Autor: Rui Jorge Cabral
Que importância tem para si completar 100 ralis enquanto navegador?
Tem uma importância muito grande uma vez que é o concretizar de um sonho, ser navegador de ralis. No
entanto confesso que quando comecei a fazer ralis nunca foi minha
preocupação atingir este bonito número, mas sim desempenhar o meu papel
com o maior rigor possível a fim de atingir objetivos para a equipa.
Quando é que começou a gostar de ralis e quando começou a correr?
Comecei a gostar de ralis muito novo, já lá vão 50 anos, influência do meu pai. Fiz o meu primeiro rali em 1995. A vontade de fazer ralis, muitos anos antes, foi muita só que, por diversos fatores, não foi possível fazer mais cedo. Quando tive oportunidade agarrei até aos dias de hoje e espero fazer por mais uns anos desde que tenha saúde e capacidades para o fazer. Aproveito para agradecer ao Luís Rego o convite para fazer o meu primeiro rali, depositando na minha pessoa confiança para o acompanhar.
Muitas vezes os navegadores ficam secundarizados em relação aos pilotos. Acha essa ideia errada, face ao trabalho que o navegador desempenha?
Quem tem
esta ideia, na minha opinião, está errado. Piloto e navegador
complementam-se. O sucesso durante um rali está no trabalho conjunto
destes dois elementos.
Um piloto que tenha confiança no navegador e
vice-versa é o caminho certo para atingir bons resultados e para que
corra tudo bem.
Quais são os fatores que definem um bom navegador na preparação do rali, na leitura das notas e na relação com o piloto?
A
cadência da leitura das notas é muito importante para um piloto porque
define em grande parte o andamento no troço, o que terá reflexos no
tempo efetuado no mesmo.
Durante um rali, por vezes, esta cadência
altera-se, tendo em conta alguns fatores tais como, por exemplo, o tipo
de piso, a classificação, etc., mas sempre com ritmo competitivo para
não haver desconcentração. O mais importante na leitura das notas é o
piloto ter confiança no que o navegador diz para que não haja
hesitações, obviamente não influenciando o andamento. Eu como
navegador preparo um rali no mínimo com quinze dias de antecedência com,
por exemplo, a leitura exaustiva do regulamento e de toda a
documentação que a um rali diz respeito, acompanhar a preparação da
viatura, etc.Isto para quando chegar aos dias propriamente ditos do rali estar tudo em condições.
Acha que os reconhecimentos são tão ou mais importantes que o rali propriamente dito?
Acho que os reconhecimentos são muito importantes num rali. Digo
isto com firmeza, tendo em conta que o andamento num troço, que é o que
define a classificação num rali, tem a ver com as notas que são tiradas
e corrigidas nos reconhecimentos.
Que melhores e piores recordações guarda da sua carreira nos ralis?
No
meu primeiro rali - Volta à ilha de São Miguel em 1995 - fiz equipa com
o Luís Rego no carro de treinos do José Miguel, um Ford Sierra Cosworth
Grupo A. Foi uma melhor e pior recordação. Melhor porque foi o meu
primeiro rali e a expectativa era muita... Pior porque quando o rali
estava a correr-nos bem tivemos que desistir, após ter efetuado três
troços, para ceder uma peça ao dono do carro, que corria também com um
Ford e, no fim, o problema no carro do José Miguel não tinha nada a ver
com a peça que nós cedemos. Frustração total! (nota da redação: José
Miguel, navegado por Carlos Magalhães, acabou por ganhar o Rallye Açores
de 1995 ao volante de um Ford Escort RS Cosworth de Grupo A). Outras
boas recordações: a minha primeira vitória num rali, mais propriamente
no Rali Ilha Azul, no Faial, no ano 2000 com o Luís Pimentel num Subaru
Impreza Grupo A; o ter sido campeão regional das duas rodas motrizes em
2009 e 2011 com o Carlos Costa num Citroen C2 e, mais recentemente, os
25 anos de Ralis e os 100 Ralis com o Marco Soares num Citroen Saxo. No
geral foram muitas as boas recordações, muito mais que as piores.
Lembro-me de um rali que fiz com o Marco Martins, num Mitsubishi, que
começou mal e no fim ficámos numa excelente classificação após diversas
controvérsias.
Como piores recordações tirando a acima mencionada
foi o despiste que tive num rali efetuado no Algarve, tendo fraturado
uma vértebra. De resto, sempre que desistia era uma má recordação.
Os ralis são muito dados a peripécias e improvisos. Qual foi a situação mais insólita ou cómica que viveu num rali?
Considero a mais insólita e ao mesmo tempo cómica, aquando de um Rali na Ilha do Pico, estava a fazer o rali com o Marco Soares e logo no primeiro troço o cabo do acelerador rebentou... Como forma de solucionar a avaria, o Marco vira-se para mim e diz-me para tirar os atacadores das botas de rali para improvisarmos o cabo. Assim fiz e então fizemos a manhã toda do rali com o Marco a acelerar pelos atacadores e eu ditava as notas e metia as mudanças... Mesmo assim, nunca fomos últimos nos troços feitos nestas condições.
Imagina-se um dia a usar e ler as notas num tablet em vez do tradicional caderno de notas?
Esta é uma pergunta de difícil resposta. Sou uma pessoa apologista das tecnologias... No entanto e, neste caso, acho que em termos práticos as notas no tradicional caderno levam vantagem. Digo isto porque se tivermos que emendar uma nota ou até mesmo
acrescentar algo durante um troço, a destreza de o fazer é mais fácil no
caderno que no tablet.
Depois de um ano de 2020 muito atípico, como antevê a época de 2021?
Realmente o ano de 2020 é para esquecer em todos os aspetos. Sou
otimista por natureza e, assim sendo, antevejo o ano de 2021 melhor que
2020, claro que com alguns condicionalismos, mas temos que pensar
positivo e aguardar com fé e esperança. Aproveito a oportunidade para
publicamente agradecer a todos os pilotos com quem fiz ralis: Luís
Rego, Paulo Rego, Tomás Mesquita, Luís Pimentel, Marco Martins, Rui
Torres, Carlos Costa, Sérgio Silva, António Costa, Pedro Ferreira,
Rafael Botelho, Marco Medeiros e Marco Soares. Espero não me ter
esquecido de ninguém, pela oportunidade que me deram em ter conseguido e
atingido os meus objetivos. Enquanto tiver capacidades e houver quem
continue a ter confiança para que eu me sente ao seu lado a ditar notas,
podem contar comigo por mais uns anos.