Açoriano Oriental
“Enquanto a Azores Airlines se mantiver pública, nunca vai capitalizar as oportunidades de crescimento”

Luís Rodrigues. Presidente do Conselho de Administração do Grupo SATA afirma que este ano está a correr muito bem ao nível da receita e da poupança estimada dos custos, com a exceção do combustível, o que pode levar a que não seja ainda possível a companhia dar lucro já em 2022. Sobre a privatização de 51% da Azores Airlines, diz que o Conselho de Administração é 100% a favor, porque é a única forma da companhia crescer


“Enquanto a Azores Airlines se mantiver pública, nunca vai capitalizar as oportunidades de crescimento”

Autor: Rui Jorge Cabral/Paulo Simões

Quando abordou as linhas gerais do Plano Estratégico e de Reestruturação da SATA com o presidente do Governo e com os líderes parlamentares, disse que pretendia poupar 68 milhões de euros até 2025, com a redução de custos operacionais e colocar a SATA a dar lucro no final de 2022. Nesta altura do ano, acredita que a companhia está em condições de cumprir o objetivo de dar lucro já neste ano?
O Plano de Reestruturação foi feito com um conjunto de pressupostos que se verificavam na altura e os pressupostos mantêm-se com a exceção de um, que é particularmente significativo: o custo do combustível.
Se olharmos para os resultados do 1.º semestre de 2022, há duas coisas que estão a correr bastante bem e uma coisa que está a correr muito mal.
Das coisas que estão a correr bastante bem, a primeira é a receita, que está acima do previsto no Plano e em linha com o que tínhamos dito logo no início, que era o de que havia um enorme potencial de receita no Grupo SATA.
A outra parte que está a correr muito bem é a da generalidade dos custos, porque tipicamente nestes processos, o que está no papel é muito agressivo, mas depois a execução não consegue acompanhar... Mas no nosso caso, as coisas estão a correr bem, com os custos a acompanhar e até ligeiramente abaixo do que está no Plano de Reestruturação.
O que é que está a correr mal e que ninguém na altura conseguia antecipar? O custo com o combustível, que está drasticamente acima do que era expectável, o que pode levar a uma revisão e a que a Comissão Europeia aceite uma revisão deste custo.
Portanto, a maior receita e a poupança nos outros custos podem não compensar em 2022 o custo do combustível, de modo a permitir atingir o equilíbrio ou dar lucro.
Na realidade, o plano aprovado em Bruxelas prevê isso no final de 2023, pelo que nós é que temos internamente um plano mais agressivo, que previa que se conseguisse dar lucro no final de 2022.

Na passada semana, ficámos a conhecer os resultados do Grupo SATA do 1.º semestre deste ano. A SATA tem uma receita consolidada de 107,9 milhões de euros, mas houve lucro resultante desta receita?
O ano de 2022 foi o primeiro desde 2020 em que começámos, de facto, a ter condições para operar em normalidade  e no primeiro semestre, que agora terminou, o tráfego ficou ligeiramente abaixo de 2019, estamos a falar de 2 por cento abaixo, não é uma diferença material...
E a receita subiu muito mais... Mas gostaria de recordar que os resultados de 2020 e 2021 apenas servem para dar corpo ao ‘milagre’ de estarmos aqui a falar sobre a SATA... Porque acho que as pessoas não têm essa noção... E é muito importante frisar isso: estarmos aqui a falar sobre a SATA, com a SATAa operar com a normalidade com que está a operar é um ‘milagre’...
Vejamos: no final de 2019, o Grupo SATA fechou as contas com capitais próprios negativos de 230 milhões de euros! E o modo como eu ilustro isto para os meus colegas trabalhadores da SATA é o de imaginarmos que éramos, pessoalmente, responsáveis por esta dívida: se cada um de nós - que eram 1400 na altura - vendesse tudo o que tem e só ficasse com a roupa que tem no corpo, ainda assim ficaria a dever 150 mil euros ao banco! Isso leva qualquer um ao desespero... Portanto, estar a operar nestas condições já é um ‘milagre’...
E o que aconteceu a seguir? Viemos a constatar, pouco tempo depois, que afinal não eram 230 milhões, mas sim 300 e muitos, porque havia uma parte significativa que não estava lá registada... Portanto, os 150 mil euros que cada um de nós devia ao banco, afinal são 200 e tal... Depois, veio ainda a Covid, que parece que muita gente já esqueceu, mas que nos paralisou durante mais de dois anos...
Por isso e citando o texto da Comissão Europeia, conservadoramente, a Covid custou ao Grupo SATA 215 milhões de euros de receita perdida, dos quais nós recebemos 12...
Por isso, com 230 milhões de euros negativos à partida, mais cento e tal que não estavam lá e mais 215 de receitas perdidas, do que estamos aqui a falar é de um ‘milagre’...

Voltando à questão do lucro: como é que a SATA fechou o 1.º semestre deste ano em termos de resultado líquido consolidado?
Se tivermos em consideração os juros, as amortizações, etc., o resultado líquido ainda é negativo.
Mas mesmo sem avançar com um valor, pode adiantar se o resultado líquido está em linha com a sua expectativa ou se, pelo contrário, continua a ser motivo de forte preocupação?
Está em linha com o que está no Plano de Reestruturação de Bruxelas...

