Açoriano Oriental
“Gosto de desafios, de colocar-me a pensar e de criar. Sou um criador, gosto de criar personagens”

Frederico Amaral. Saiu de São Miguel aos 17 anos rumo ao Porto para iniciar a sua formação como ator, uma decisão que não tomou de ânimo leve porque iria deixar a mãe sozinha e não sabia que desfecho teria. Agora agradece à mãe por ter acreditado que era este o seu caminho


“Gosto de desafios, de colocar-me a pensar e de criar. Sou um criador, gosto de criar personagens”

Autor: Susete Rodrigues

Foi a interpretar a personagem Rodolfo ‘Rena’ na novela da TVI “I Love It”, em 2013, que o público português ficou a conhecer Frederico Amaral. “Foi a minha rampa de lançamento para me dar a conhecer ao grande público. Nem sempre através do teatro e do cinema é tão fácil as pessoas nos conhecerem”, disse o ator micaelense, explicando que na altura “queriam uma personagem açoriana, fiz a audição e correu bem”.

No entanto, até que a ‘caixinha mágica’ nos desse a conhecer o ator, Frederico Amaral já tinha pisado muitos palcos de teatro, por isso diz que o seu percurso foi-se fazendo através das pessoas que “fui conhecendo, porque trabalho gera trabalho. Fazes uma peça e depois aquela pessoa gosta de ti e convida-te para outra peça e o meu percurso foi sendo feito assim”.

Como ator gosta de fazer de tudo um pouco, “gosto de, não só provocar o público, mas também a mim. Gosto de desafios, de colocar-me a pensar e de criar, sou um criador, gosto de criar personagens, trabalhar sobre os textos, de ensaios, porque leva-nos a zonas muito interessantes da criação”.

Para Frederico Amaral é no teatro que se sente pleno, é o seu pilar, porque “é onde o coração palpita com mais intensidade, apesar de que quem faz televisão ganha um bichinho porque as histórias são muito interessantes e gosto de criar personagens diferentes, com capacidades diferentes, como costumo dizer: ‘viver com outros sangues’”.

E como é que o teatro entra na vida de Frederico Amaral? Surge de uma forma espontânea porque foi ver uma peça. Não se recorda se foi no Teatro Micaelense ou no Coliseu Micaelense, mas viu “uma peça da Máquina do Tempo, do João Mendonça. Gostei muito de os ver em palco e pensei: gostava também de estar ali. Aquilo despertou algo em mim e fui à procura da Máquina do Tempo que me receberam de braços abertos. Fiz a minha estreia no Teatro Ribeiragrandense com peça “A Carochinha””. Certo é que ainda criança as artes “sempre despertaram algo em mim. Gostava de cantar, de estar em casa e fazer personagens, brincava muito a isso, mas nunca pensando que um dia fizesse parte da minha vida profissional”.

Depois da sua estreia no Teatro Ribeiragrandense, Frederico Amaral foi ‘desafiado’ por uma amiga de família a fazer umas provas na Academia Contemporânea do Espectáculo – Escola de Artes. “Inscrevi-me e fui ao Porto com a minha mãe fazer as provas e tive a sorte de entrar, e de a minha vida mudar completamente”. Foi lá que fez a sua formação durante três anos, “onde fui muito feliz, aprendi muito profissionalmente, humanamente, também cresci como pessoa, porque fui lançado para a vida adulta e penso que tudo isso deu-me uma bagagem para ser ator. Realmente tive excelentes profissionais, excelentes professores, criou-se uma família naquela escola e mudou a minha vida”, afirma.

