Açoriano Oriental
“O mais importante na leitura das notas é o piloto ter confiança no que o navegador diz”

Com 25 anos de ralis e 100 provas no currículo, completadas num ano quase sem eventos devido à pandemia, Fernando Nunes é um dos mais experientes navegadores açorianos. Natural de Ponta Delgada, com 63 anos e já reformado, Fernando Nunes explica como o papel do navegador vai muito além do simples ditar notas, recorda os vários pilotos com quem correu, as histórias engraçadas e os altos e baixos de uma longa carreira no banco do lado direito


Autor: Rui Jorge Cabral

Que importância tem para si completar 100 ralis enquanto navegador?

Tem uma importância muito grande uma vez que é o concretizar de um sonho, ser navegador de ralis. No entanto confesso que quando comecei a fazer ralis nunca foi minha preocupação atingir este bonito número, mas sim desempenhar o meu papel com o maior rigor possível a fim de atingir objetivos para a equipa.

Quando é que começou a gostar de ralis e quando começou a correr?

Comecei a gostar de ralis muito novo, já lá vão 50 anos, influência do meu pai. Fiz o meu primeiro rali em 1995. A vontade de fazer ralis, muitos anos antes, foi muita só que, por diversos fatores, não foi possível fazer mais cedo. Quando tive oportunidade agarrei até aos dias de hoje e espero fazer por mais uns anos desde que tenha saúde e capacidades para o fazer. Aproveito para agradecer ao Luís Rego o convite para fazer o meu primeiro rali, depositando na minha pessoa confiança para o acompanhar.

Muitas vezes os navegadores ficam secundarizados em relação aos pilotos. Acha essa ideia errada, face ao trabalho que o navegador desempenha?

Quem tem esta ideia, na minha opinião, está errado. Piloto e navegador complementam-se. O sucesso durante um rali está no trabalho conjunto destes dois elementos.
Um piloto que tenha confiança no navegador e vice-versa é o caminho certo para atingir bons resultados e para que corra tudo bem.

Quais são os fatores que definem um bom navegador na preparação do rali, na leitura das notas e na relação com o piloto?

A cadência da leitura das notas é muito importante para um piloto porque define em grande parte o andamento no troço, o que terá reflexos no tempo efetuado no mesmo.
Durante um rali, por vezes, esta cadência altera-se, tendo em conta alguns fatores tais como, por exemplo, o tipo de piso, a classificação, etc., mas sempre com ritmo competitivo para não haver desconcentração. O mais importante na leitura das notas é o piloto ter confiança no que o navegador diz para que não haja hesitações, obviamente não influenciando o andamento. Eu como navegador preparo um rali no mínimo com quinze dias de antecedência com, por exemplo, a leitura exaustiva do regulamento e de toda a documentação que a um rali diz respeito, acompanhar a preparação da viatura, etc.Isto para quando chegar aos dias propriamente ditos do rali estar tudo em condições.

Acha que os reconhecimentos são tão ou mais importantes que o rali propriamente dito?

Acho que os reconhecimentos são muito importantes num rali. Digo isto com firmeza, tendo em conta que o andamento num troço, que é o que define a classificação num rali, tem a ver com as notas que são tiradas e corrigidas nos reconhecimentos.

Que melhores e piores recordações guarda da sua carreira nos ralis?

No meu primeiro rali - Volta à ilha de São Miguel em 1995 - fiz equipa com o Luís Rego no carro de treinos do José Miguel, um Ford Sierra Cosworth Grupo A. Foi uma melhor e pior recordação. Melhor porque foi o meu primeiro rali e a expectativa era muita... Pior porque quando o rali estava a correr-nos bem tivemos que desistir, após ter efetuado três troços, para ceder uma peça ao dono do carro, que corria também com um Ford e, no fim, o problema no carro do José Miguel não tinha nada a ver com a peça que nós cedemos. Frustração total! (nota da redação: José Miguel, navegado por Carlos Magalhães, acabou por ganhar o Rallye Açores de 1995 ao volante de um Ford Escort RS Cosworth de Grupo A). Outras boas recordações: a minha primeira vitória num rali, mais propriamente no Rali Ilha Azul, no Faial, no ano 2000 com o Luís Pimentel num Subaru Impreza Grupo A; o ter sido campeão regional das duas rodas motrizes em 2009 e 2011 com o Carlos Costa num Citroen C2 e, mais recentemente, os 25 anos de Ralis e os 100 Ralis com o Marco Soares num Citroen Saxo. No geral foram muitas as boas recordações, muito mais que as piores. Lembro-me de um rali que fiz com o Marco Martins, num Mitsubishi, que começou mal e no fim ficámos numa excelente classificação após diversas controvérsias.
Como piores recordações tirando a acima mencionada foi o despiste que tive num rali efetuado no Algarve, tendo fraturado uma vértebra. De resto, sempre que desistia era uma má recordação.

Os ralis são muito dados a peripécias e improvisos. Qual foi a situação mais insólita ou cómica que viveu num rali?

Considero a mais insólita e ao mesmo tempo cómica, aquando de um Rali na Ilha do Pico, estava a fazer o rali com o Marco Soares e logo no primeiro troço o cabo do acelerador rebentou... Como forma de solucionar a avaria, o Marco vira-se para mim e diz-me para tirar os atacadores das botas de rali para improvisarmos o cabo. Assim fiz e então fizemos a manhã toda do rali com o Marco a acelerar pelos atacadores e eu ditava as notas e metia as mudanças... Mesmo assim, nunca fomos últimos nos troços feitos nestas condições.

Imagina-se um dia a usar e ler as notas num tablet em vez do tradicional caderno de notas?

Esta é uma pergunta de difícil resposta. Sou uma pessoa apologista das tecnologias... No entanto e, neste caso, acho que em termos práticos as notas no tradicional caderno levam vantagem. Digo isto porque se tivermos que emendar uma nota ou até mesmo acrescentar algo durante um troço, a destreza de o fazer é mais fácil no caderno que no tablet.

Depois de um ano de 2020 muito atípico, como antevê a época de 2021?

Realmente o ano de 2020 é para esquecer em todos os aspetos. Sou otimista por natureza e, assim sendo, antevejo o ano de 2021 melhor que 2020, claro que com alguns condicionalismos, mas temos que pensar positivo e aguardar com fé e esperança. Aproveito a oportunidade para publicamente agradecer a todos os pilotos com quem fiz ralis: Luís Rego, Paulo Rego, Tomás Mesquita, Luís Pimentel, Marco Martins, Rui Torres, Carlos Costa, Sérgio Silva, António Costa, Pedro Ferreira, Rafael Botelho, Marco Medeiros e Marco Soares. Espero não me ter esquecido de ninguém, pela oportunidade que me deram em ter conseguido e atingido os meus objetivos. Enquanto tiver capacidades e houver quem continue a ter confiança para que eu me sente ao seu lado a ditar notas, podem contar comigo por mais uns anos.










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