Açoriano Oriental
Refugiados em Portugal querem ajudar no acolhimento dos que vão chegar
Os refugiados que estão em Portugal querem ajudar no acolhimento e na integração dos mais de 3 mil migrantes que vão chegar a partir de outubro, já que falam a mesma língua e partilham cultura e costumes.

Autor: Lusa

Portugal vai receber 3.074 refugiados, no âmbito do processo de recolocação de mais de 120 mil pessoas por todos os Estados-membros europeus.

A este propósito, a Lusa quis saber o que pensam e sentem as pessoas refugiadas que vivem em Portugal há vários anos e que entendimento têm do processo de acolhimento dos novos refugiados que virão.

Nessa conversa, em que apareceram vários refugiados que estão em Portugal desde há muitos anos, o presidente da Associação dos Refugiados em Portugal (ARP) começa por falar de como correu o processo de integração destas pessoas, sublinhando que “não foi um sucesso”.

“Não foi um sucesso porque os refugiados nunca contribuíram para o plano de integração. Os refugiados nunca fizeram parte das pessoas que pensam sobre o futuro deles”, sublinha Diaby Abdourahamane, natural da Costa do Marfim.

O responsável diz mesmo que o que se passa com os refugiados em Portugal “é uma vergonha” e que a informação que tem é a de que a situação destas pessoas "é caótica”, sobrevivendo sem trabalho, com cada vez menos apoios do Estado, sem conseguirem fazer face às despesas diárias.

O iraquiano Ayad Shakir é disso exemplo. Em Portugal desde 2008, vive com a mulher e quatro filhos e uma prestação social de pouco mais de 500 euros. Já pensou fugir para outro país, mas mesmo para isso é preciso dinheiro, que Ayad Shakir não tem.

“Vou aos caixotes do lixo procurar cartão e plástico. Vendo para comprar leite e outras coisas. Agora tenho a minha filha na escola, tenho outras duas crianças e não tenho dinheiro para comprar vestidos ou para a mochila”, conta à Lusa.

Idris Hassan Hersi chegou a Portugal em 2007, vindo da Somália, depois de passar por um campo de refugiados em Malta. Para ele, os refugiados estão a sofrer em Portugal e as famílias não têm nada. Prometeram-lhes uma vida com dignidade, mas das promessas feitas, nada se concretizou e sente que foram esquecidos.

“Não chega a haver 50 famílias de refugiados em Portugal. Outros fugiram porque encontraram mais problemas aqui do que nos seus países”, relata, acusando o Governo de ter fechado os olhos e os ouvidos aos refugiados.

Fatousarr é uma refugiada mauritana que chegou a Portugal em 2011 com a filha. Diz que a sua integração em Portugal tem sido muito difícil e que sobrevive com 231 euros por mês, com os quais tem de pagar renda de casa, água, luz, comida.

Sente-se abandonada, diz que passa noites inteiras a chorar. O desespero está espelhado no rosto desta mulher, que de forma dura e pragmática diz, sem rodeios: “Os refugiados que vêm vão viver mal e só vão encontrar problemas”.

“O Governo fala de pessoas que ainda não vieram, ainda não chegaram, mas esqueceram os refugiados que já cá estão”, entende Ahmed Abdalla, antigo refugiado somali, agora cidadão português.

Perante os problemas de quem já cá está e os desafios de quem está para vir, o presidente da Associação dos Refugiados em Portugal tem uma solução: Usar os refugiados que já vivem no país para acolher e integrar os que estão para chegar, em vez de recorrerem a “quem não sabe nada sobre a vida e os direitos dos refugiados”.

“Vão receber um número elevado de refugiados, que fala árabe, que tem uma cultura e uma religião diferente da portuguesa. Há aqui já pessoas que conseguem comunicar com eles e que conseguem facilitar o acolhimento e a integração”, aponta Diaby Abdourahamane.

Sublinha que para ajudar alguém é preciso saber falar com essa pessoa e avisa que para pensar numa possibilidade de futuro, é preciso olhar para a realidade passada para não se cometer os mesmos erros.

“Deve haver um plano com a colaboração dos refugiados que já estão aqui”, defende o responsável, que pede um debate entre instituições, Governo e organizações que estão mandatadas para integrar os refugiados em Portugal, onde todos possam falar “olhos nos olhos”.

A legislação internacional estipula que os refugiados sejam obrigados a permanecer no primeiro país que lhes concede asilo, não podendo as pessoas viver ou trabalhar em outro que não aquele que lhes concedeu o estatuto.

Pede também educação linguística, formação profissional, acesso ao emprego e empreendedorismo e um plano realista para o acolhimento dos mais de 3 mil refugiados que estão para chegar.

Quer ainda que seja criada uma plataforma “à volta dos refugiados” para avaliar o impacto das medidas e fazer o acompanhamento permanente das famílias, bem como um plano de integração “realista” e possível de ser implementado.

“Se o país fosse receber obras de arte, para guardar num museu, podia receber cem mil. Mas se é para receber seres humanos, que pensam, sentem e necessitam de sobreviver, então têm que avaliar se é possível para entrar numa bondade inicial que pode acabar a frustrar pessoas”, aponta Diaby Abdourahamane.

Para o responsável, é importante que as pessoas percebam a diferença entre migrantes e refugiados porque o que provoca a crise dos refugiados é a guerra, enquanto a dos imigrantes tem a pobreza por trás.

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