Autor: Rui Jorge Cabral/Paulo Simões
Quando abordou as linhas gerais do Plano Estratégico e de Reestruturação
da SATA com o presidente do Governo e com os líderes parlamentares,
disse que pretendia poupar 68 milhões de euros até 2025, com a redução
de custos operacionais e colocar a SATA a dar lucro no final de 2022.
Nesta altura do ano, acredita que a companhia está em condições de
cumprir o objetivo de dar lucro já neste ano?
O Plano de
Reestruturação foi feito com um conjunto de pressupostos que se
verificavam na altura e os pressupostos mantêm-se com a exceção de um,
que é particularmente significativo: o custo do combustível.
Se
olharmos para os resultados do 1.º semestre de 2022, há duas coisas que
estão a correr bastante bem e uma coisa que está a correr muito mal.
Das
coisas que estão a correr bastante bem, a primeira é a receita, que
está acima do previsto no Plano e em linha com o que tínhamos dito logo
no início, que era o de que havia um enorme potencial de receita no
Grupo SATA.
A outra parte que está a correr muito bem é a da
generalidade dos custos, porque tipicamente nestes processos, o que está
no papel é muito agressivo, mas depois a execução não consegue
acompanhar... Mas no nosso caso, as coisas estão a correr bem, com os
custos a acompanhar e até ligeiramente abaixo do que está no Plano de
Reestruturação.
O que é que está a correr mal e que ninguém na
altura conseguia antecipar? O custo com o combustível, que está
drasticamente acima do que era expectável, o que pode levar a uma
revisão e a que a Comissão Europeia aceite uma revisão deste custo.
Portanto,
a maior receita e a poupança nos outros custos podem não compensar em
2022 o custo do combustível, de modo a permitir atingir o equilíbrio ou
dar lucro.
Na realidade, o plano aprovado em Bruxelas prevê isso no
final de 2023, pelo que nós é que temos internamente um plano mais
agressivo, que previa que se conseguisse dar lucro no final de 2022.
Na
passada semana, ficámos a conhecer os resultados do Grupo SATA do 1.º
semestre deste ano. A SATA tem uma receita consolidada de 107,9 milhões
de euros, mas houve lucro resultante desta receita?
O ano de 2022 foi
o primeiro desde 2020 em que começámos, de facto, a ter condições para
operar em normalidade e no primeiro semestre, que agora terminou, o
tráfego ficou ligeiramente abaixo de 2019, estamos a falar de 2 por
cento abaixo, não é uma diferença material...
E a receita subiu muito
mais... Mas gostaria de recordar que os resultados de 2020 e 2021
apenas servem para dar corpo ao ‘milagre’ de estarmos aqui a falar sobre
a SATA... Porque acho que as pessoas não têm essa noção... E é muito
importante frisar isso: estarmos aqui a falar sobre a SATA, com a SATAa
operar com a normalidade com que está a operar é um ‘milagre’...
Vejamos:
no final de 2019, o Grupo SATA fechou as contas com capitais próprios
negativos de 230 milhões de euros! E o modo como eu ilustro isto para os
meus colegas trabalhadores da SATA é o de imaginarmos que éramos,
pessoalmente, responsáveis por esta dívida: se cada um de nós - que eram
1400 na altura - vendesse tudo o que tem e só ficasse com a roupa que
tem no corpo, ainda assim ficaria a dever 150 mil euros ao banco! Isso
leva qualquer um ao desespero... Portanto, estar a operar nestas
condições já é um ‘milagre’...
E o que aconteceu a seguir? Viemos a
constatar, pouco tempo depois, que afinal não eram 230 milhões, mas sim
300 e muitos, porque havia uma parte significativa que não estava lá
registada... Portanto, os 150 mil euros que cada um de nós devia ao
banco, afinal são 200 e tal... Depois, veio ainda a Covid, que parece
que muita gente já esqueceu, mas que nos paralisou durante mais de dois
anos...
Por isso e citando o texto da Comissão Europeia,
conservadoramente, a Covid custou ao Grupo SATA 215 milhões de euros de
receita perdida, dos quais nós recebemos 12...
Por isso, com 230
milhões de euros negativos à partida, mais cento e tal que não estavam
lá e mais 215 de receitas perdidas, do que estamos aqui a falar é de um
‘milagre’...
Voltando à questão do lucro: como é que a SATA fechou o 1.º semestre deste ano em termos de resultado líquido consolidado?
Se tivermos em consideração os juros, as amortizações, etc., o resultado líquido ainda é negativo.
Mas
mesmo sem avançar com um valor, pode adiantar se o resultado líquido
está em linha com a sua expectativa ou se, pelo contrário, continua a
ser motivo de forte preocupação?
Está em linha com o que está no Plano de Reestruturação de Bruxelas...
Falava
há pouco da questão dos combustíveis, que têm sofrido os efeitos da
inflação. Em que medida esta situação afeta o futuro da SATA? Poderá pôr
mesmo em risco o trabalho que tem sido desenvolvido?