Nesta altura Frederico Amaral tinha 17 anos e deixar a ilha não foi fácil. Revela que foi mesmo uma altura complicada, porque “tinha acabado de perder o meu pai e deixar a minha mãe em São Miguel sozinha - a minha irmã já estudava fora - não foi uma decisão tomada de ânimo leve”, disse, para elogiar e agradecer à mãe: “Tiro o chapéu à minha mãe, porque ela foi muito corajosa em acreditar e a confiar que este era o caminho do seu filho, apesar de não se saber o que iria acontecer. Não poderia desiludir a minha mãe e lutei muito, estudei muito para conseguir chegar mais longe, pelo menos acabar o curso, era esse o meu grande objetivo. Hoje em dia, com todas as conquistas que fui conseguindo ao longo dos anos, digo muitas vezes à minha mãe obrigado. Obrigado por teres acreditado que era possível e que valeu a pena”.

Questionado se ao longo do seu percurso teve algum entrave devido à sua pronúncia micaelense, o ator refere que depois de fazer a novela da TVI, de certa forma, ficou conotado como o açoriano, alto e que fala assim (com pronúncia). “Infelizmente existe ainda um bocado, nesta profissão, o estigma e o preconceito. É o: ‘tu és isto e não consegues fazer mais nada’. Às vezes é difícil desconstruir esse estigma, mas fui lutando esses anos todos, a bater o pé, para afirmar que ‘eu não sou só isto, não sou só o açoriano, tive formação, sou capaz de fazer outras coisas e, tenho tentado, com as oportunidades que tenho tido, desconstruir esse preconceito”.

Frederico Amaral não esquece as suas raízes, a sua ilha, os Açores, e tem muito orgulho em dar a conhecer aos seus dois filhos (de 9 e 6 anos) e à sua mulher este “paraíso na terra”, como disse. O ator revela que a brincar costuma dizer que “conquistei a minha mulher através dos Açores  - a atriz Marta Andrino que conheceu em 2013 na novela “I Love It” - porque a levei a São Miguel. Ela não conhecia e apaixonou-se por mim”. Mais a sério, frisa que lhe enche de orgulho “ver os meus filhos falarem dos Açores com todo o amor com que falam e a vontade que eles têm de ir aos Açores”, sublinhando que “é sempre bom voltar às minhas origens. O meu filho mais velho pergunta porque é que não vamos viver um ano para os Açores, eu sei que eles gostavam. Mas tenho que lhes explicar que por vezes é preciso sair para conquistar outras coisas... não sei quem é que disse que ‘a pior maneira de ficar na ilha é sair dela’, porque realmente as saudades são muitas, a família vai envelhecendo, mas felizmente temos a oportunidade de irmos muitas vezes, passear, de estar com a família, com os amigos e dar a conhecer o melhor que os Açores têm, e acima de tudo, mostrar a grande humanidade que existe no coração de cada açoriano”.

Se já pensou em regressar, o ator confessa que sim, mas não para já: “Já me passou pela cabeça regressar. Quando os meus filhos estiveram formados, com as suas vidas feitas. Porque não poder trabalhar através dos Açores e vir ao continente fazer teatro, novelas? Se achar que faz sentido, porque não? Mas por enquanto ainda é muito cedo”, afirmou.

Frederico e a sua família visitam São Miguel várias vezes, até porque têm cá, a ‘Casa Família Açoriana’, um projeto de alojamento local que surgiu do gosto do casal em querer adquirir uma casa na ilha, preferencialmente que fosse entre Vila Franca do Campo e Ponta Delgada. Foram à procura, “encontramos uma, mas depois já não quiseram vender”, mas encontraram outra, porém, “por um valor muito acima do que queríamos, mas ficamos encantados, sentimos um sinal de que era aquela a casa”. Assim foi, fizeram obras durante a pandemia e depois acharam que uma casa “daquele tamanho ficar fechada não seria o ideal porque não conseguíamos estar ali o ano inteiro e decidimos tornar em alojamento local”. 

Frederico Amaral conta que “construímos tudo ao nosso gosto, o mais sustentável possível. Nós é que restauramos grande parte da casa, por exemplo fizemos uma mesa com uma porta que lá existia, um candeeiro com um escadote, tentamos com que a casa ficasse o mais familiar e por isso demos o nome de ‘Casa de Família Açoriana’ e realmente todos os hóspedes que têm lá passado dizem que é uma casa longe de casa. Sentem-se em casa”.

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