Açoriano Oriental
Socióloga não acredita em regressão de direitos dos ciganos, mas alerta para anticiganismo

A socióloga Maria Manuela Mendes, com investigação sobre temas ciganos, não acredita que possa haver uma regressão nos direitos das pessoas ciganas, mas alertou para o aumento do anticiganismo e para a “urgência” da falta de habitação.


Autor: Lusa /AO Online

Em declarações à agência Lusa, por ocasião do Dia Internacional das Pessoas Ciganas, que se comemora na segunda-feira, a investigadora no Centro de Investigação e Estudos de Sociologia do Instituto Universitário de Lisboa (CIES-Iscte) defendeu que o processo de democratização e consolidação da democracia desde há 50 anos impede que haja um retrocesso nos direitos das pessoas ciganas em Portugal.

“Há muitas coisas que mudaram, nomeadamente este reaparecimento de populismos mais extremados e de direita, que podem colocar alguns desafios”, apontou, sublinhando que isso tanto poderá acontecer com as comunidades ciganas como com outras minorias.

“Os populismos mais radicais ou de extremos e de direita normalmente fazem aquela divisão tradicional entre nós e eles e nós e eles podem ser as minorias étnicas, as minorias religiosas, até podem ser as mulheres”, acrescentou, defendendo que todos têm de estar “vigilantes”.

A propósito, lembrou, que durante o período da pandemia “o populismo cresceu muito”, sobretudo direcionado para a população cigana, “nomeadamente discursos de ódio e de incitamento ao ódio”, que “cresceram muito” na Europa em geral e em Portugal também.

“Este populismo, relativamente aos ciganos, acaba por manifestar-se em grande medida através daquilo que é o anticiganismo, que é uma forma específica de racismo enraizada muito naquela ideologia de superioridade racial e que acaba por retirar características humanas às pessoas ciganas”, explicou.

De acordo com a socióloga, este fenómeno tem “também muito a ver com a tal discriminação histórica e enraizada nas sociedades”, que “se manifesta em práticas de discriminação, digamos institucionais, até práticas mais violentas”.

Maria Manuela Mendes apontou que essa violência não tem de ser necessariamente física, podendo, por exemplo, ser verbal, na forma de discursos e de incitamento ao ódio, que “acabam por ter efeitos bastante ostracizantes” e “produzem desigualdades”.

“Olham para as pessoas ciganas como se tivessem só determinadas características e como se fossem todas iguais”, apontou, alertando que observa-se “uma grande aceitação do anticiganismo na Europa nos últimos tempos”, nomeadamente entre políticos com “posições de destaque”.

Para a investigadora, o anticiganismo em Portugal manifesta-se atualmente de “forma muito descarada, muito aberta”, apontando que para isso contribuiu a influência do partido Chega.

Por outro lado, Maria Manuela Mendes disse que o país avançou muito em relação às pessoas ciganas, mas sublinhou que ainda há muita coisa que falta fazer, destacando o acesso à habitação como o problema que “afeta de forma muito significativa” esta comunidade e lembrando que “foram séculos de uma discriminação histórica”.

Apontou que a habitação é uma questão “de uma urgência muito grande” e questionou os motivos por que “os ciganos estão em situações de grande privação em termos habitacionais”, lembrando um relatório da Agência Europeia para os Direitos Fundamentais (FRA) que apontava esta população como mais sujeita a expulsões, despejos e a viver em casas degradadas e sobrelotadas.

Maria Manuela Mendes destacou que “há sempre situações de forte discriminação no acesso à habitação”, até por parte de agências imobiliárias no momento em que percebem que estão perante uma pessoa ou uma família ciganas.

Defendeu que a questão da habitação compromete a inclusão das pessoas ciganas noutras áreas da vida, como o estudo ou a procura de trabalho, além de ter também impacto na qualidade da saúde destas pessoas, a partir do momento em que vivem “em situações de fragilidade socioeconómica e até habitacional”.

Sobre a área do emprego, a investigadora defendeu que, à semelhança da habitação, este é um dos eixos no qual “pouco se fez”, salientando que há uma grande discrepância entre pessoas ciganas e não ciganas empregadas e que o estudo da FRA indica que em 75% dos casos os ciganos sentem-se discriminados quando procuram emprego.

O Dia Internacional das Pessoas Ciganas foi criado em 1971, por ocasião do primeiro Congresso Mundial Romani, em Londres, no qual foi escolhida uma bandeira única e foi decidido criar uma linguagem universal para os povos ciganos, além da adoção da palavra ‘roma’ para identificar estas pessoas.


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