Em risco, acho
que não, mas pode condicionar significativamente... Todos estes fatores
(relacionados com a inflação) vão ter impacto na procura e na
disponibilidade e capacidade das pessoas irem de férias... E embora em
julho e agosto não estejamos a sentir uma retração de tráfego, que ainda
está muito forte, no último quadrimestre/trimestre, o tráfego já não
está tão forte como gostaríamos que estivesse... Contudo e porque há
muita gente ainda com poupanças acumuladas nos últimos dois anos e com
disponibilidade para viajar - portugueses e estrangeiros - acredito que
em 2022, com os dados que nós temos, o tráfego vá ficar entre 10 a 15%
acima de 2019.
E como acredito que o preço do combustível, como
está, é insustentável a prazo, quando voltarmos à normalidade,
chamemos-lhe assim, a Azores Airlines tem condições para ser
perfeitamente sustentável.
O Plano de Reestruturação da SATA prevê,
entre outras decisões, a privatização de 51% do capital da Azores
Airlines. Em que ponto está o caderno de encargos desta privatização e
quando prevê que ela possa estar concluída?
O caderno de encargos é
uma responsabilidade do Governo Regional (acionista)... O prazo formal é
até ao final de 2025, mas a nossa recomendação é a de que a
privatização da Azores Airlines seja o mais rapidamente possível.
Para
que fique claro, o Conselho de Administração é 100% a favor da
privatização. E isso não tem nada a ver com ideologia. Tem a ver apenas
com o facto do Grupo SATA ter enormes oportunidades de crescimento, na
rede, na manutenção, na formação, em serviços partilhados, no handling e
por aí fora...
Mas enquanto a SATA/Azores Airlines se mantiver
pública, o acionista nunca vai conseguir capitalizar estas oportunidades
de crescimento... E porquê? Porque há uma agenda política a gerir e de
cada vez que o Governo quiser investir mais um euro na SATA, vai haver
alguém que diz: então e esta escola, este hospital e esta estrada?
Eu
entendo isso perfeitamente, mas o que isso quer dizer é que a SATA não
vai conseguir crescer... E se não conseguir crescer vai definhar e o
caminho é inevitável: a empresa vai ao chão! Porque uma companhia aérea
com oito aviões a operar em mercado aberto não tem como se sustentar a
longo prazo.
As preocupações já manifestadas pelos sindicatos
relativamente ao futuro dos trabalhadores no processo de privatização da
Azores Airlines têm razão de ser?
Acho que não... Como há pouco
referi e como também já disse aos sindicatos, a administração é a favor
da privatização porque ela vai gerar emprego, crescimento e riqueza para
todos os atores envolvidos e o que antevejo é um processo aberto,
transparente e participativo, em que toda a gente diga o que tem a
dizer. E a minha expectativa não é apenas a de que a privatização seja
boa, mas sim a de que eu tenho que trabalhar para que seja boa. Se isso
acontecer, será bom para os trabalhadores na generalidade e, sendo bom
para os trabalhadores, é bom para os sindicatos.
No passado, foi
muito criticada a intromissão do Governo Regional na gestão da SATA,
intromissão considerada, de certa forma, como responsável pela situação
financeira a que a companhia chegou. Algumas das suas decisões foram
sugeridas pelo atual Governo?
Não. Houve pedidos para avaliar duas ou
três rotas, nós avaliámos e há situações em que dizemos ‘não faz
sentido’ e não fazemos e há situações em que dizemos que pode fazer
sentido, mediante certas condições... Mas se a rota for claramente
deficitária, é para não fazer. Ponto! Não há discussão sobre isso.
O
nosso objetivo é pôr a SATA e principalmente a Azores Airlines no sítio
certo e acho que o acionista Governo tem percebido e respeitado isso na
generalidade.
Sobre a questão do avião cargueiro, que a SATA vai
operar através da transformação de um avião Dash, qual é o custo desta
operação?
O custo pode ir de uma coisa muito simples e pouco ou mesmo
não dispendiosa até uma coisa muito complexa e muito dispendiosa. Nós
não queremos ir por aí, como é obvio...
Todo este tema é uma
incógnita. O que é mais fácil de fazer e que é mais barato e flexível é
pegar num dos aviões Dash atuais durante o inverno e transformá-lo em
cargueiro, como aliás já aconteceu na pandemia. Hoje, há kits para fazer
isso e não representa problema nenhum...
Nós podemos fazer essa
adaptação e ver o que é que acontece. Já tivemos a experiência de operar
durante a pandemia e temos a expectativa de que isso seja um incentivo
ao desenvolvimento da produção local e um estímulo à exportação da
Região. Portanto, o mercado pode ir para níveis muito maiores do que
aqueles em que estamos hoje e, com um tarifário ajustado, as coisas
podem equilibrar-se.
Olhando, por fim, para a SATA Air Açores, que
faz as ligações interilhas, a frota atual é a ideal ou serão necessários
mais aviões, tendo em conta o aumento do fluxo turístico que se tem
vindo a registar e também a Tarifa Açores a 60 euros?
Para já, temos
desde a passada semana mais um aparelho, que é aliás uma obrigação do
caderno de encargos, porque quando a procura e as listas de espera
excedem um determinado nível, nós somos obrigados a acrescentar mais
capacidade. E se o ritmo de crescimento do tráfego interilhas continuar
como está, em breve, em 2023 não sei, mas se calhar em 2024, em vez de
sete aviões durante o verão, iremos precisar de oito... Mas o que
precisamos definitivamente, enquanto Região, é de trabalhar no
desenvolvimento sustentado fora do pico do verão.