Açoriano Oriental
“Rabo de Peixe” espelha o desejo açoriano de superar o destino

O realizador Augusto Fraga e o ator José Condessa contam como foi filmar a série que estreia no dia 26 de maio na Netflix e vai levar os Açores a 190 países e a mais de 230 milhões de pessoas

“Rabo de Peixe” espelha o desejo açoriano de superar o destino

Autor: Nuno Martins Neves

Parte de um facto real - um veleiro carregado de cocaína que encalhou na ilha de São Miguel em 2001 - para contar uma história universal de superação, mas carregada de açorianidade. A série “Rabo de Peixe”, produzida pela Ukbar Filmes e criada pelo vila-franquense Augusto Fraga e Patrícia Sequeira, estreia esta sexta-feira, dia 26 de maio, na Netflix.

A história, que conta as peripécias de Eduardo (José Condessa) após encontrarem centenas de sacos de cocaína que deram à costa, está pejada de Açores. Sim, os atores principais não têm pronúncia, mas os Açores estão lá espelhados, como explica Augusto Fraga.

“Nós quando escrevemos - e eu sou dos Açores, assim como o Francisco Lopes, mas tínhamos o João Tordo e o Fernando Mamede que são do continente - foi muito importante duas coisas: é uma história universal de sonhos, de desejos, de dificuldades, de decisões; mas com um lado nosso. Que para mim não é a pronúncia, não é o pormenor de serem ricos ou pobres, é uma maneira de pensar que é das ilhas. Acho que há um desejo inerente a quem nasce numa ilha - não é por acaso que um terço da nossa população está na Diáspora - de conhecer o mundo. Temos raízes muito profundas na ilha, mas depois temos esse desejo de ver o que há além da ilha”, explica o realizador que se estreou a fazer a sua primeira série de ficção.

E da Kima Maracujá, à antiga promessa do Santa Clara, passando pela banda filarmónica, o clima e o mítico Sandro G, o que se vê em “Rabo de Peixe” é um espelho do que são os Açores.

“O Eduardo tem um drive claro por romper aquilo que estava destinado para ele: nasceu no seio de uma família em dificuldades, a mãe faleceu, ele acreditava que isso era de alguma forma injusto, de não poder chegar mais longe. E eu acho que isso é a sina da pessoa que nasceu em Rabo de Peixe, nos Açores, em Portugal, de todos aqueles que não têm a sorte de não nascer numa zona mais desenvolvida ou rica. Nós nascemos num país humilde e esse desejo de conhecer o mundo era o que eu tentei trazer e é isso que faz a série ser açoriana, mais do que outra coisa”.

Cerca de 80 por cento da série é filmada nos Açores, em várias localizações, de Rabo de Peixe às Lombadas, do ilhéu da Vila às Sete Cidades. Para Augusto Fraga, era fundamental que a série fosse feita na sua terra, mesmo com todas as dificuldades logísticas associadas.

“Para uma produção desta dimensão, o risco da meteorologia é grande. Normalmente, uma produtora quer estar segura que, com um investimento tão grande, consegue fazer o que tem para fazer. E eu queria muito, muito filmar nos Açores. Tivemos a mão de Deus a ajudar-nos muitas vezes”, diz.
Desde cenas em grutas, no alto mar, nas montanhas, Fraga sente que houve quase uma “proteção da ilha. No guião estava escrito que o Eduardo estava com o pai no banco da Esperança, no Campo de São Francisco, e depois começa a chover. E verdade, só quem viveu e estava lá, filmamos o diálogo e começou a cair a chuva no minuto que precisávamos. Houve dificuldades, mas uma beleza quase metafísica”.

O realizador de 42 anos que fez carreira como realizador de anúncios publicitários de marcas como Vodafone, Adidas ou Coca-Cola, acredita que os açorianos vão sentir “Rabo de Peixe”: “eu estou convencido que os açorianos vão sentir-se tão perto desta série como nós gostamos. O filósofo Ortega y Gasset dizia que ‘eu sou eu e todas as circunstâncias’. E toda a narrativa desta série é uma pessoa normal, perante circunstâncias extraordinárias, como é que reage, que decisões é que toma? Isso é que é interessante. É irrelevante onde nasceste”.

“Na vila de Rabo de Peixe senti o direito a sonhar”


José Condessa, que dá corpo ao pescador Eduardo, figura central da série, encabeça um elenco composto por Rodrigo Tomás, Helena Caldeira, André Leitão, Albano Jerónimo e Pepe Rapazote, entre outros. Para o ator lisboeta de 25 anos - que esteve recentemente no Festival de Cannes por causa do filme “Estranha Forma de Vida”, do reputado realizador espanhol Pedro Almodóvar - vestir a pele do jovem pescador que se vê confrontado com uma hipótese de mudar o seu destino foi “extraordinário”.

“Desde o primeiro momento que li o guião, apaixonei-me pela personagem”, que, para Condessa, vive com conflitos internos “que vão além do supérfluo certo ou errado. É uma questão intrínseca: ele tem um peso às costas, não só por causa do pai, mas também das decisões que toma, que não sendo as mais corretas, são as mais humanas e são aquelas que eu acho que eu tomaria se a vida me colocasse em certas circunstâncias como as que o Eduardo enfrentou. O Eduardo é o altruísmo, que não veio de uma ideia de querer ser rico ou narcotraficante ou de poder, mas pelos sonhos, pela irreverência de não querer um destino escolhido por alguém que não sou eu”.

Para encarnar a personagem, além do trabalho físico que o preparou para ser um pescador, o ator “mergulhou” em Rabo de Peixe para sentir o que é ser daquela vila. “As pessoas abriram a porta de casa, literalmente. Eu tive a oportunidade de viver com pessoas que tinham muito em comum com esta personagem que eu ia construir e isso trouxe-me esta resiliência e respeito pelo mar. Nas pessoas de Rabo de Peixe, eu encontrei a resiliência de ter o direito a sonhar, por elas e por quem está ao seu lado”.


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