Açoriano Oriental
“Vir para os Açores foi uma redescoberta da minha vida”

Marco Torre. A música na sua vida é algo natural porque vem de uma família de músicos de Cascais. Todas as etapas da sua vida são de crescimento e de aprendizagem. Sabia que a sua vinda para os Açores seria marcante e já não pensa em voltar. Elege como vertente favorita o seu lado pedagogo


“Vir para os Açores foi uma redescoberta da minha vida”

Autor: Susete Rodrigues

Marco Torre, natural de Cascais, está nos Açores desde 2006. Com ele trouxe o gosto pela música, o gosto de tocar e de ensinar. Aliás, tem uma ligação natural à música porque vem de uma família de músicos. 

Começou a ter aulas numa banda filarmónica da zona de Malveira da Serra, tinha na altura seis anos. Refere que “grande parte da minha família tocava nessa banda. Lembro-me de ficar em casa a chorar quando o meu pai não me deixava ir com ele tocar”, acrescentando que tem “uma recordação muito grata, de ir acompanhar o meu avô nas marchas da terceira idade. Era onde me deixavam tocar e foi rapidamente um vício que tomou conta de mim”. Por isso, “sempre me lembro de querer ser músico. A música fazia todo o sentido. Tinha os meus primos, os meus tios, o meu avô, o meu pai e fazia parte do meu universo chegar ao fim de semana e ir ensaiar e tocar. A música era natural”.

No seu percurso teve diferentes momentos e de todos eles tirou uma grande lição: o de pensar que já sabia muito, mas ainda tinha muito para aprender. “Na minha banda filarmónica era o melhor aluno, mas quando entro na escola de música em Cascais, aprendi que me faltava muita coisa. Quando saí desta escola fui para o Conservatório Nacional - fui dos primeiros alunos de tuba do Conservatório - tive novamente essa sensação de não saber nada, pensando que já sabia alguma coisa”, revela, para explicar que isso foi muito bom, porque todas as vezes que aconteceu “trouxe-me de volta à terra”.

No caminho de Marco Torre esteve o Exército e depois o curso de Sargentos que “possibilitou-me entrar no quadro do Exército. Quando acabei o curso de Sargentos entrei numa universidade de música. Houve também a oportunidade de concorrer para Orquestra Sinfónica Portuguesa e fiquei”. Portanto, todas estas etapas “foram-me trazendo um crescimento que considero muito saudável”. 

Refere que sua vivência musical tem sido de “ir abrindo portas e continuo a fazê-lo”, porque está a frequentar um Mestrado em música: “Já não estudava música há algum tempo, depois da licenciatura fui estudar Património Cultural na Universidade dos Açores e agora voltei a estudar música”, disse para sublinhar que “mais uma vez voltei a colocar os pés no chão, porque voltei a ter professores, a fazer trabalhos, a ser avaliado. Portanto, a minha vida, a nível de música, tem sido um constante abrir de portas”.

Sabia que a sua vinda para os Açores seria marcante, mas adiou ao máximo, não por não gostar de mudança – pelo contrário – mas por ter acontecido numa altura em que mais portas se abriram a nível profissional. “Foram anos incríveis, ou seja, tenho a oportunidade de tocar com a Orquestra Sinfónica Portuguesa, estava num projeto de música alternativa – em que ganhamos um prémio – e estávamos a fazer tournées, gravei umas coisas com o Rodrigo Leão que era um ídolo que tinha. Tudo isto a acontecer e ao mesmo tempo teria que deixar tudo para vir para os Açores”, conta.

Passados 18 anos de estar nos Açores, afirma que de facto “esta mudança trouxe algo de positivo e não pensei mais em regressar. Deixei tudo, mas vim conhecer um mundo novo. Foi uma redescoberta da minha vida, fazer coisas que não tinha feito, trabalhar em outras áreas, com outras pessoas, conhecer uma realidade distinta”.

E o que o faz ficar nos Açores neste momento e saindo da música, são “os meus quatro filhos que são incríveis, que estão muito bem estabelecidos cá. Também é uma questão de não existir rotinas, não gosto de rotinas, até os caminhos que faço não são os mesmos todos os dias”, disse, explicando que os “Açores têm uma particularidade – e não me levem a mal - é muito bom porque está tudo praticamente por fazer, pese embora muita coisa estar a ser feita, mas pode-se fazer mais e podemos ter muito trabalho na área da cultura”.

Marco Torre está muito associado às bandas filarmónicas dos Açores, mas só quando cá chegou é que começou a trabalhar com as bandas, primeiro com banda nos Fenais da Luz e depois acolheu o projeto da Academia Musical na Ribeira Grande, em que “trabalhamos durante quatro anos, mas infelizmente o meu futuro não se encaminhou para esse lado e tive que deixar o projeto. Mais tarde surge o convite para ficar com a Orquestra Ligeira de Ponta Delgada, trabalhar diretamente com a Câmara de Ponta Delgada e com um projeto incrível. Sou o segundo maestro deste projeto, o maestro José Matos é que fundou a orquestra”. 

Perante esta aposta da autarquia de Ponta Delgada foi-lhe feito o convite para criar um projeto de raiz numa freguesia que nunca teve uma banda filarmónica, que foi a Escola de Música em Santa Bárbara. Na ocasião Marco Torre utilizou uma “metodologia chamada ‘plus band’, que faz com que do zero se possa juntar uma quantidade de alunos - nesse caso foram cerca de 30 - e ensinar todos ao mesmo tempo - e haver uma progressão contínua e eles serem dependentes uns dos outros”, disse, para sublinhar que fundar uma banda filarmónica é um “processo muito moroso, dez anos não chega. Formar um músico demora entre três a quatro anos, formar 30 para ter uma banda, se calhar dez anos não chega”. 

A Escola de Música em Santa Bárbara não está em funcionamento neste momento por “questões logísticas, ou seja, o projeto foi implementado, correu bem e agora depende da constituição de uma associação para poder concorrer a apoios”. 

A estes projetos junta-se também a Banda Fundação Brasileira onde é maestro, e o programa ‘Filarmonia’ que tem na Antena 1/Açores há 15 anos que “é dedicado às bandas filarmónicas dos Açores”. Existe também uma outra vertente que Marco Torre elege como favorita, o seu lado pedagogo: “O facto de poder trabalhar como professor no Conservatório Regional de Ponta Delgada - neste momento sou também responsável pela Orquestra de Sopros do Conservatório - faz com que a responsabilidade seja grande”, afirma, para sublinhar que no ensino artístico, “os alunos são o reflexo do professor e gosto de frisar o orgulho de poder ser professor, porque desde cedo olhava para os professores como uma referência. Poder estar neste lugar é algo de muita responsabilidade, faço de coração aberto. Sou um professor muito chato, mas é para o bem, no sentido de que eles sejam um reflexo do meu lado bom”.

No futuro, Marco Torre gostava que os Açores tivessem uma escola superior de música ou uma escola profissional de música. Gostaria também de “estar implicado na recuperação da história musical dos Açores, fazer um levantamento de compositores açorianos, da sua música. Já foram feitos alguns, mas falta o outro lado, por exemplo a música erudita, das bandas filarmónicas”.

PUB
Regional Ver Mais
Cultura & Social Ver Mais
Açormédia, S.A. | Todos os direitos reservados