Açoriano Oriental
Rolos de fotografia ainda não estão "fora de combate"
Os “velhos” rolos de fotografia ainda não estão completamente “fora de combate”, mas a proibição do uso de produtos químicos poderá acabar com este produto e com a actividade comercial das casas fotográficas.

Autor: Lusa / AO Online
    Os estabelecimentos comerciais que se dedicam à fotografia estão em plena transformação, acompanhando a evolução tecnológica do digital, e, ainda que exista quem persista em utilizar os “velhos rolos”, o certo é que a reportagem fotográfica é o que “sustenta a actividade”.

    “Antigamente recebíamos cerca de cem rolos por dia, hoje há dias em que não recebemos nenhum e o máximo que, de quando em vez nos chegam, não passa a meia dúzia”, realça Lúcia Costa, da “Fotaçor”, na ilha Terceira.

    “Os fotógrafos amantes do preto e branco desapareceram por completo da nossa loja, está tudo virado para o digital”, sublinha.

    Esta profissional admite que viveram, até há meia dúzia de anos, do trabalho com os amadores.

    Mas, actualmente, “tivemos de nos profissionalizar em todo o género de reportagem pública e privada, casamentos, baptizados, comunhões, crismas e algumas fotos de estúdio”, explica Lúcia Costa.

    José Gabriel Ferreira, da empresa “O Fotógrafo”, corrobora a sua colega no facto de as receitas, onde os preços são melhores, serem sobretudo das reportagens, pois “apesar das pessoas terem fácil acesso às máquinas digitais, não fotografam com a qualidade de um profissional”.

    “Nos casamentos e baptizados, as famílias gostam de fotos de maior dimensão e com elevada qualidade e essa ainda somos nós que a garantimos”, explica.

    José Gabriel Ferreira acentua mesmo que “é a qualidade do trabalho que leva ainda muitos clientes a fotografar com digital, mas a não dispensarem a impressão em papel de muitas das fotos que tiram”.

    Lúcia Costa defende que “a novidade da impressão em casa foi muito curta, pois, além de muito cara, não tem a qualidade nem a durabilidade que tem a impressão profissional”.

    Para o “O Fotógrafo”, os computadores e os CD “também têm muitos problemas e, por isso, a foto em papel ainda permite mais tarde recordar”, acrescenta, recorrendo a um antigo slogan publicitário da fotografia.

    Além disso, aposta na “sensibilização das pessoas, com persistência”, ensinando-as que há diferenças em mostrar uma foto num álbum e num computador, acreditando que “no papel é muito melhor”.

    Vielmina Ferreira, da firma “Foto Corvelo”, aponta a baixa dos preços dos produtos finais como “a maior quebra de receitas”, a par “da redução do volume de trabalho”.

    “O negócio hoje é metade do que era, uma vez que imprimimos muito pouco porque o digital diminuiu muito o negócio da impressão em papel”, afirma de forma peremptória.

    Outra fonte de receitas destes fotógrafos é “a recuperação de fotografias antigas” feita por processos digitais, que “nem todos lá em casa dominam” bem como a venda de imagens de arquivo de como eram as ilhas há quatro ou cinco dezenas de anos, sustentam.

    Nada destes negócios atrai Gabriel Alves Vieira, da “Foto Gabriel”, que nunca teve empregados, nem uma empresa com máquinas de revelação, pois foi sempre um “repórter” da fotografia que “revelava os rolos nas outras firmas e depois vendia as fotos porta a porta”.

    “O meu negócio na era analógica era bater chapas em casamentos, baptizados, crismas, touradas à corda, bodos de leite [festejos do Espírito Santo] e depois vender casa a casa às vezes ainda a festa não tinha terminado”, explica.

    Gabriel Alves Vieira “fugiu” sempre dos “encargos que as empresas dão” e, por isso, viveu também das fotos que fazia no Regimento de Infantaria (do exército) nomeadamente “as fotos tipo passe e dos juramentos de bandeira”.

    Mas esse tempo, diz, acabou porque “hoje é o próprio exército que trata disso e tive que me virar para outros caminhos que passam pelas novas tecnologias, nomeadamente os DVD’s”.

    “Em 1989, o meu pai, que gosta muito de touradas, estava doente e não podia ir ver os touros à freguesia das Quatro Ribeiras, então fui filmar para ele ver em casa a cassete”, revela, para explicar como começou o negócio dos filmes digitais.

    Gabriel Alves Vieira lembra-se que nessa tourada o “bicho” pegou uma jovem e “rasgou-lhe os calções tendo ela ficado com as cuecas à mostra, o que originou um pedido fora do normal de cópias da cassete”.

    “Estava lançado o meu negócio”, relembra com satisfação.

    Um dos ganadeiros firmou com ele um contrato para que filmasse todas as corridas à corda dos seus touros pagando-lhe por tourada cinco contos (na moeda antiga, hoje 25 euros).

    Hoje, filma touradas de todos os ganadeiros e depois escolhe as imagens das “marradas” e vende em vídeo digital principalmente nas ilhas Terceira, São Miguel, continente português, EUA e Canadá.

    “Vivo desta actividade e de pouco mais de uma dúzia de reportagens de casamentos e baptizados. O resto do trabalho fotográfico já é muito reduzido, o que me permite ter muita liberdade”, sublinha.

    O negócio das festividades mantém em actividade “profissional” todos os outros fotógrafos, a que acrescentam as festas dos dois concelhos e as festas das trinta freguesias da ilha Terceira.

    “A ilha tem tantas festas que por vezes não chegamos para ir a todas, mas aquelas onde vamos vão dando para sobreviver”, admite Lúcia Costa.

    Todos estes profissionais da fotografia mantêm o optimismo de que podem ter futuro no sector, com excepção da Fátima Ferreira, da “Foto Madeira”, para quem o advento do digital e dos computadores “pronunciam o fim da actividade”.

    “Até para as fotos dos bilhetes de identidade e passaportes já não necessitam do nosso trabalho, daí que o negócio tenha vindo a cair de mês para mês”, lamenta-se.

    Fátima Ferreira sublinha que “até nos casamentos há muita gente a tirar fotos e depois já não compram o nosso serviço”.

    “Vou ver como as coisas correm até ao final do ano e, caso não mudem, vou encerrar e arranjar outro trabalho”, acrescenta.

    Os outros profissionais só põem em causa o seu futuro caso venha a ser proibido o uso de químicos nas máquinas de revelação.

    A União Europeia aprovou um regulamento (1907-2006) intitulado “REACH” (Regulamento da União Europeia sobre Registro, Avaliação, Autorização e Restrição de Produtos Químicos) que pode, no entender dos fotógrafos, pôr em causa a sua actividade.

    Lúcia Costa diz que o problema “só se coloca na revelação de fotos mais pequenas, uma vez que para as ampliações já são usados tinteiros próprios e recicláveis”.

    O futuro ainda espera estes fotógrafos da “velha guarda”, que tiveram quebras entre 50 e 70 por cento nos seus negócios, mas apostam “na qualidade, criatividade e imaginação” como os novos alicerces da sua actividade.
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