Açoriano Oriental
Responsáveis pela Escola Regional de Artesanato de Santo Amaro do Pico
Alzira e Conceição Neves, uma vida dedicada ao artesanato

As irmãs Alzira e Conceição Neves fundaram a Escola Regional de Artesanato de Santo Amaro (ERASA), na ilha do Pico, em 1986 por onde passaram largas dezenas de pessoas para aprender a confecionar produtos tradicionais mas, mais do que a instituição, os nomes das gémeas acabam por ser também uma marca indissociável das tradições açorianas.

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Autor: Célia Machado

Há alguns anos eram conhecidas pelas partidas que faziam, trocando de identidade, apresentando-se como apenas uma pessoa que, num abrir e fechar de olhos, mudava de roupa e de localização mas o artesanato foi sempre levado a sério.

As artesãs e a própria escola receberam distinções locais e regionais, viveram tempos muito bons e souberam fintar as adversidades porque "nunca faltou vontade de trabalhar", frisam. Alzira e Conceição têm dedicado a sua vida ao artesanato, sem horários, sem dias de descanso, mas com muito empenho e talento. Falam com orgulho no trajeto feito mas urge garantir a continuidade da escola, pois esta "não pode fechar", afirmam preocupadas.

Quando fundaram a ERASA, há 31 anos, não eram apenas duas donas de casa com vontade de fazer algo diferente; havia já um grande trabalho efetuado no ensino de diversas artes, em parte devido aos dotes que carregam nos seus genes. Numa conversa informal para recordarem o caminho trilhado até à atualidade, é Alzira quem começa por falar sobre os primeiros ensinamentos. "Tinhamos uns quatro anos e fizemos logo uma longa trança de palhinha de trigo... Nem podíamos com ela. Foi suficiente para a nossa mãe coser uma esteira para cobrir o chão de toda a sala". Estavam dados os primeiros passos. Com o tempo, foram aprendendo outras artes em família. Alzira Neves, aos 13 anos, aproveitando que a irmã mais velha estava no Faial, foi também para aquela ilha para receber formação em "corte e costura". Os ensinamentos eram pagos e o material que necessitava era caro mas Alzira conseguiu o que pretendia. "Eu era franzina. A professora até ficou admirada quando soube que era eu quem ia ter aulas com ela mas das 20 aulas necessárias para concluir a formação, necessitei apenas de dez. Foi quando ela me disse que já não tinha mais nada para me ensinar", recorda. Regressou então ao Pico para partilhar gratuitamente, com outras jovens santamarenses, o que acabara de aprender. A ela juntou-se a irmã gémea Conceição, mas na área dos bordados. Durante vários anos foram alargando o seu leque de educandas, que passou a contar também com mulheres das vizinhas freguesias da Prainha, Ribeirinha e Piedade.

O local das formações foi variando e as responsabilidades também. "A determinada altura tivémos de tirar o nono ano de escolaridade para podermos continuar a dar os nossos cursos e termos, então, o apoio do Governo Regional", afirmam orgulhosas. Eram as responsáveis pelos cursos de "Educação Permanente", tão apreciados pelas mulheres, que ficavam assim a saber um pouco de tudo. "Até peças de teatro organizámos", sublinha Conceição.

Nascimento da ERASA

Dedicadas ao artesanato, chegaram a ter 30 mulheres a trabalhar em diversas artes (lã, costura, ráfia, palhinha de trigo, escamas de peixe) e a venderem o que produziam. Aqui, já Alzira e Conceição Neves participavam em feiras e outras iniciativas para promoção e venda dos produtos artesanais. "Estávamos em São Miguel, num desses evento, quando a dona Marieta Medeiros, grande impulsionadora do artesanato nos Açores, e Tomaz Duarte Júnior, então secretário regional dos Transportes e Turismo, incentivaram-nos a criar uma cooperativa pois sabiam o trabalho que estávamos a desenvolver", diz Alzira Neves, ao que a irmã acrescenta: "mas eu nunca gostei de cooperativas e, por isso, pensámos que o melhor seria abrir uma escola". E assim foi. O Governo Regional adquiriu uma casa e financiou também as obras necessárias para que ali nascesse a Escola Regional de Artesanato de Santo Amaro. A este edifício, com receção, museu e oficina, junta-se um segundo, pertencente a Alzira, destinado a salas de trabalho. Estava dado o pontapé de saída para o que seriam os anos áureos do artesanato na mais pequena freguesia do Pico.

Declínio e ascensão

Tiveram 33 pessoas na escola, na sua maioria mulheres, que aprenderam desde a trança em palhinha à feitura de bonecas em casca de milho. Havia um grupo folclórico, davam-se aulas de chamarrita, ensinava-se música e as formações de artesanato sucediam-se.

"Até 2001 a ERASA recebia verbas do Fundo Social Europeu (FSE) para financiamento dos cursos que aqui eram ministrados. Nesse ano, o apoio chegou ao fim. Aliás, já o último curso teve de ser suportado pela ERASA porque, embora inicialmente tivesse ficado certo que seríamos apoiados pelo FSE, no final recusaram-se a cumprir o acordado e nós tivemos de recorrer à banca. Fomos ao fundo", explica Conceição.

Seguiram-se anos difíceis em que deixaram de dar formações e de ter funcionários. Ficaram apenas as gémeas e ponderaram fechar a porta.

Há poucos anos, com o apoio do Centro Regional de Apoio ao Artesanato, orientado por Sofia de Medeiros, a ERASA pôde voltar a respirar com mais algum alívio. A escola recebeu uma residência criativa, realizaram-se algumas formações, dentro e fora do Pico, e as gémeas apresentaram a sua bijuteria em pedra da ilha e palhinha de trigo, tingida e natural. Ainda assim, os turistas continuam a preferir os brincos em escamas de peixe.

Santo Amaro, como outras freguesias dos concelhos de São Roque e Lajes, continua de fora do circuito principal dos operadores turísticos mas, como há cada vez mais turistas a optarem por explorar a ilha ao volante de uma viatura alugada, a escola tem ganho visitantes. "Agora somos também um ateliê aberto aos turistas. Chegam cá, veem um trabalho, querem aprender como se faz e nós ensinamos logo", sublinham.

Salientam que "o voluntariado das gémeas está a terminar" mas sentem-se realizadas pela atividade que escolheram.

Alzira e Conceição Neves lá continuam na Rua Barão Manuel Nunes Melo, na freguesia de Santo Amaro, com as portas da escola abertas a quem queira visitar aquele espaço. Será Alzira ou será Conceição? Também elas têm dúvidas já que, nos primeiros anos de vida, muitas vezes a família trocou os seus nomes.


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