrata uma história de
amor entre um homem mais velho e uma mulher mais nova. É uma relação
complicada porque é uma relação ilícita. No momento em que a peça
começa, eles já estão separados há alguns anos.
No fundo, a peça é tentar perceber por que motivo a relação deles não funcionou. Durante esse processo de descoberta, de escavar emoções e perceber o que correu mal, percebemos que, para além da diferença de idade, existe um grande fosso ideológico e social. É uma peça que, de alguma forma, nos toca a todos, porque todos nós já amámos, já sofremos e já sentimos arrependimento… Todos temos um passado.
A peça é muitíssimo bem escrita e, à boa maneira inglesa, é também um retrato da sociedade inglesa dos anos 90. Mas a adaptação que fizemos torna-a muito portuguesa, e aborda temas atuais do contexto social e político. E, portanto, é uma provocação. Tem um humor negro e corrosivo, muito interessante e divertido. É uma peça onde nos rimos, podemos comover-nos, mas é sobretudo uma viagem e uma história. Durante aquela hora e meia, somos transportados no tempo.
Que expectativas tem para esta estreia nos Açores?
Estou
muito entusiasmado com a possibilidade de voltar ao Teatro Micaelense e
partilhar o nosso espetáculo com o público açoriano. Em todas as vezes
que estive nos Açores, fui sempre muitíssimo bem recebido. Encontrei um
público educado, atento, exigente e caloroso, e é essa a minha
expectativa. Sei que, do ponto de vista da procura, o espetáculo está
quase esgotado, o que me deixa muito entusiasmado. É, desde logo, um
bom sinal de que há curiosidade e vontade de assistir ao espetáculo.
Como tem sido o feedback da peça a nível nacional?
A
reação que temos tido até agora tem sido incrível. O espetáculo correu
muito bem em Lisboa, onde estivemos quase três meses em cena, sempre com
casa cheia. Depois começámos logo a digressão pelo país, que tem
encontrado o mesmo tipo de recetividade e procura. As salas estão
cheias. Acho que as pessoas estão muito disponíveis para boas histórias,
para sentir, para ver atores de quem gostam. Tem sido um encontro muito
bonito e intenso. Estou muito entusiasmado.
Enquanto ator, como foi o processo de preparação para o Tomas, personagem que interpreta nesta peça?
Este é um texto muito naturalista. Em registos muito naturalistas e realistas, há que procurar, em nós, os pontos de contacto com a personagem, sendo que eu tenho muito poucos com esse homem. Isso não foi fácil, porque ele tem uma maneira de pensar e de agir com a qual não me identifico completamente. (...)
Ele tem, em si, uma energia que hoje em dia se poderia classificar de alguma toxicidade masculina. A maneira como impõe, manipula e se vitimiza pode causar alguma estranheza. No entanto, muito do que ele diz faz sentido, o que é muito interessante, porque, por vezes, nos revemos nas posições que ele defende, embora eu diria que menos.
Outras vezes, identificamo-nos absolutamente com a
personagem da Benedita Pereira, a Clara, que é uma jovem professora,
idealista, que acredita na diferença e na sua capacidade de ajudar os
outros, ainda que o faça de forma discreta e invisível. Ele é um homem
de sucesso, um empresário cheio de dinheiro, que acha que ele é quem faz
as coisas, porque dá emprego às pessoas e muda o mundo.
Portanto,
obriguei-me a procurar em mim pontos de contacto com a personagem, sendo
que faço questão de nunca julgar as personagens para poder habitá-las
de forma plena, honesta e sincera.
Como é trabalhar ao lado de Benedita Pereira?
Já
nos tínhamos cruzado em televisão e senti uma química muito grande, uma
cumplicidade e empatia que agora se confirmaram em absoluto. A Benedita
tem as características que a personagem Clara, precisava. Nós
acreditamos no que ela diz e nas escolhas que ela faz. Além disso, temos
um terceiro ator, o Tomás Taborda, que faz de meu filho. É um ator
muito talentoso, com um papel muito importante na peça. Ele representa
uma terceira geração de jovens que, como ele, se debatem com a cultura e
a lógica que os pais impõem, e não se reveem em muitas das suas
posições. Têm as suas próprias fragilidades, os seus próprios receios...
Pretendem deixar ao público alguma reflexão através deste espetáculo?
Eu
não acredito em morais. (...) Cada um vai projetar-se na história de
forma necessariamente diferente, em função do seu contexto e vivência.
Se houver alguma moralidade, tem a ver com a necessidade de nos
ouvirmos, respeitarmos e aceitarmos as nossas idiossincrasias e
diferenças. Tudo o resto é provocação, é reflexão. Se as pessoas saírem
da sala incomodadas, perturbadas, felizes ou agitadas, então dou por bem
gasto o nosso tempo e esforço.
Que balanço faz da sua carreira teatral, em comparação com o seu trabalho na televisão e no cinema?
Não costumo fazer muitos balanços, porque sinto que ainda tenho muita coisa para fazer. Estou muito feliz com as escolhas que tenho feito e com as oportunidades que tenho tido, mas também com a forma como as tenho agarrado. O teatro é uma parte mais do que essencial na minha vida de ator, encenador e também de diretor artístico. É ao teatro que regresso sempre que posso, porque é aqui que tenho tempo para me encontrar, arriscar e experimentar. A televisão é mais ávida, mais voraz e embora me divirta muito a fazer televisão e algum cinema - infelizmente menos -, o teatro é uma segunda pele em mim e acho que é o que melhor me define.