Açoriano Oriental
O prodigioso Federer deixa a elegância como principal legado

O ténis perdeu o maior dos seus prodigiosos, com o suíço Roger Federer, ainda detentor de inúmeros recordes, a despedir-se com o estatuto de lenda e como o mais amado pelos adeptos nos quatro cantos do mundo.

O prodigioso Federer deixa a elegância como principal legado

Autor: Lusa /AO Online

Esqueça-se a discussão sobre quem é o melhor tenista de sempre - embora para os seus pares e para os adeptos da modalidade o suíço seja o número um; Federer é ténis e o ténis de Federer é perfeição.

As pancadas belíssimas e subtis, como se fossem fáceis, a deslocação no court, como se de um bailado se tratasse, um jogo estético, mais de classe e inteligência do que de força (a grande diferença para Rafael Nadal e para Novak Djokovic), e a postura de gentleman, dentro e fora de campo, tornaram-no único.

“Tem um serviço perfeito, um vólei perfeito, um golpe de direita mais do que perfeito, uma esquerda (a uma mão) perfeita. É muito rápido, tudo é perfeito nele”, descreveu ‘Rafa’, um fã confesso do classicismo do seu maior adversário, mas também grande amigo – a exemplar ‘rivalidade’ dos dois transformou o ténis e até o desporto, com ambos a confessarem terem-se tornado melhores jogadores por ‘culpa’ do outro.

Nascido em Basileia, a 08 de agosto de 1981, Federer começou a jogar ténis aos oito anos e, desde as primeiras pancadas, mesmo antes de se sagrar campeão suíço de juniores com apenas 14 anos, demonstrou ser “um diamante em bruto por polir”, como o próprio descreveu, referindo-se ao seu temperamento explosivo, uma página tantas vezes esquecida da sua história após décadas de demonstração de classe e elegância em ‘court’.

Essa memória distante, de um tenista petulante, incapaz de lidar com as contrariedades e destruidor de raquetes – aos 16 anos, o treinador ‘obrigou-o’ a limpar casas de banho como castigo -, foi evocada em 2018 pelo antigo número um e campeão de Wimbledon na categoria de juniores e poderá servir como ‘justificação’ para a conquista tardia do seu primeiro ‘Grand Slam’.

“Precisei de talvez dois anos para encontrar esse fogo e o gelo. O fogo para vencer, mas a ‘frescura’ do gelo para absorver as derrotas e os erros. Depois, a minha carreira descolou”, assumiu Federer, que, ao contrário de ‘grandes’ como Björn Borg, Rafael Nadal ou o seu ídolo Pete Sampras, teve de esperar quase pelos 23 anos para erguer o troféu do seu primeiro ‘major’, em Wimbledon, em 2003 – um título que dedicou, em lágrimas, ao seu antigo treinador Peter Carter, que morreu num acidente de viação no ano anterior.

Profissional desde 1998, ano em que se estreou no torneio de Gstaad, tornou-se na época seguinte o mais jovem até então, com 18 anos e quatro meses, a acabar entre o ‘top 100’ (64.º), numa altura em que tinha o cabelo ‘tingido’ de louro, um ‘look’ duvidoso que evoluiria para um ‘rabo de cavalo’ sob a bandana, uma das suas grandes imagens de marca.

Seria apenas o primeiro de uma série de recordes, alguns já superados, difíceis de contabilizar; desde que surpreendeu o mundo ao derrotar Sampras nos ‘oitavos’ de Wimbledon em 2001, num encontro hoje visto como uma passagem de testemunho, Federer escreveu algumas das páginas mais bonitas da história do ténis.

Primeiro a conquistar 20 ‘majors’ – foi, entretanto, ultrapassado pelo recordista Nadal (22) e por Djokovic (21) -, o suíço é o único tenista da história (homem ou mulher) a ganhar dois ‘Slams’ diferentes em cinco anos consecutivos, com triunfos em Wimbledon (2003 a 2007) e no Open dos Estados Unidos (2004 a 2008), um domínio avassalador que se estendeu durante quatro temporadas, nas quais conquistou 11 dos 16 títulos do ‘Grand Slam’ disputados.

Mas há mais: jogador mais velho a ser número um mundial (com 36 anos), foi também aquele que liderou o ‘ranking’ durante mais semanas consecutivas (237) e que mais participações em ‘Grand Slams’ contabilizou (81), com uma impressionante série de 23 meias-finais consecutivas e 36 presenças em quartos de final naqueles torneios.

Recordista de títulos em Wimbledon (oito), e também em Basileia (10), Halle (10), Dubai (8), Masters 1.000 de Cincinnati (7), e nas ATP Finals (6), foi na relva que engrandeceu a sua lenda, mas foi quando ‘quebrou’ a maldição na ‘catedral da terra batida’, sagrando-se campeão em Roland Garros (2009) e completando o ‘Slam’ de carreira, que confirmou a entrada no ‘Olimpo’ da modalidade.

A ascensão (sobretudo) de Nadal, seu lendário rival tornado grande amigo, e de Djokovic interrompeu o seu ‘reinado’, perturbado também por lesões, nomeadamente nas costas (2013 e 2016), e no joelho esquerdo (2016), ao qual foi operado duas vezes no mesmo ano, antes da derradeira e mais grave, a do joelho direito, que ditou o final da sua carreira.

Na despedida, o homem que “no coração será sempre um apanha-bolas” – foi-o em Basileia em 2003 - e que até ganhou uma Taça Davis pela Suíça (2014) terá apenas um lamento: não ter conquistado o ouro olímpico de singulares, algo que conseguiu em pares, ao lado de Stanislas Wawrinka em Pequim2008.

Os Jogos Olímpicos serão, ainda assim, talvez a competição mais marcante para Federer, que, em Sydney2000, conheceu a antiga jogadora de origem eslovaca Mirka Vavrinec, a mulher da sua vida e mãe dos seus quatro filhos, duas gémeas de 13 anos e dois gémeos de oito.

Filho de pai suíço de origem alemã e de mãe sul-africana, este ícone de estilo – assim o descreveu Anna Wintour, editora da Vogue – e poliglota (é fluente em suíço, alemão, francês e inglês, tendo conhecimentos de italiano e sueco) dedicou-se ativamente às ações sociais, nomeadamente na África do Sul, muitas vezes em parceria com Nadal – em 2020, na Cidade do Cabo, defrontaram-se perante 51.954 espetadores, no evento tenístico com maior assistência de sempre.

“Adoraria detestar-te, mas és demasiado simpático”, disse Andy Roddick, uma das principais ‘vítimas’ do suíço, após ser derrotado na final de Wimbledon, naquele que é um resumo perfeito do percurso bem-sucedido do homem que hoje pousou a raquete num encontro ao lado de Nadal, na Laver Cup, uma competição entre a seleção da Europa e a do Mundo que ajudou a criar.

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