Açoriano Oriental
Moda nacional com ADN açoriano

Dados do Centro Regional de Apoio ao Artesanato dos Açores (CRAA) confirmam: existem 14 tecedeiras certificadas no arquipélago. Eduarda Vieira, natural da ilha Terceira, é uma delas. Não gosta de participar nas feiras do sector e não acredita que o turista, que hoje chega às ilhas, seja o principal destinatário da produção local. Há 3 anos que ensina - voluntariamente - um grupo de seniores a tear e trabalha exclusivamente por encomenda. A última foi para a marca de acessórios de moda slow fashion Marita Moreno.



Autor: Cátia Carvalho/AO online

A proprietária de uma antiga loja de artesanato no centro da cidade de Angra do Heroísmo lançou-lhe o desafio: não queres aprender a tecer? Eduarda, na altura com 17 anos, aceitou. E nunca mais parou. “O tear encanta, o seu som enche a alma e eu fiquei fã desde o primeiro dia”, confidencia. Embora a tecelagem represente uma das primeiras indústrias tradicionais dos Açores, a arte do tear - tanto em lã como em linho ou algodão – não tem ganho seguidores. “Aparecem pessoas interessadas em conhecer as técnicas base, mas num registo amador. O problema é que as tecedeiras mais antigas, as que me ensinaram a mim, estão a desaparecer e não há forma de cativar os mais jovens porque é um ofício bastante físico e moroso. Vejo-o pelo meu filho de 16 anos”.

A continuidade de uma das maiores manifestações de arte popular dos Açores está em risco não só pela falta de mãos, mas também pela falta de meios. “Antes da internet era muito complicado conseguir as matérias-primas que se utilizam na tecelagem. A maioria dos materiais e teares com que trabalho tiveram de ser importados. São peças cada vez mais raras”.

Eduarda nunca conseguiu fazer do hobby profissão, mas isso não a deteve de procurar novas formas de trabalhar. “Nunca tive volume de produção que justificasse um espaço aberto. Trabalho por encomenda. Vendo essencialmente para o mercado da saudade, mas não só. A tecelagem pode ter aplicações muito diferentes das tradicionais, não são só colchas de retalhos e trajes de folclore”.

O ano passado, durante a formação “Inovar as Artes & Ofícios dos Açores” promovida pelo CRAA em parceria com a Associação de Desenvolvimento Regional Grater, a artesã terceirense conheceu Marita Setas Ferro, directora criativa e fundadora da marca portuguesa Marita Moreno. A química foi imediata. “A marca que criei pretende valorizar o trabalho dos artesãos certificados. As colecções são compostas maioritariamente por têxteis artesanais de diversas partes de Portugal”, explica a designer. “Quando estive na ilha Terceira, estava a desenhar a coleção SS18 e a Eduarda mostrou-me alguns dos têxteis que produzia. Os padrões, as cores, as texturas fizeram clique! Quando regressei ao meu atelier finalizei a linha AZORES e encomendei 4 têxteis diferentes”.

Eduarda, que prefere distanciar-se das feiras e certames do sector, estava longe de imaginar que veria, um dia, o seu trabalho exposto nas montras do mundo. “Não gosto de participar nesses eventos porque o público ainda não respeita devidamente o trabalho do artesão. No inicio, quando participava, ouvia com frequência ‘isso é muito caro’ ou ‘também consigo fazer igual em casa’. Prefiro vender através da minha página no facebook ou do blogue que criei com a ajuda do meu filho. Pedem-me produtos tanto para cá como para fora. Tenho peças um pouco por todo o lado, no Brasil, nos Estados Unidos, na Europa e até no Dubai, mas nunca imaginei fazer parte da colecção de uma marca nacional. É um sonho tornado realidade, algo que ainda me custa a acreditar».

A linha Azores, inspirada nos motivos tradicionais das colchas das ilhas e finalizada com os têxteis que Eduarda produziu durante 5 meses num tear artístico de mesa, é composta por 4 variações de um modelo de “sapato de biqueira longa, com calcanhar baixo, bastante feminino e delicado” descreve Marita. “As peças – limitadas a 50 pares por modelo – privilegiam os recursos endógenos nacionais e as pequenas fábricas familiares. Estamos a trabalhar para nos tornarmos numa marca 100% sustentável”, esclarece.

Para a artesã da Terceira, a sustentabilidade do artesanato ilhéu não passa pelo turismo. “Quem nos procura, procura-nos sobretudo pelas experiências, não vem direcionado para a lembrança ou para o souvenir, mas não é por causa disso que vamos deixar morrer a tradição. Há 3 anos que sou formadora voluntária na Academia Oeste de Santa Bárbara. Trabalho com seniores, todos acima dos 55 anos. Quando vejo que as minhas primeiras alunas já se sentem à vontade para ensinar e ajudar as que se juntaram a nós mais tarde, sei que o meu trabalho ficou feito porque a informação e o conhecimento sobre este ofício não irão morrer ali».

Marita Moreno depois de ter sido distinguida em Março deste ano com o prémio FOMA – Symbol of Harmony Award, um galardão que premeia a harmonia, qualidade, conforto e preocupação ambiental, foi convidada pela organização da Eco Fashion Week a participar na Semana da Moda Sustentável realizada na Austrália durante o mês de Novembro. Antes de terminar o ano, Eduarda Vieira, a convite de Marita, levará o repasso açoriano até à prestigiada Carrousel des Métiers d’Art et de Creátion, uma feira dedicada à arte e às criações artesanais que se realiza em Paris entre 6 e 9 de Dezembro e que recebe mais de 30 mil visitantes em cada edição.

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