Açoriano Oriental
#Produto
Da Graciosa, com doçura

As queijadas que hoje se assumem como um símbolo da ilha branca têm origem numa receita ancestral que outrora esteve em risco de cair no esquecimento



Autor: Made in Açores

A ideia de uma herança remete tipicamente para algo material, passível de ser avaliado e encaixado em folhas de cálculo. Na realidade, muitas vezes, o que se herda não encaixa em fórmulas matemáticas e pode ter mesmo um valor incalculável. Sara Félix sabe-o bem, sendo ela herdeira de um legado em forma de doce, fruto de um sonho que graciosamente agora assume como seu.


Aquela que se tornou na receita de todos os seus dias mantém-se intocada, tão genuína quanto a que sua mãe, Maria de Jesus, lhe ensinou. As queijadas que hoje replica eram já confecionadas na cozinha da sua infância mesmo antes de Sara Félix nascer. “A minha mãe fazia-as para as festas de anos dos meus irmãos, que são mais velhos que eu, e para as minhas festas também”, recorda.


Não era só na sua casa que este doce tinha presença obrigatória. Antes de ter nome de ilha, chamavam-lhe 'Covilhete de Leite' e era confecionado em muitas outras casas, para tantas outras festas. Sara Félix crê que a sua origem remonta há mais de um século, embora não o consiga precisar com certeza. Com o passar, foi passando para segundo plano nas festas e reuniões familiares e a desaparecer de muitos pratos, mas nunca dos da sua casa. Maria de Jesus fazia questão de as continuar a fazer, e amigos e família faziam questão de as continuar a pedir.


A dada altura, este círculo de admiradores começou a alargar-se e a sua confeção a exigir mais tempo e atenção. “Foi há cerca de 40 e poucos anos que tudo começou, numa pequena cozinha separada que a minha mãe decidiu construir. Começou como uma coisa muito pequenina e foi crescendo” relata Sara Félix. Estando ou não nos seus planos, foi assim que Maria de Jesus acabou por se tornar a responsável por dar uma nova vida àquele que se viria a tornar o doce típico da sua ilha, atualmente registado sob o nome Queijada da Graciosa e o primeiro produto a ser detentor do símbolo Marca Açores.


Com este novo prestígio dado a uma receita ancestral veio também uma nova forma, a que hoje em dia reconhecemos e que a distingue de outras queijadas típicas.


Sara Félix confessa não conhecer os contornos da história que deram à queijada este recorte com cinco pontas, talvez de estrela ou até de flor, conforme o caminho escolhido pela imaginação. “Era muito pequena quando o meu pai mandou fazer as formas e não me lembro de mais pormenores. Sei que antes eram redondas, mas nem eu tenho memória disso. Lembro-me sempre delas assim, como são hoje", assume.


Embora a procura seja grande, a fábrica mantém-se relativamente pequena. “A última grande expansão que fizemos foi há 26 anos, já tem muito tempo”, relata Sara Félix que diz contar apenas com seis pessoas para ajudar. “Na época baixa, conseguimos dar conta do recado. Como já temos um certo andamento e tudo organizado, conseguimos dar resposta”, explica.


Atualmente, a queijada da ilha branca chega às grandes superfícies comerciais e está presente em todas as ilhas dos Açores, Madeira, Portugal continental. Sara Félix acrescenta que tem também um lugar especial ainda mais além. “Temos procura de muitos sítios, mas muito dos emigrantes, o mercado da saudade”, sublinha. Acrescenta que o turismo veio também dar uma ajuda. “É bom para tudo. Quanto mais pessoas há a circular, mais se vende”, afirma.


Para além dos desafios diários, Sara Félix confessa não conseguir apontar grandes dificuldades no negócio. “Tudo se faz”, resume sem rodeios, acrescentando que até na pandemia encontrou formas de crescer. “Como esteve tudo mais parado, aproveitei o tempo para experimentar. Quis fazer algo diferente, para adoçar a vida das pessoas, e foi assim que lancei as Queijadas da Graciosa com amêndoa, perto da altura do Natal”.


Para além desta variação, existe ainda uma outra versão que, apesar de não ser tão frequente de encontrar, é para Sara Félix tão antiga quanto a original. “A Queijada de Coco a minha mãe sempre fez, desde que me lembro”, garante. Confessa que o novo ano que se avizinha lhe cheira a novidades, um par delas para ser mais exata, mas ainda não estão prontas a sair do forno.


“Para o ano é que vou pensar nisso, este ano ainda não”, diz pacientemente. “Tenho duas ideias mas ainda não são certezas. Não depende só de mim aprová-las, é uma decisão que será tomada em conjunto com os meus irmãos e o meu pai”.


É assim que a Queijada da Graciosa permanece tão familiar e genuína como no início. Graças ao empenho em preservar uma receita ancestral, os outrora 'Covilhetes de Leite' saíram de casa e deixaram de ser doces só para dias de festa.


Hoje representam uma ilha inteira, são um dos símbolos de todo um Arquipélago e continuam a missão maior de unir uma família em torno de um sonho, deixado por uma mãe e esposa que, apesar de fisicamente ausente, está presente nesta doce herança cujo valor não nos cabe calcular.

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