Açoriano Oriental
Crise vai originar sistema financeiro diferente
Com o fim da crise haverá maior regulação e a transparência terá aumentado.
É provável que a época do crédito fácil e barato tenha ficado para trás
Crise vai originar sistema financeiro diferente

Autor: Nelson Cabral
Os mercados financeiros viveram, no último ano, um período ímpar, tendo apenas como analogia o longínquo ano de 1929, em que se registou a primeira crise pura do capitalismo. De facto, o dia 24 de Outubro de 1929, que ficou para sempre conhecido como a 5ª feira negra, culminou com uma queda vertiginosa do preço das acções, fruto de um surto de especulação financeira que atingiu proporções irracionais. Porém, os mercados financeiros tiveram, desta vez, um comportamento um pouco diferente. Se em 1929 aconteceu um grande sismo num só dia, assistimos agora a uma crise sísmica, com epicentro no mercado imobiliário dos Estados Unidos da América e réplicas um pouco por todo o mundo.
Na última década assistimos a um período de taxas de juro historicamente baixas, uma tendência que, em alguns casos, criou expectativas de que, sistematicamente, estas assim se manteriam.
Neste contexto, as instituições financeiras optaram por crescer em volume, alargando as suas carteiras de crédito, também como resultado de uma menor aversão ao risco. Por seu turno os particulares, confiantes na estabilização das taxas de juro e no acesso facilitado ao crédito, endividaram-se, essencialmente com o objectivo de adquirir habitação própria. Um panorama que dava, no seu conjunto, sustentabilidade à economia real.
Surgiram entretanto inovações financeiras, com o objectivo de retirar do balanço dos bancos alguns dos créditos concedidos, o que permitiu que estes passassem a ser “embrulhados” sob a forma de obrigações e, posteriormente, colocados à venda no mercado. Desta forma, os bancos vendiam os seus créditos, antecipando uma receita futura, o que lhes permitia voltar a conceder crédito. Estes novos produtos, que despontaram nos EUA, começaram a ter compradores um pouco por todo o mundo, já que geravam rendibilidades aliciantes. A generalidade dos países ficou, deste modo, exposta ao risco do crédito imobiliário americano, sobretudo aqueles que se tinham alavancado na compra destes novos activos.
Com a subida das taxas de juro nos EUA (passaram de 1% em 2003, para 5.25% em 2006), o valor das prestações referente aos créditos registou um significativo agravamento. Quando, em finais de 2006, os preços das casas começaram a corrigir, fruto de um arrefecimento na procura e da subida das taxas de juro, começaram também a surgir, de uma forma crescente e preocupante, incumprimentos no pagamento das prestações. Muitos dos créditos foram concedidos a famílias com trabalhos instáveis e de rendimentos incertos que, no momento da compra, acreditavam que o valor das casas iria crescer de forma continuada e que, em caso da hipoteca ser executada, o valor desta seria suficiente para garantir o crédito em dívida.
Contudo, a queda dos preços do imobiliário começou a tomar dimensões muito superiores às estimadas. No mesmo sentido, os títulos de crédito que haviam sido emitidos começaram, também, a desvalorizar-se, deixando de haver interessados na sua compra. Os preços desses títulos caíram bruscamente e, em muitos casos, deixou de haver cotação para a compra dos mesmos. Para agravar a situação, a maioria desses créditos pertencia ao chamado segmento de subprime (créditos hipotecários de baixa qualidade), proveniente dos Estados Unidos da América.
A onda de desconfiança alastrou-se a todo o sector financeiro e os bancos ficaram relutantes em emprestar dinheiro entre si. Perante este cenário, surgiram intervenções da FED, do BCE e dos próprios bancos nacionais, no sentido de aceitarem todos os títulos que ninguém queria receber como garantia de empréstimos.
Com o culminar de toda esta pressão sobrevieram colapsos quase impensáveis no passado. A Lehman Brothers faliu, a Merrill Lynch foi absorvida pelo Bank of America, a mega seguradora AIG foi “salva” pela FED, exactamente pelas graves consequências que a falência de uma empresa de tão grande dimensão acarretaria, e outras instituições financeiras foram parcialmente nacionalizadas. Estados Unidos, Reino Unido e Islândia foram alguns dos países mais afectados.
Nesta altura estamos a assistir a um momento histórico dos mercados financeiros, que fará seguramente parte dos compêndios financeiros e económicos e será alvo de estudo pelos académicos que, esperamos, possam dar algum contributo para evitar a sua repetição.
Esta crise, que começou por ser financeira, terá com certeza repercussões a nível económico, sendo por isso expectável que assistamos a crescimentos residuais das principais economias mundiais, podendo, em alguns casos, a recessão ser experimentada.
A banca portuguesa não ficará imune à crise financeira, pelo facto de estar envolvida num mercado global, no entanto o conservadorismo do sistema bancário nacional e do investidor típico impediu que a exposição a activos, hoje aclamados de tóxicos, fosse de maiores dimensões.
Quando esta crise terminar, o sistema financeiro ficará, decerto, diferente, haverá maior regulação e a transparência terá aumentado. É provável que a época do crédito fácil e barato tenha ficado para trás e, presumivelmente, voltaremos a assistir a um modelo em que os créditos serão suportados, basicamente, pelo valor da carteira de depósitos.
No entanto, a história ensina-nos que a economia movimenta-se e evolui com base em ciclos económicos (desaceleração, recessão, recuperação e expansão) que, até aqui, se têm repetido, com maior ou menor frequência e duração. É tudo uma questão de tempo…
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