Autor: Susete Rodrigues
Filipe Viegas nasceu em Moçambique, onde viveu até aos 16 anos, altura em que se deu a descolonização e veio para Lisboa. Foi em Moçambique, com 12 anos, que começou a patinar. Mas com “a descolonização, na escola de patinagem onde andava foram todos embora, e a patinagem acabou”. Trouxe para Lisboa os seus patins. “Chegaram cheios de água, nos contentores que trazia de África, e foi uma choradeira quando vi os patins molhados”.
Em Lisboa ainda tentou recomeçar a patinagem, mas “era tudo muito longe e economicamente não era viável”, conta-nos para acrescentar que “ia treinar para Mira-Sintra. Ia do Cacém para Mira-Sintra, pela linha do comboio, treinar num recinto ao ar livre de ladrilho granitado e ficava lá até anoitecer. Fazia isso todos os fins de semana”.
Veio para São Miguel porque ficou colocado na Universidade dos Açores em 1982, onde se licenciou em Biologia/Geologia. Diz que “encontrei nos Açores a nostalgia da vida de África e adorei logo”. Quando entrou, pela primeira vez, na Universidade dos Açores “pensei que estava num jardim botânico e não em uma universidade”. Sustenta que os Açores têm muitas coisas em comum com África. Dá como exemplos “os bailes de garagem, a batalha das limas no Carnaval, em África fazíamos a batalha da água em bairros. Os bailes de máscaras de lá eram iguais aos que se faziam no Teatro Micaelense. Quando soube que havia bailes de gala no Coliseu Micaelense quis experimentar e gostei muito. Também o cantar às janeiras fazia-se em África. Ia com o coro da igreja, em que pertencia, à casa de cada elemento cantar as janeiras e também havia a ‘mija do menino’”. Refere ainda que gostou muito das “praias de cá e a areia negra foi uma novidade para mim”.
Quando cá chegou tentou logo saber onde se patinava. Afirma que “aquele bichinho da patinagem nunca me largou e nem me larga”, e, por isso foi para o gimnodesportivo patinar com muitas crianças que lá estavam, e “fui começando a ensinar”. Entretanto, a “Judite Gomes veio cá, salvo erro naquela transição de 1983 para 1984, e ela fez uma triagem por várias ilhas, e levou-nos para a Terceira, onde deu o primeiro curso de patinagem artística”.
A parti daí, “agreguei-me ao Serviço de Desporto de São Miguel, onde fui monitor até 1988/89, altura em que fundei a Escola de Patinagem de Ponta Delgada”. Filipe Viegas recorda que a escola teve o seu embrião no antigo pavilhão da polícia, em Ponta Delgada, em 1989, e depois “foi todo um processo gradual de tentar equiparar ao que se fazia no continente. Como tal, organizei estágios com treinadores de fora, para começarmos a evoluir tecnicamente. O primeiro campeonato regional decorreu há cerca de 26/27 anos”.
Conta que hoje “está tudo muito mais equilibrado. Surgiu um novo sistema rollart que é umas alterações ao ajuizamento na Patinagem Artística, em que todos os atletas se apresentam em prova mais ou menos dentro dos mesmos níveis”. Há, por isso, uma exigência, a “nível de composição do programa, curto e longo, em que os atletas são obrigados a fazer determinados elementos”. Para si, este novo sistema “foi uma ‘machadada’, porque venho da ‘old school’, ou seja, criava coreografias ao som da música e com as batidas da música. Hoje em dia, nem sempre se consegue encaixar os elementos exigidos com a música. O mais fácil de fazer é escolher uma música que não tenha grandes oscilações, o patinador cumpre o programa sem estar muito preocupado com as batidas da música”.
Na altura da fundação da Escola de Patinagem de Ponta Delgada, o número de alunos rondava entre os 10/15. Na ocasião “havia um grande número de rapazes que faziam patinagem, e emparelhei-os todos com raparigas - foi uma fase muito gira”. Ao longo dos anos, o número de atletas foi aumentando, e neste momento a escola conta com quase 70. Questionado sobre as dificuldades que teve quando fundou a escola, o também professor de ciências recorda que “foi uma guerra com a antiga Associação de Patinagem de São Miguel, porque não quiseram aceitar as inscrições dos atletas da escola. Inscrevi os atletas na associação da Terceira. Na altura foi essa a grande barreira, mas depois ficou resolvido”.
Voltando um pouco atrás na sua história, Filipe Viegas explica que escolheu a área da Biologia/Geologia porque sempre gostou de “plantas, ciências e animais, mas primeiro concorri para veterinária porque queria ser veterinário. Seguiu-se as biologias todas. Também concorri para arquitetura paisagística, em Évora e só depois é que coloquei os Açores”.
Quando soube que tinha ficado colocado em São Miguel, numa conversa com um amigo “que era de cá, ele disse-me logo que eu ia para a casa da tia Olga, uma senhora que trabalhava na Casa Regional e foi maravilhoso”. Adianta que foi uma integração muito boa e foi “engraçado porque a tia Olga adorava ir à missa comigo e ela apresentava-me às pessoas como o índio sem pena”, conta-nos com alguma saudade. Depois “passei para o lar universitário e fiz o meu percurso entre a Rua do Passal e a Universidade dos Açores”. Acrescenta que “muitos colegas da universidade eram do continente e ‘vivíamos’ na universidade até irmos para casa, por isso, gerou-se um clima de amizades que todos os anos se renovavam e foi um pouco isso que me ligou à terra”. Depois veio a patinagem. “Foi a patinagem que me responsabilizou e acabei por ficar cá. O meu pai ainda tentou que regressasse, mas não penso em regressar, nem a Lisboa, nem a África”.
Confessa que não era muito fácil conciliar o curso com a patinagem, “ainda perdi algumas cadeiras à conta da patinagem porque os festivais coincidiam com a época de exames”.
Antes de fazer o estágio como professor, foi aconselhado por “uma grande amiga, que era a minha mãe açoriana, a Constança Pereira, a dar aulas e fui para a Escola Gaspar Frutuoso, na Ribeira Grande. Foi uma experiência muito gira, fui muito bem recebido, até porque já dava treinos na Ribeira Grande”. Estagiou na Roberto Ivens, deu aulas na escola dos Arrifes e há 15 anos regressou à Roberto Ivens”. Sublinha que adora dar aulas e que se quer reformar “o mais tarde possível”.
Em termos de patinagem, gostava ainda de realizar um “festival nas comunidades portuguesas nos Estados Unidos da América e gostava de levar os meus atletas a provas internacionais”.
Termina com um agradecimento a “todos os atletas, treinadores e dirigentes que passaram pela Escola de Patinagem de Ponta Delgada pelo seu contributo e dedicação ao longo destes 35 anos de existência”.