Falava há pouco da questão dos combustíveis, que têm sofrido os efeitos da inflação. Em que medida esta situação afeta o futuro da SATA? Poderá pôr mesmo em risco o trabalho que tem sido desenvolvido?
Em risco, acho que não, mas pode condicionar significativamente... Todos estes fatores (relacionados com a inflação)  vão ter impacto na procura e na disponibilidade e capacidade das pessoas irem de férias... E embora em julho e agosto não estejamos a sentir uma retração de tráfego, que ainda está muito forte, no último quadrimestre/trimestre, o tráfego já não está tão forte como gostaríamos que estivesse... Contudo e porque há muita gente ainda com poupanças acumuladas nos últimos dois anos e com disponibilidade para viajar - portugueses e estrangeiros - acredito que em 2022, com os dados que nós temos, o tráfego vá ficar entre 10 a 15% acima de 2019.
E como acredito que o preço do combustível, como está, é insustentável a prazo, quando voltarmos à normalidade, chamemos-lhe assim, a Azores Airlines tem condições para ser perfeitamente sustentável.

O Plano de Reestruturação da SATA prevê, entre outras decisões, a privatização de 51% do capital da Azores Airlines. Em que ponto está o caderno de encargos desta privatização e quando prevê que ela possa estar concluída?
O caderno de encargos é uma responsabilidade do Governo Regional (acionista)... O prazo formal é até ao final de 2025, mas a nossa recomendação é a de que a privatização da Azores Airlines seja o mais rapidamente possível.
Para que fique claro, o Conselho de Administração é 100% a favor da privatização. E isso não tem nada a ver com ideologia. Tem a ver apenas com o facto  do Grupo SATA ter enormes oportunidades de crescimento, na rede, na manutenção, na formação, em serviços partilhados, no handling e por aí fora...
Mas enquanto a SATA/Azores Airlines se mantiver pública, o acionista nunca vai conseguir capitalizar estas oportunidades de crescimento... E porquê? Porque há uma agenda política a gerir e de cada vez que o Governo quiser investir mais um euro na SATA, vai haver alguém que diz: então e esta escola, este hospital e esta estrada?
Eu entendo isso perfeitamente, mas o que isso quer dizer é que a SATA não vai conseguir crescer... E se não conseguir crescer vai definhar e o caminho é inevitável: a empresa vai ao chão! Porque uma companhia aérea com oito aviões a operar em mercado aberto não tem como se sustentar a longo prazo.

As preocupações já manifestadas pelos sindicatos relativamente ao futuro dos trabalhadores no processo de privatização da Azores Airlines têm razão de ser?
Acho que não... Como há pouco referi e como também já disse aos sindicatos, a administração é a favor da privatização porque ela vai gerar emprego, crescimento e riqueza para todos os atores envolvidos e o que antevejo é um processo aberto, transparente e participativo, em que toda a gente diga o que tem a dizer.  E a minha expectativa não é apenas a de que a privatização seja boa, mas sim a de que eu tenho que trabalhar  para que seja boa. Se isso acontecer, será bom para os trabalhadores na generalidade e, sendo bom para os trabalhadores, é bom para os sindicatos.

No passado, foi muito criticada a intromissão do Governo Regional na gestão da SATA, intromissão considerada, de certa forma, como responsável pela situação financeira a que a companhia chegou. Algumas das suas decisões foram sugeridas pelo atual Governo?
Não. Houve pedidos para avaliar duas ou três rotas, nós avaliámos e há situações em que dizemos ‘não faz sentido’ e não fazemos e há situações em que dizemos que pode fazer sentido, mediante certas condições... Mas se a rota for claramente deficitária, é para não fazer. Ponto! Não há discussão sobre isso.
O nosso objetivo é pôr a SATA e principalmente a Azores Airlines no sítio certo e acho que o acionista Governo tem percebido e respeitado isso na generalidade.

Sobre a questão do avião cargueiro, que a SATA vai operar através da transformação de um avião Dash, qual é o custo desta operação?
O custo pode ir de uma coisa muito simples e pouco ou mesmo não dispendiosa até uma coisa muito complexa e muito dispendiosa. Nós não queremos ir por aí, como é obvio...
Todo este tema é uma incógnita. O que é mais fácil de fazer e que é mais barato e flexível é pegar num dos aviões Dash atuais durante o inverno e transformá-lo em cargueiro, como aliás já aconteceu na pandemia. Hoje, há kits para fazer isso e não representa problema nenhum...
Nós podemos fazer essa adaptação e ver o que é que acontece. Já tivemos a experiência de operar durante a pandemia e temos a expectativa de que isso seja um incentivo ao desenvolvimento da produção local e um estímulo à exportação da Região. Portanto, o mercado pode ir para níveis muito maiores do que aqueles em que estamos hoje e, com um tarifário ajustado, as coisas podem equilibrar-se.

Olhando, por fim, para a SATA Air Açores, que faz as ligações interilhas, a frota atual é a ideal ou serão necessários mais  aviões, tendo em conta o aumento do fluxo turístico que se tem vindo a registar e também a Tarifa Açores a 60 euros?
Para já, temos desde a passada semana mais um aparelho, que é aliás uma obrigação do caderno de encargos, porque quando a procura e as listas de espera excedem um determinado nível, nós somos obrigados a acrescentar mais capacidade. E se o ritmo de crescimento do tráfego interilhas continuar como está, em breve, em 2023 não sei, mas se calhar em 2024, em vez de sete aviões durante o verão, iremos precisar de oito... Mas o que precisamos definitivamente, enquanto Região, é de trabalhar no desenvolvimento sustentado fora do pico do verão.

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